Na crítica de “Onde está segunda?”, eu comentei que a Netflix vinha acertando nas produções seriadas, mas que o mesmo não se aplicava aos seus filmes originais. A sensação é que as produções decaiam com o tempo em relação a roteiro, direção e até mesmo na busca de um conceito. “Dívida Perigosa” segue a sina e mostra ser mais uma decepção do serviço de streaming.

O título em português já entrega bastante o que o filme aborda em seus 120 minutos de duração – o nome original é o discreto “The Outsider”. Dirigido por Martin Zandvliet (“Terra de Minas”), “Dívida Perigosa” traz Jared Leto interpretando Nick Lowell, um soldado americano preso no Japão pós-Segunda Guerra. Com dificuldades em entender os ritos da cadeia do país, Nick acaba salvando a vida de um detento, membro da Yakuza, a mais tradicional máfia japonesa. Isso leva o protagonista a entrar na organização.

A trama acompanha o entrosamento de Lowell dentro da máfia, processo que traz ao público o que regularmente acontece nos thrillers sobre máfia: desafetos de famílias rivais, violência, assassinato, cobranças e tradições que variam de cultura para cultura. A obra procura ressaltar características da Yakuza apontando alguns aspectos específicos dessa organização como a visão de gaijn – o estrangeiro – a tatuagem e o preço do pedido de desculpas.

“Dívida Perigosa” frisa esta questão da entrada de alguém externo para o jogo interno e os percalços que o ser estranho precisa passar para adaptar-se e ser aceito no lugar. A obra consegue remeter a filmes do gênero, entretanto peca em atributos de direção e montagem. O filme é lento, chega a ser arrastado e com poucas amarras que sustentem sua prolongação. Tenta criar tensão e quando não falha perdendo a atenção do público, peca em excesso.

Leto tem resquícios de seu personagem em “Blade Runner 2049”, mas não consegue segurar. A persona que resolveu incorporar lembra muito Alexander Skarsgård em “”Mudo. Os dois parecem bastante incomodados com a situação em que se encontram, ao mesmo tempo em que a abraçam e a aceitam sem esboçar nada. Ao menos nessa outra aposta da Netflix, o protagonista consegue ter expressões tristes que fazem buscar a compreensão do personagem e querer colocar o primogênito Skarsgård no colo.  Inclusive, o vocalista da 30 Second to Mars ficaria muito melhor se trabalhasse apenas as expressões faciais, já que nos momentos de seus diálogos parece saído de um dos videoclipes da banda, principalmente na era do “This Is War“.

O ator está robótico em certos momentos ainda que alguns tiques no corpo consigam remeter ao estresse pós-guerra e aprisionamento do soldado Nick Lowell. Fato que é ressaltado, mas passado por alto no decorrer da película. As motivações dos personagens nunca ficam muito claras. A rigidez do rosto do protagonista faz o filme perder pontos, o que dificulta compreender e criar empatia pelo que Lowell quer. O rosto frio não consegue transpassar a ideia de nada, nem mesmo quando há o envolvimento romântico envolvido.

E lá se vai mais um filme com uma única personagem feminina que serve apenas como escalada do protagonista. Kutsuna rouba a cena quando surge em tela. Sua paleta de cores a põe sempre em destaque nas cenas em que aparece, deixando até mesmo a impressão de que ela será importante para o desenvolvimento da trama e não ser só mais um plot.

Como filme de máfia era esperado que a marca da violência estivesse presente, mas o que se vê em tela é poucas cenas de ação e mais discussões entre famílias da Yakuza. O filme se perde em DRs que até servem para ambientá-lo, mas que não acrescentam nada de interessante ou novo a trama. Jared Leto precisa pensar um pouco nos papéis que vai pegar daqui pra frente e como pretende interpretá-los sem que fique robótico ou caricato demais, que é uma tendência já vista nele. Quanto à Netflix, a empresa precisa urgentemente atentar para suas produções originais e ter um crivo maior na escolha de projetos e diretores.

Ou continuará enchendo a prateleira de desastres.