O Brasil vai às urnas neste 5 de outubro sem discutir a cultura. Durante três meses de campanha, o assunto passou à margem de qualquer programa eleitoral, debates dos candidatos ou da pauta jornalística. Triste ou não, o fato apenas confirma o que era esperado e reflete o desinteresse tanto da população quanto da classe política sobre o tema.

Pesquisa realizada pelo Sesc no segundo semestre de 2013 com 2.400 pessoas trouxe dados alarmantes sobre o consumo cultural no país:

– 51% não frequentava nenhum tipo de atividade cultural no fim de semana;

– 71% nunca esteve em exposições de pintura, escultura ou outras artes em museu;

– 58% não leu um livro nos últimos seis meses;

– 89% nunca esteve em uma ópera ou um concerto de música clássica;

– 61% nunca foi a uma peça de teatro;

– maior parte da população não realiza atividades culturais.

Se a quantidade de gente sem acesso às artes já assusta, pensar no consumo cultural do Brasil não deixa o cenário muito animador. As programações das salas de cinema do país, por exemplo, dão espaço apenas aos principais lançamentos de Hollywood e às comédias populares de péssima qualidade produzidas pela Globo Filmes. O teatro está abarrotado de peças com subcelebridades ou stand-ups comedy de baixa qualidade, enquanto na música brilha o sertanejo universitário com letras tão profundas quanto o nível da Cantareira. Artistas ou produções com propostas diferentes e conteúdos mais reflexivos ficam relegados a espaços alternativos sem grande destaque nos meios de comunicação e com baixos públicos.

Em geral, a cultura virou sinônimo de diversão, entretenimento no Brasil. Algo além disso, está fadado ao fracasso ou à espera de um milagre.

A campanha política realizada neste ano reflete bem esse cenário. Exceto por Marina Silva que se reuniu com profissionais do setor no dia 15 de setembro em São Paulo, nenhum dos outros candidatos à Presidência da República dedicou encontros com entidades culturais para falar sobre projetos e propostas. Pautas como a Lei Rouanet, a Ancine, Direito Autoral, biografias não autorizadas, editais de investimento, o Fundo Nacional de Cultural, a falta de opções culturais no interior do país são menos importantes do que ter a presença de estrelas como Zezé Di Camargo, Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Gregório Duvivier, Luciano Huck no horário eleitoral ou em uma foto nas redes sociais. Afinal de contas, o orçamento do Ministério da Cultura estimado em 3,26 bilhões é uma ninharia perto de pastas com dinheiro para dar e vender como a Saúde, Educação e Minas e Energia.

Essa ausência da abordagem da cultura em âmbito nacional se refletiu ainda mais nas campanhas estaduais. Nos dois locais em que acompanhei de perto o período eleitoral, Amazonas e São Paulo, nada foi declarado sobre o assunto por candidatos a governadores, senadores, deputados federais e estaduais. Por outro lado, o discurso da repressão policial, redução da maioridade penal e investimento nas polícias militar e civil não saíram de pauta por um instante sequer. Triste notar que a tentativa de combater a violência no Brasil ainda passa apenas pelo discurso da punição.

Dentro do clima de que arte é entretenimento, o jornalismo cultural brasileiro acompanhou esse cenário de desastre nas eleições 2014. Preocupado muito mais em ser uma grande agenda de eventos ou cobrir os eventos da moda, o setor mostrou mais uma vez sua irrelevância ao não abrir espaço para a cobertura da campanha política. Ou você viu entrevistas com as propostas dos candidatos em algum jornal, site ou programa de TV dedicado ao assunto?

Para piorar, os mais importantes críticos da área no Brasil, em vez de analisar com riqueza de argumentos o cenário político do país e se revoltarem com a falta de propostas para a cultura, resolveram sair como cabos eleitorais de candidatos dispensando o potencial da reflexão. Isso para não falar daqueles que continuam apenas escrevendo sobre cinema, música, teatro como se não estivéssemos vivendo um momento importante para a nação.

142 milhões de pessoas irão votar neste domingo sem uma discussão decente sobre os rumos da cultura no Brasil.

O que podemos esperar de um país como esse?

PS: o discurso também vale para o esporte. Estamos a menos de dois anos das Olimpíadas no Rio de Janeiro e saímos de uma Copa do Mundo que revelou o atraso gritante do futebol brasileiro símbolos do desmando da CBF e confederações estaduais. Nada foi discutido sobre o assunto em rede nacional. Mais preocupado com os jogos do Brasileirão e a história emocionante do dia, a imprensa esportiva teve um papel abaixo da crítica nestas eleições 2014. Ah: o discurso da repressão policial, redução da maioridade penal e investimento nas polícias militar e civil não saíram de pauta por um instante sequer.