Em 1997, “Baile Perfumado”, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas, deu início a uma nova etapa do cinema pernambucano. Dali por diante, o Estado tornou-se um dos mais prolíficos do país com muitas das melhores obras da produção autoral brasileira. O sucesso comercial e em festivais mundo afora de “Bacurau” é o ápice desta jornada sem tempo para dar pausa.
Cinema, entretanto, não se faz apenas de diretores, atores e equipe técnica. Antes da ação rolar no set de filmagem, há todo um processo burocrático, de letras miúdas das normas jurídicas. Depois, é a hora da prestação de contas. Tudo precisa ser devidamente seguido para evitar problemas maiores, especialmente, em tempos tão nebulosos como os atuais.
Sediado em Recife, o escritório Sales e Medeiros foi o primeiro do setor dedicado às artes e audiovisual no Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil. Kleber Mendonça Filho (“Bacurau”, “Aquarius”), Marcelo Gomes (“Cinema, Aspirinas e Urubus”) e Karim Ainouz (“A Vida Invisível”) são alguns dos clientes do escritório.
Presente ao Mercado Audiovisual do Norte – Matapi 2019, o sócio-fundador Diego Medeiros conversou com o Cine Set sobre as dúvidas frequentes dos realizadores da região Norte, o momento da Ancine e possibilidades de modelos de negócios viáveis para o cinema local.
Cine Set – Quais foram as principais dúvidas que os realizadores locais trouxeram a vocês no Matapi?
Diego Medeiros – Durante as consultorias jurídicas no Matapi, atendemos os mais diversos tipos de profissionais e dúvidas. Tivemos pessoas físicas com questões sobre processos de contratação na área do audiovisual, se as relações estão seguindo a legislação.
Já as empresas trazem dúvidas sobre contratos, questões contábeis relacionadas ao campo jurídico até produtoras com perguntas sobre legislação relativa a coproduções nacionais e internacionais, direitos autorais na abordagem de personalidades ou pessoas que já morreram e como direcionar tudo dentro da legalidade.
Cine Set – Como você decidiu entrar neste campo do Direito mais relativo ao setor cultural? A expansão do cinema pernambucano teve algum impacto nesta decisão?
Diego Medeiros – Sim, este paralelo realmente aconteceu. Pernambuco sempre teve esta questão de vanguarda no cinema, pois, foi o primeiro local do país a ter uma lei estadual para o audiovisual. A nossa legislação acabou inspirando outros Estados para também lutar por uma política de investimentos no setor. Há também um edital há 12 anos, bastante consolidado. Com isso, estamos conseguindo bastante frutos como, por exemplo, filmes participando dos principais festivais ao redor do mundo – Berlim, Cannes, Roterdã, Sundance.
A existência do escritório e a minha própria atuação profissional é fruto desta política de investimento do audiovisual em Pernambuco. Desde a época em que estudava na faculdade de Direito do Recife, vinculada à Universidade Federal de Pernambuco, vários produtores entravam em contato comigo dizendo que precisavam de uma assessoria pelo fato de muitos advogados não conhecerem os meandros do setor.
Nesta época, comecei a voltar minha atuação para esta área, entendendo a fundo o que eram os editais, as leis de direitos autorais, a Ancine e toda a complexa estrutura do audiovisual brasileiro. Hoje, o nosso escritório está 100% voltado para essa atuação em cinema, projetos para TV e audiovisual.
Cine Set – Manaus ainda não possui escritórios ou firmas jurídicas com a especialização no setor cultural como vocês tem. Você acha que é um caminho que os advogados têm um mercado ou depende muito da região e da cena artística local?
Diego Medeiros – Por Pernambuco ter um edital consolidado com mais de 12 anos e uma política pública muito forte de incentivo ao setor, há uma previsibilidade capaz de permitir que tenhamos uma perspectiva de aprovação de uma quantidade de projetos aprovados, ou seja, existe um mercado.
Para investir aqui em Manaus, por exemplo, é preciso observar questões como estas. Se há editais regulares, como vai ficar a política de incentivo feita pela Ancine nos próximos anos, entre outros aspectos. Mas, a minha sugestão é que o profissional comece aos poucos e não se volte completamente para área até por ser algo novo; nas universidades, por exemplo, ainda não se ensina este ramo.
Outra dica é que o advogado se especialize muito, entender qual o mercado e atuar em determinados projetos para sentir como funciona. Há uma complexidade e demora neste tipo de processo: leva-se um ano para a inscrição, mais um ano para aprovar, um ano para contratar, um ano para executar…
Muitas vezes você pode somente receber depois do trabalho executado quando sai o recurso do Fundo Setorial do Audiovisual ou de outra fonte de financiamento. É preciso entender todas as variáveis sempre com muita dedicação e planejamento.
Cine Set – Falando agora sobre o momento do cinema nacional, o que você sente que tenha mudado na Ancine dentro da área jurídica?
Diego Medeiros – Os projetos vão precisar cada vez mais de uma assessoria jurídica especializada, pois, dentro do cenário atual, estes aspectos serão ainda mais requisitados, tanto pelas regras da Ancine, que sempre teve uma legislação muito séria, quanto a situação recente do Tribunal de Contas da União relacionado ao audiovisual.
Um projeto audiovisual é como se fosse uma empresa, criada temporariamente com início, meio e fim. Dentro desta empresa, você precisa contratar vários profissionais para executar de forma correta as suas respectivas funções.
Para quem atua na área, não chega a ser um problema tais questões; é algo correto pela maioria do investimento vir de dinheiro público, logo, precisa haver uma seriedade, expertise, competência para executar de forma exata a prestação de contas e os produtores entregarem à sociedade um produto de qualidade. Não é só receber o recurso; é preciso aplicá-lo corretamente e prestar contas para que o investimento público seja legitimado.
Tivemos uma oportunidade recente de participar de uma reunião com a presidência da Ancine e a preocupação deles, neste momento, é estruturar o ritmo da operação juridicamente para que tudo possa funcionar e demonstrar a seriedade do que está sendo feito. A agência está se reestruturando para atender as demandas exigidas pelo TCU.
Cine Set – Durante uma das mesas do Matapi, você citou que o seu mestrado abordou os modelos de negócios do cinema pernambucano. De tudo o que você pesquisou e acompanha ao longo destes anos em Pernambuco, o que você acha que o audiovisual de Manaus poderia replicar em relação a algum destes modelos?
Diego Medeiros – Não existe um modelo único, claro, pois, cada região possui suas particularidades, mas, uma coisa que posso indicar aos produtores é que consigam desenvolver e estruturar bem os seus projetos. Para tanto, se faz necessário buscar especialistas de determinadas áreas como, por exemplo, profissionais de contabilidade, assessoria jurídica, entre outros.
Ter este entendimento claro da tua proposta ajuda a direcionar para onde vai escoá-lo. O produtor precisa entender qual o tipo de player ele precisa procurar para determinado tipo de projeto. Muitas vezes, você tem um projeto incrível, mas quer apresentar para todo tipo de player; não é assim. Você precisa saber qual é o perfil do seu projeto e o que aquele canal ou produtora busca.
Tentar fazer mais coproduções pode ser um outro caminho. Pode ser tanto coproduções internacionais, mas, também nacionais com outras regiões do país: o Norte, por exemplo, tem muita ligação com o Nordeste e poderia se olhar mais para estas parcerias. Isso ajudaria o mercado a se aquecer, pois, dentro destas regiões, as pessoas poderiam se profissionalizar nas áreas e assumir postos de trabalho.