Com “Duplo Suicídio Forçado: Verão Japonês” (1967), Nagisa Oshima coroou a chamada New Wave japonesa dos anos 1960 com um tema de grande fascínio à cultura nipônica: a morte. O diretor a brutaliza e romantiza ao mesmo tempo, aliando a composição de belas imagens a essa marcante escolha autoral. No filme, teatro, poesia e cinema encontram um equilíbrio como poucas vezes a Sétima Arte conseguiu.
Na trama de “Duplo Suicídio Forçado: Verão Japonês”, o espectador acompanha as desventuras de um rapaz sem nome (Kei Sato) e Nejiko (Keiko Sakurai). O primeiro é um jovem com claros transtornos mentais e obcecado pela própria morte, tendo como objetivo central de suas ações o suicídio. A segunda é uma moça cheia de vida obcecada por sexo, que passa a acompanhar o rapaz na esperança de conquistá-lo, embora a ela qualquer homem sirva para esse propósito. Em suas andanças sem destino definido em um Japão que remete a algum ponto no futuro, eles são capturados por uma gangue que promove atos violentos de anarquismo.
Oshima compõe um universo sem lógica para circundar os também ilógicos protagonistas. Envoltos pelo absurdo, sexo e morte surgem como os dois únicos objetos de desejo possíveis em “Duplo Suicídio Forçado: Verão Japonês”, com o segundo sobrepujando o primeiro. No mundo de ares futuristas e quase apocalíptico do filme, a metáfora nada sutil da substituição do falo pelas armas (sempre nas mãos dos homens, sempre fazendo-os perder a cabeça) assume o controle. Não por acaso, os relatos acerca de um atirador ocidental matando pessoas a esmo em Tóquio empolgam mais os membros da gangue que captura o jovem sem nome e Nejiko que a sensualidade da moça. Sakurai assume então um ar decadente e tragicômico à sua Nejiko, a jovem aberta à volúpia de qualquer homem num mundo em que tudo que os homens querem é matar e morrer. Em contraponto, há a fantástica interpretação de Kei Sato, que compõe um retrato extremamente delicado e sutil da melancolia do rapaz sem nome.
Outro ponto que une o desejo sexual ao de morte é a frustração advinda e ambos. Por um lado, a sexualidade de Nejiko é constantemente ignorada; por outro, “Duplo Suicídio Forçado: Verão Japonês” joga muito mais com a menção à morte e o desejo de encontrá-la ou promovê-la que com a violência gráfica e explícita. Somente nos minutos finais de filme Oshima aponta na direção de uma consonância entre as pulsões sexual e de morte, explicitando o que os quase 100 minutos de filme já anteviam: o sexo como prazer e possibilidade de continuidade da vida e a morte como fim da mesma andam lado a lado.
O tom ensaístico de “Duplo Suicídio Forçado: Verão Japonês” encontra uma metáfora visual interessante na fotografia em preto e branco, de alto contraste. Tal como outros cineastas japoneses, Oshima brinca com a maleabilidade dos planos de uma maneira diferente dos realizadores ocidentais. Talvez por isso o espaço fechado do esconderijo da gangue que captura os protagonistas pareça tão dinâmico, tão cheio de movimento. A câmera se move por entre os personagens como se fosse um deles, muitas vezes se pondo entre os corpos de maneira similar ao que vemos em quadros clássicos ou em peças teatrais.
Nesse sentido, a profundidade de campo desempenha um papel fundamental. O destaque aos elementos em primeiro plano nunca é tão grande a ponto de tornar “invisíveis” os elementos mais distanciados da câmera, dando um ar paranoico para além das falas e do enredo niilista do filme. Cabe aos closes representar eventualmente a subjetividade mais íntima dos personagens, especialmente no caso de nosso protagonista sem nome. O posicionamento dos atores em cena, muitas vezes funcionando como molduras, colabora para esse olhar claustrofóbico, lembrando as tradicionais mise-en-scénes dos fimes de Yazukito Ozu e, em especial, Akira Kurosawa. Por conseguinte, o filme de Oshima remonta ao teatro como poucos; vê-lo é como assistir a uma peça enquanto se caminha pelo palco.
Observar “Duplo Suicídio Forçado: Verão Japonês” do contexto atual é perceber como Oshima previu algo curioso com esse filme. Trata-se do fato de que hoje o cinema se esbalda com distopias adolescentes na qual juventude e violência anunciam um casamento feliz, com a franquia “Jogos Vorazes” representando o mais bem-sucedido deles, e o diretor japonês ironicamente adiantou tudo isso num filme experimental e nem um pouco fácil de digerir. De certa maneira, “Duplo Suicídio Forçado…” já jogava com questões que hoje são diluídas comercialmente nas mais variadas “sagas-pipoca” que se passam em cenários igualmente futuristas e desoladores. A diferença no tratamento do tema, porém, é o que faz do filme japonês um clássico.
“Duplo Suicídio Forçado: Verão Japonês” está longe de ser uma das obras mais conhecidas do diretor de “O império dos sentidos” (1976). Porém, é um filme fundamental para quem desenha conhecer mais sobre o cinema japonês e, em especial, para conhecer um dos pontos máximos da filmografia de Nagisa Oshima. A ousadia e experimentalismo da obra lhe dão ainda um ar extremamente moderno, passados quase cinquenta anos de seu lançamento, o que também coloca o filme como obrigatório para cinéfilos e realizadores.
estou fazendo um revisao da noberu bagu estes dias e tambem vendo alguns nipo noir [a serie eclipse lançou 5 filmes]
achei sua critica hoje.
segue abaixo uma cronologia dos fillmes por ano
abrx
mrlx
Olá, Murilo. Espero que tenha curtido!
Você ainda verá mais textos sobre a New Wave japonesa por aqui (não posso contar mais para não dar spoilers). 😉
PS: recomendo adicionar na sua lista “Manji” (1964), de Yasuzo Masumura. Esse filme parece um pesadelo.
decada de 50
FILMOGRAFIA SELECIONADA | NUBERU BAGU
1950
1956
• Children Who Draw, Susumu Hani (documentary)
• Punishment Room, Kon Ichikawa
• Crazed Fruit, Kō Nakahira
• Suzaki Paradise, Kawashima Yuzo
• Season of the Sun (太陽の季節 Taiyō no kisetsu?) is a 1956 black-and-white Japanese film directed by Takumi Furukawa.
1957
• Kisses, Yasuzo Masumura
• Warm Current, Yasuzo Masumura
• The Sun’s Legend, Kawashima Yuzo
• I AM WAINTING = NOIR – Kō Nakahira
1958
• Giants and Toys, Yasuzo Masumura
1959
• The Assignation, Kō Nakahira
• A Town of Love and Hate, Nagisa Oshima
decada de 60
1960
Nagisa Oshima – Conto cruel da juventude / Juventude desenfreada (Seishun zankoku monogatari)
Nagisa Oshima – O túmulo do Sul (Taiyo no hakaba)
Nagisa Oshima – Noite e névoa no Japão (Nihon no yoru to kiri)
Masahiro Shinoda – Passagem única para o amor (Koi no katamichi kippu)
Masahiro Shinoda – Lago seco (Kawaita mizuumi)
Yoshishige Yoshida – O imprestável (Rokudenashi)
Naked Island, Kaneto Shindo
The Warped Ones, Koreyoshi Kurahara
1961
Shohei Imamura – Todos porcos (Buta to gunkan) Pigs and Battleships, Shōhei Imamura
Masahiro Shinoda – O meu rosto vermelho ao pôr-do-sol (Yuhi ni akai ore no kao)
Susumu Hani – Garotos maus (Furyo shonen)/
Bad Boys, Susumu Hani
The Catch, Nagisa Oshima
1962
Yoshishige Yoshida – As termas de Akitsu / Um affair de Akitsu (Akitsu onsen)
Hiroshi Teshigahara – A Cilada (Otoshiana)
Masahiro Shinoda – Lágrimas sobre a juba do leão (Namida o shishi no tategami ni)
1963
Shohei Imamura – A mulher inseto (Nippon konchuki)
Seijun Suzuki – A juventude da besta (Yaju no seishun)
Susumi Hani – Ela e ele (Kanojo to kare)
1964
Shohei Imamura – Desejo assassino / Segredo de uma esposa (Akai satsui)
Hiroshi Teshigahara – A mulher das dunas / Mulher de areia (Suna no onna)
Masahiro Shinoda – A flor seca (Kawaita hana)
Masahiro Shinoda – O assassinato (Ansatsu)
Black sun
Intentions of Murder, Shōhei Imamura
Assassination, Masahiro Shinoda
Pale Flower, Masahiro Shinoda
Gate of Flesh, Seijun Suzuki
Tattooed Life, Seijun Suzuki
Woman in the Dunes, Hiroshi Teshigahara
1965
Seijun Suzuki – História de uma prostituta (Shunpu den)
Seijun Suzuki – A vida de um tatuado (Irezumi ichidai)
Los placeres de la carne
The Song of Bwana Toshi, Susumu Hani
• Sea of Youth, Shinsuke Ogawa (documentary)
With Beauty and Sorrow, Masahiro Shinoda/Masahiro Shinoda – Com beleza e pesar (Utsukushisa to kanashimi to)
•
• A Story Written with Water, Yoshishige Yoshida
1966
Seijun Suzuki – Tóquio violenta / O vadio de Tóquio (Tokyo nagaremono)
Seijun Suzuki – A elegia da luta (Kenka erejii)
Shohei Imamura – Os Pornógrafos (Erogotoshi-tachi yori: Jinruigaku nyûmon)
Hiroshi Teshigahara – O rosto de um outro / A visão do outro (Tanin no kao)
• Bride of the Andes, Susumu Hani
• The Pornographers: An Introduction to Anthropology, Shōhei Imamura
• Violence at Noon, Nagisa Oshima
• Fighting Elegy, Seijun Suzuki
• Tokyo Drifter, Seijun Suzuki
• The Face of Another, Hiroshi Teshigahara
1967
Nagisa Oshima – Um trato em canção japonesa pornô (Nihon shunka-kô)
• A Man Vanishes, Shōhei Imamura
• The Oppressed Students, Shinsuke Ogawa (documentary)
• Manual of Ninja Arts, Nagisa Oshima
• A Treatise on Japanese Bawdy Song, Nagisa Oshima
Branded to Kill, Seijun Suzuki/ Seijun Suzuki – A marca do assassino (Koroshi no rakiun)
1968
Shohei Imamura – O profundo desejo dos deuses (Kamigami no Fukaki Yokubo)
Nagisa Oshima – Morte por enforcamento (Koshikei)
Susumi Hani – Nanani – O inferno do primeiro amor (Hatsukoi – jigoku hen)
• Inferno of First Love, Susumu Hani
• The Profound Desire of the Gods, Shōhei Imamura
• Summer in Narita, Shinsuke Ogawa (documentary)
• Death by Hanging, Nagisa Oshima
• Three Resurrected Drunkards, Nagisa Oshima
The Man Without a Map, Hiroshi Teshigahara
1969
Nagisa Oshima – O Menino (Shonen)
Yoshishige Yoshida – Eros plus Massacre (Erosu purasu Gyakusatsu)
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Masahiro Shinoda – Duplo suicídio em Amijima (Shinjû: Ten no amijima) Double Suicide, Masahiro Shinoda
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• Aido, Susumu Hani
• Ryakushô Renzoku Shasatsuma, Adachi Masao
• Eros Plus Massacre, Yoshishige Yoshida
• Funeral Parade of Roses, Toshio Matsumoto
• Boy, Nagisa Oshima
Diary of a Shinjuku Thief, Nagisa Oshima Nagisa Oshima – Diário de um ladrão shinjuku (Shinjuku dorobo nikki)
Go, Go Second Time Virgin, Kōji Wakamatsu
decada de 70
1970
1970
• History of Postwar Japan as Told by a Bar Hostess, Shōhei Imamura (documentary)
• The Man Who Left His Will on Film, Nagisa Oshima
• Buraikan, Shuji Terayama
1971
• Red Army, Adachi Masao
• The Ceremony, Nagisa Oshima/Cerimônia Solene (Gishiki, Japão, 1971)
• Emperor Tomato Ketchup, Shuji Terayama
• Throw Away Your Books, Rally in the Streets, Shuji Terayama
• Throw Away Your Books, Rally in the Streets (Sho o suteyo machi e deyou, Japão, 1971)
• Summer Soldiers, Hiroshi Teshigahara
1972
• Summer Sister, Nagisa Oshima
1973
• Karayuki-san, the Making of a Prostitute, Shōhei Imamura (documentary)
• Coup d’État, Yoshishige Yoshida
1974
• Matsu the Untamed Comes Home, Shōhei Imamura (documentary)
• Pastoral, Shuji Terayama
1976
• God Speed You! Black Emperor, Yanagimachi Mitsuo (documentary)
• In the Realm of the Senses, Nagisa Oshima
sobre Hiroshi Teshigahara veja esta revista de cinema feita em maceio;
http://www.filmologia.com.br/?p=797 [de 2010]
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Edição #01 (Vol. 1, N. 2)
> Hiroshi Teshigahara
Artigos
A estética da metamorfose e do corpo – Ricardo Lessa Filho
Locais para o nome – Ranieri Brandão
As dunas da minha vida – Fernando Mendonça
A Mulher das Dunas (Fragmentos) – Kobo Abe
Filmes
Hokusai – Bruno Rafael
Ikebana – Ranieri Brandão
Tokyo 1958 – Nuno Balducci
Jose Torres I / II – Ricardo Lessa Filho
Otoshiana – Bruno Zanile
Sculptures by Sofu – Vita – Fernando Mendonça
A Mulher das Dunas – Ricardo Lessa Filho
Ako – Bruno Rafael
A Face de um Outro – Ricardo Lessa Filho
O Mapa Arruinado – Nuno Balducci
Summer Soldiers – Ranieri Brandão
Sculpture Mouvante – Jean Tinguely – Ranieri Brandão
Antonio Gaudí – Maria do Carmo Nino
Rikyu / Gô-Hime – Fernando Mendonça
sobre yoshishige yoshida;
https://freakiumemeio.wordpress.com/tag/nouvelle-vague-japonesa/
abrx
mrl=x
hoje vou tentar ver 3;
The Warped Ones do Koreyoshi Kurahara
o segundo do oshima, conto cruel da juventude [de 60]
e Giants and Toys do Yasuzo Masumura [de 58]
abrx
conferir dowload abaixo
http://hawkmenblues.blogspot.com.br/2012/09/akitsu-onsen-yoshishige-yoshida-1962.html
erro
o certo é este:
http://hawkmenblues.blogspot.com.br/2013/12/muri-shinju-nihon-no-natsu-nagisa.html
presentes:
http://www.culturgest.pt/docs/Eros+Revolta_FSlite.pdf
https://jornaltabare.wordpress.com/2014/02/13/a-nouvelle-vague-japonesa-uma-introducao/
este é maravilhoso
baixei esta semana e fiquei impressionado…
voce vai gostar
e passe pra frente, viu :),
namastê
mrl-x
Nouvelle_Vague_-_Cinemateca_Portuguesa.pdf
https://mega.co.nz/#!fFNHzJDZ!SDSwICgQOTh7OGwNlbF6ETg8QU4QqcnkPeZwj7mVv1Q