A despedida da bela Ouro Preto veio, mas não sem antes reservar momentos memoráveis de cinema, reflexão e também oportunizar diálogos. Representantes de grupos sociais ligados a coletivos audiovisuais LGBTQIA+ e o gestor do novo Museu das Favelas (SP) dividiu a mesa de debates com o cineasta Lincoln Péricles, o LKT.

Cria do Capão Redondo, bairro periférico e populoso na zona sul paulistana, Lincoln apresentou uma de suas produções – “Mutirão: O Filme”, um ensaio sobre uma compilação de imagens fotográficas e matérias jornalísticas – e questionou sobre como as imagens e o audiovisual produzido por grupos minorizados seriam considerados para preservação. Afinal, quem seleciona e decide quais imagens devem ser preservadas, arquivadas, por vezes restauradas?

A inquietação fez borbulhar de ideias e debates não só essa como outras mesas da programação com a temática da preservação, pensada pelas curadoras Daniela Giovana Siqueira (MS) e Fernanda Coelho (SP).

Na sala ao lado, no centro de convenções da UFOP, a programação integrante da temática Educação trouxe uma última mesa de debate muito inspiradora com realizadores e educadores indígenas. Divino Tserewahú Xavante dividiu o espaço com Patrícia Yxapy Pará e com Célia Xakriabá (pré candidata a deputada federal pelo PSOL-MG).

Divino mostrou um trecho do seu filme mais recente, “O Vírus Tem Cura?”, que já havia sido exibido na cine-praça dentro da programação da Mostra, chamando a atenção para como o aparato cinematográfico tem sido usado por ele para olhar com as ideias e atingir os objetivos de relatar como vivem e o que sentem.

Yxapy ressaltou como olhares indígenas e não indígenas não se cruzam e como a temporalidade opera de uma forma distinta para ela e para outros povos indígenas; trouxe o curta “Pará-Reté”, que dirigiu ainda no Vídeo nas Aldeias, mostrando como o rito de passagem da adolescência funciona na tradição dos mbya-Guarani, tendo sua filha mais velha e a mãe, como personagens além de si própria.

Arquivando saberes e vivências na câmera

Célia destacou que fazer audiovisual nas aldeias é uma forma de “manter nossos corpos e vozes de pé, não desmatar nossos olhares.”Produzir, preservar, arquivar as produções indígenas seria para eles, uma espécie de reconquista do tempo e manutenção dos ritos educativos que não anulam a importância da oralidade e do refazer – já que é ‘arriscoso’ as coisas durarem a vida inteira -, para ensinar e educar de novo.

“Quando as mulheres morreram, a chuva veio. Tudo ficou triste”

A chuva não chegou nessa terra montanhosa, antiga, cheia de ouro nas profundezas, nas igrejas e nas paisagens. Mas, como no filme de Dário Kopenawa e Morzaniel Iramari realizado na terra indígena Yanomami no alto Amazonas, a Lua foi entristecendo com o aproximado da hora da partida. Mas não sem antes tornar a Cine OP palco de uma emocionante despedida de uma figura fundamental para os povos indígenas e em especial para os Gavião Parkatejê do Pará – Kokrenum, o Capitão.

Pelas mãos do soldado atrás de uma câmera, o indigenista e cineasta Vincent Carelli (que fundou o Vídeo das Aldeias em 1987), o filme se faz como uma devolução aos Gavião Parkatejê da filosofia de vida, da luta e dos ensinamentos de Capitão ao longo de 25 anos de filmagens.