No filme Elysium, a distopia e a utopia convivem na mesma narrativa. A história se passa em 2154, época na qual a Terra se tornou superpovoada. Los Angeles, basicamente, virou uma enorme favela, igualzinha às que vemos em regiões da África ou mesmo no Brasil. O espanhol aparentemente virou a língua oficial e a população vive em meio à violência e aos problemas sociais. Já os ricos abandonaram o planeta e se mudaram, com toda a sua riqueza e progresso tecnológico, para uma estação espacial chamada Elysium. Ou seja, no céu existe o literal paraíso, enquanto na superfície todos vivem no inferno.

O herói da história chama-se Max (vivido por Matt Damon). Por toda a vida ele sonhou em se mudar para Elysium, mas nunca teve dinheiro para tanto. Então ele sofre um acidente na indústria onde trabalha e descobre que morrerá em cinco dias. Só lhe resta pegar carona numa das naves que vez ou outra tentam aterrissar na estação, pois é lá que está a única cura disponível. No entanto sua jornada vai mudar para sempre a dinâmica destes dois mundos separados.

Por trás do roteiro e da direção de Elysium está Neill Blomkamp, revelado há alguns anos pelo seu filme de estreia, a ficção-científica Distrito 9 (2009). Com sua trama envolvendo alienígenas presos na África do Sul, Distrito 9 fazia um brilhante uso da capacidade alegórica da ficção-científica, pois apesar de todos os efeitos e criaturas estranhas, era uma obra sobre o preconceito, apresentando uma situação muito humana num contexto extremo de fantasia. Elysium segue a mesma pegada de Distrito 9, apenas numa escala maior – e essa escala maior acaba se revelando prejudicial ao projeto.

Tematicamente, são filmes irmãos. A trama de Elysium é mais abertamente política, podendo ser interpretada como metáfora da imigração. Ora, os pobres e sem recurso desejam a todo custo “emigrar” para o lugar melhor, mesmo correndo risco de vida. A sequência no início, com as naves lotadas de necessitados tentando chegar à estação, lembra uma tentativa de cruzar a fronteira dos Estados Unidos – e a personagem da atriz Jodie Foster, a chefe de segurança de Elysium, age nesta sequência como uma verdadeira guarda da fronteira. No fundo, o longa aborda a velha luta de classes, e Blomkamp está claramente do lado dos excluídos: todos os personagens ricos e poderosos são figuras desprezíveis e maldosas, enquanto os moradores de Los Angeles são vistos com simpatia, mesmo os do lado contrário da lei.

E visualmente, o filme é um grande espetáculo. Demonstrando ter aprimorado ainda mais seus instintos visuais desde Distrito 9, Blomkamp cria sequências de grande impacto visual, como a primeira visão de Elysium no espaço ou as panorâmicas da favela de Los Angeles. Os efeitos de computação são primorosos, promovendo uma total união dos elementos rodados ao vivo nas locações com as naves e robôs acrescentados na pós-produção. O design do filme também é soberbo, conferindo realidade a elementos fantasiosos como o “exoesqueleto” usado por Max, e diferenciando os ambientes: Elysium parece um cenário de um filme de ficção das antigas, lá tudo é perfeito, claro e limpo, e o visual na Terra é o completo oposto – os ambientes são dilapidados e escuros.

Pena que o esmero visual não se estenda ao trabalho de Blomkamp na condução do elenco. Os maiores destaques dentre os atores são os brasileiros Alice Braga e Wagner Moura. Alice, sempre confiável, confere peso e força à Frey, amiga de Max. E Moura rouba várias cenas do longa com sua atuação cheia de energia. No papel do hacker Spider, figura eminente do submundo de Los Angeles e o único capaz de pôr Max em Elysium, Moura atua expansivamente, fala alto e até deixa passar alguns palavrões em português. Mas nunca cai na caricatura ou no exagero, e sua atuação ajuda a energizar a história sempre que Spider está em cena. Já os outros atores não estão tão interessantes: Damon está apenas correto como o herói (um personagem que ele sabe fazer dormindo) e os antagonistas Jodie Foster e Sharlto Copley, de Distrito 9 são bem unidimensionais. Copley, que interpreta o mercenário Kruger, até começa bem, mas se entrega ao exagero conforme a história progride.

Elysium é uma produção bem maior do que Distrito 9. Por isso mesmo, Neill Blomkamp não consegue ser tão ousado quanto antes e, no seu trecho final, o filme se entrega a convencionalismos que roubam sua força. A curiosa luta social do início dá lugar, no fim, à batida trama do “herói lutando para salvar a humanidade”. E na meia hora final, o roteiro resolve dotar Kruger de uma súbita vontade de “dominar o mundo” para mover a trama adiante. E as sequências de ação, embora intensas e criativas, poderiam ter uma edição mais controlada – em alguns momentos se torna difícil entender o que se passa devido à câmera exageradamente tremida.

Esses problemas comprometem o resultado final, e o longa acaba sendo apenas mediano. Há muitas qualidades em Elysium, mas esses problemas, aliados a uma resolução simplista e convencional retiram do filme toda a sua contundência. O conflito entre privilegiados e excluídos de Neill Blonkamp tem força graças à visão do diretor e vale a pena continuar a acompanhar sua carreira, mas no geral seu segundo longa não consegue alcançar as estrelas.

Nota: 6,0