Resistência e a defesa da importância de se sonhar. Estes dois sentimentos dominaram a coletiva de imprensa online do filme “Veneza” com participação do Cine Set. Transmitida via YouTube, o evento contou com as presenças do diretor/roteirista do filme Miguel Falabella e membros do elenco Dira Paes, Eduardo Moscovis, Carol Castro, Danielle Winits, Caio Manhente e Roney Villela.

“Veneza” é um filme sobre o poder e a importância do sonho. Nele, acompanhamos a velha prostituta cega Gringa, vivida pela estrela Carmen Maura (“Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos”), motivada pelo sonho de viajar a Veneza para se reencontrar com um grande amor do seu passado. Sua “família”, as demais prostitutas que vivem e trabalham no seu bordel, bem como o personagem de Moscovis, se unem para tentar tornar esse sonho possível.

Durante a conversa conduzida pela jornalista e crítica Flávia Guerra, o diretor e os atores levantaram a bandeira pelo direito de sonhar, às vezes até se emocionando. “Veneza” foi originalmente filmado em 2018, mas devido à pandemia seu lançamento comercial foi atrasado e só agora, neste dia 17 de junho, ele chega aos cinemas brasileiros. Em 2019, o longa foi exibido no Festival de Gramado e Carol Castro saiu de lá premiada como Melhor Atriz Coadjuvante.

Falabella abriu a coletiva falando sobre como descobriu a peça original de teatro que deu origem ao filme, “Venecia”, do argentino Jorge Acamme. “O texto me encantou. Havia magia no palco, mas sempre acreditei nas possibilidades cinematográficas dessa fábula”, disse o diretor.

ARTE PARA LEVAR SONHOS E ESPERANÇAS

Já Dira Paes comentou sobre a sua personagem, a prostituta Rita, e sobre o que une os personagens da história: “Ela reconheceu a generosidade da Gringa, a qual fez com que todas as meninas se sentissem devendo algo para ela. E a Gringa tem um sonho, batalha por ele com seus últimos suspiros. Por isso, a Rita, minha personagem, faz do sonho da Gringa o próprio sonho. A gente sempre precisa de alguém para realizar o nosso sonho. É esse sentimento que as conecta, conecta os personagens”.

Sobre a experiência de contracenar com a já lendária Carmen Maura, estrela de vários filmes de Pedro Almodóvar, Dira afirmou: “Foi uma paixão à primeira vista que ocorreu entre ela e o Miguel. Foi algo incrível. Me lembro que ela me deu um abraço e disse: ‘quero me acostumar com a sua voz’. São coisas assim, esses detalhes que alimentam um ator”.

O tema da resistência da arte face às dificuldades do momento político do Brasil foi abordado por todos, mas foi Eduardo Moscovis quem mais se mostrou afetado por isso. Visivelmente emocionado, o ator relembrou a experiência difícil, mas positiva, das filmagens em contraste com este momento do lançamento de “Veneza”. “A briga em que a gente está agora, de resistência, é dolorosa. Para gente que é artista, temos a noção da dificuldade de sobreviver e realizar nossas crenças artísticas. Fazemos arte pela gente, mas também para o público, para levar esperança, o sonho, para todos. Falar de “Veneza” agora é muito potente”.

Carol Castro também se emocionou ao relembrar a experiência de filmar “Veneza” pouco depois de ter dado à luz a sua filha. “Minha personagem, a Madalena, é a encarnação do amor”, disse Carol. “Fui a última a entrar no filme, tinha acabado de parir, e o filme foi uma descoberta. Não esperava prêmio nem nada, e a Madalena me trouxe o frescor do sonhar, da persistência de ir em busca de um sonho”.

AMBIENTE DE TRABALHO SOLAR

Miguel Falabella acabou expandindo um pouco a trama da peça durante o processo de adaptação, incluindo o curioso relacionamento entre a personagem Madalena com o jovem Julio (Caio Manhente). Embora o filme não especifique, fica claro que Julio é um personagem transexual com sexualidade fluida. Falabella afirmou: “Aumentei a peça, que originalmente só durava 40 minutos, com a autorização do autor. Então incluí essa trama, para abordar justamente esses assuntos, inspirado por um casal de um cabaré que conheci quando eu tinha uns 20 e poucos anos, um travesti e uma prostituta que viviam juntos e bem”.

Roney Villela, que interpreta o pai de Julio, e Caio Manhente comentaram especificamente o conflito de seus personagens. “O Brasil está entulhado de gente como o meu personagem, chucro e preconceituoso”, disse Villela. “É um cara que leva o filho no bordel para ele ter o carimbo da masculinidade. É um personagem fácil de cair no clichê. É um rasgo na poesia do filme, embora também contribua para a poesia. E ele é fundamental para o filme trazer esse tema à mesa, para discussão”. Já Manhente, também emocionado, afirmou: “O Brasil é o país mais transfóbico do mundo. Quando fui construir o Júlio, meu cuidado foi de não torná-lo amargurado. Nas cenas com a Carol, ele está vivendo plenamente a sua vida, está feliz. Claro, esse tema é muito sensível, e também busquei encontrar o personagem em mim. É uma responsabilidade muito grande. Em casa, ele vivia um personagem, já nas cenas com a (personagem da) Carol ele era verdadeiro. O Júlio mudou minha vida como ator”.

E sobre as dificuldades da produção, Miguel Falabella afirmou: “Tivemos que mudar as filmagens do Brasil para o Uruguai, o que consumiu parte do orçamento. Foi pouco tempo, enfrentamos uma tempestade elétrica, mas acho que fizemos muito bem com o que nós tínhamos. É a minha realidade e tenho que aprender a viver com isso”. Sobre a experiência, o trabalho dirigindo cinema e porque ele demorou tanto para dirigir outro filme – o trabalho anterior de Falabella na direção foi “Polaroides Urbanas” de 2007 – o diretor disse: “Cinema é muito difícil e nunca encontro muito tempo. Mas me sinto confortável, resolvo minhas coisas numa boa. E trabalho com pessoas que admiro muito. Sou tão agradecido de tê-las que o ambiente de trabalho fica solar. Sou um privilegiado, vivo do que amo fazer. Tenho certeza que “Veneza” será visto e sua atemporalidade o fará ser visto por muito tempo”.

E para arrematar seu comentário sobre o difícil momento em que estamos, Falabella falou: “Temos de criar ilhas de sensibilidade em meio à barbárie, neste nosso momento, para nós mesmos. Acho que o filme não chega no momento ideal, é o que temos para lidar, mas chega em um lindo momento”. De fato, em meio a nossa realidade, um pouco de sonho e sensibilidade, qualidades que Veneza traz para seus espectadores, acabam realmente funcionando como bálsamos.

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