Imagine um filme da saga Star Wars no qual Luke Skywalker fosse recrutado pelo Império Galáctico e passasse quase todo o tempo aprendendo a usar a Força, sem nunca partir para a ação, e você poderá ter uma ideia aproximada do que é Ender’s Game: O Jogo do Exterminador. Trata-se de uma mistura de ficção-científica e aventura na qual as ideias, até interessantes, são abordadas de modo confuso, e a ação é substituída por falatório.

No filme, a humanidade já está há décadas travando uma guerra com alienígenas misteriosos conhecidos como “Formics” – eles têm esse nome devido à semelhança com formigas, tanto no aspecto físico como na forma como organizam sua sociedade. O exército da Terra recruta crianças para treinar em simulações e exercícios, desenvolvendo assim suas habilidades. O herói do filme é o garoto Ender Wiggins (vivido por Asa Butterfield), que assume posição de destaque junto ao seu batalhão e se torna o favorito do Coronel Graff (Harrison Ford).

Dirigido por Gavin Hood – o mesmo do fraco X-Men Origens: Wolverine (2009) – e baseado no livro de Orson Scott Card, Ender’s Game exemplifica bem a tendência de Hollywood de apostar em histórias dirigidas para o publico adolescente. A maior parte do elenco é jovem – além de Butterfield, ainda vemos no filme Abigail Breslin, a eterna estrela de Pequena Miss Sunshine (2006), e Hailee Steinfeld, revelada em Bravura Indômita (2010) dos irmãos Coen. Para dar credibilidade a história, os personagens mais velhos são vividos por figuras como Ben Kingsley e Viola Davis (que até aparecem pouco), além do próprio Ford.

O problema é que a história não é muito profunda (o roteiro é de autoria do próprio Hood). A caracterização do protagonista é frágil, portanto nunca conseguimos compreender porque todos consideram Ender, um jovem violento e com uma inteligência apenas normal, alguém tão especial. Apesar de todos os esforços de Asa Butterfield, um ótimo ator dotado de olhos expressivos tão bem utilizados por Martin Scorsese em A Invenção de Hugo Cabret (2011), o protagonista muitas vezes parece antipático e passa por um arco narrativo clichê – primeiro renega sua natureza violenta, e depois é convencido a aceita-la para voltar ao treinamento.

Aliás, há problemas de lógica relativos ao funcionamento do exército do filme que o roteiro não explica. Após o treinamento, o que acontece com as crianças? Se são mandadas para comandar batalhas reais, a reviravolta de roteiro da meia hora final não faz muito sentido. E por que elas são os principais candidatos para o treinamento? Graff afirma que elas assimilam conhecimentos mais rápidos que os adultos ou algo assim, mas talvez seja porque as crianças simplesmente jogam videogame melhor que seus pais… E no fim do filme Ender é promovido a almirante – à essa altura o funcionamento da hierarquia militar do filme se torna realmente inacreditável para o espectador.

E o que dizer do treinamento do protagonista? Não há risco nem emoção, o que contribui para o tom morno da narrativa. O espectador fica na espera pelo fim do “tutorial” do jogo e de todas as conversas entre os personagens, e ansioso para que o videogame enfim comece, mas isso nunca chega a acontecer.

É curiosa a forma como nenhum personagem parece questionar a sociedade humana do filme, onde ter três filhos parece ser uma contravenção e, aparentemente, as famílias são obrigadas a mandar suas crianças para o serviço militar. Apenas Ender, num determinado momento da história, se questiona sobre suas ações, mas é logo convencido a continuar no treinamento pela própria irmã. É interessante essa posição do filme, de valorizar de certa forma a cultura militarista capaz de mandar até crianças para conflitos e ao final subverte-la, mostrar seu lado negro, mas mesmo essa subversão é diluída porque o filme não parece querer abordar essas questões mais a fundo.

Essa mentalidade superficial é dominante em Ender’s Game, uma produção medíocre que não estabelece uma conexão direta com o espectador, tem um protagonista distante e desperdiça todos os bons atores que tem – a aparição de Ben Kingsley, em especial, é muito constrangedora. Não funciona para os adultos porque não tem muita substância, e não funciona para crianças porque não tem ação suficiente. Assistir ao filme é como ficar vendo alguém jogar um game muito legal por duas horas, mas sem poder experimentar por nós mesmos.

NOTA: 3,5