Guilherme Cezar Coelho estava muito bem dentro do documentário: diretor de dois filmes premiados – “Fala Tu” e “PQD” – e produtor de outras duas produções do mestre Eduardo Coutinho, incluindo o clássico “Jogo de Cena”. O cineasta, entretanto, resolveu se arriscar e embarcou no desafio de estrear no campo ficcional.

Para isso, assumiu um outro desafio: adaptar o belo romance do escritor amazonense Milton Hatoum, “Órfãos do Eldorado”. Como se levar para as telas um romance de um dos principais romancistas da literatura brasileira da atualidade, Guilherme decidiu gravar o filme no Pará aproveitando o cenário amazônico.

O resultado já pode ser conferido pelo público de Manaus com a chegada de “Órfãos do Eldorado” no Playarte do Manauara Shopping. Em entrevista para o Cine Set, Guilherme fala sobre todo o processo de realização do filme, a ligação familiar com a Amazônia e a expectativa da chegada do longa na capital amazonense:

Cine Set – Guilherme, quais foram as dificuldades encontradas para fazer “Órfãos do Eldorado” chegar a Manaus? Você acha que o sistema de distribuição de filmes no Brasil continua excludente para filmes fora do circuito mainstream? Como solucionar isso?

Guilherme Coelho – O “Órfãos do Eldorado” chega a Manaus para a minha alegria e também do Milton, da equipe e de todo o elenco. Nunca é fácil fazer um filme independente, artesanal, chegar aos cinemas. Conosco não foi diferente. Mas, devido a atenção que o Milton gera e à expectativa em torno do filme, das atuações do Daniel de Oliveira e da Dira Paes, nós vamos conseguir chegar a Manaus, o que pra gente é muito importante, pois o longa foi concebido para se aproveitar do silêncio, do som, e da tela grande da sala de cinema.

Acho que a maneira de aumentar a distribuição de filmes independentes, brasileiros e estrangeiros, é dividirmos sessões, conseguimos ganchos para a imprensa e batalhar para as pessoas irem ao cinema no primeiro final de semana.

Cine Set – Como espera a recepção de “Órfãos do Eldorado” em Manaus? 

Guilherme – Eu espero que o “Órfãos” seja visto como um filme “de dentro”, um filme que traga algo autêntico às plateias amazonenses. Que seja reconhecido esteticamente como um filme amazônico, e não apenas passado na região.

Cine Set – De que forma você procurou abordar a região e o povo amazônico? Antes do filme, você conhecia com a cultura local? 

Guilherme – Meu avô se chama Oswaldo do Amazonas, nasceu no estado, depois se mudou pra Belém. Em 1940, ele foi pro Rio, e eu só vim a conhecer a região amazônica sete anos antes de rodar o “Órfãos”. Mas, durante seis anos ,viajei duas ou três vezes por ano pela região, fotografando, conversando, anotando, sonhando. E, no final desse processo, eu quis fazer um filme que fosse mais crepuscular que solar; mais de rio do que de floresta; estilizado; melodramático mas com estranhamento. E acima de tudo, um filme que trouxesse uma Amazônia não-idílica, uma Amazônia em transformação, com cidades e natureza vivas. 


Cine Set – Como foi o contato com o Milton Hatoum durante a elaboração do filme? Adaptar o roteiro de um escritor ainda vivo que você admira te pressionou de alguma forma? O Milton teu deu algum retorno sobre o que achou do filme? 

Guilherme –  Adaptar, lidar e dirigir o Milton (como ator) foi sempre uma aula de nobreza de espírito: elegância, simplicidade e generosidade. Acho que ele gostou do filme, mas é melhor perguntar a ele.

Cine Set –  O livro é ambientado antes da Primeira Guerra Mundial durante o ciclo da borracha. Por que a decisão de trazer a história para os dias atuais? Quais as mudanças mais significativas e o que você buscou preservar nessa adaptação? 

Guilherme –  Eu tinha muito medo de fazer um filme de época e que isso resultasse num filme modorrento, então uma das primeiras decisões foi trazê-lo para um tempo contemporâneo. No entanto, eu não queria cravar uma data certa. Queria deixá-lo suspenso no tempo, podendo acontecer em qualquer momento nestes últimos 25 anos. Achei, e acho, que isso ajudaria a deixar o filme mais aberto a múltiplas leituras – que é o meu principal objetivo hoje no cinema: fazer filmes cujas narrativas se completem na espectadora, filmes que se construam na alteridade, um cinema que reforce e revele nossas subjetividades, nossas diferenças. Estas são, pra mim, as abordagens mais ricas, e infinitas, de contar uma história. 

Cine Set – Quando você teve a decisão de investir no campo da ficção após filmes bem sucedidos no documentário? Onde os processos de realização mais convergem e mais se afastam na produção de um documentário e da ficção? 

Guilherme – Eu estava pesquisando para um filme sobre meu avô, que saiu da Amazônia pra Nova York na década de 1920, e depois pro Rio. Justamente nesse momento o Milton lançou o “Órfãos”, e havia tantas interseções, que eu me lancei nessa aventura de fazer ficção só pra adaptar esse livro. A grande diferença pro documentário, e especialmente pro documentário de cinema-direto e também pro cinema de encontro, tipos de cinema que eu vinha tentando fazer, é que você tem que conceituar, planejar e construir um “mundo”, antes de filmá-lo. Nos documentários de narrativa mais espontânea, isso acontece depois de rodar, na montagem. 

Aprender como lidar com direção de arte foi uma grande oportunidade, um novo saber. O mais interessante, no entanto, foi ver como dirigir atores é parecido com a relação que temos com personagens no documentário. No documentário, filmar gente “de verdade”, é pensar o tempo todo sobre representação. Filmar com atores é fazer isso conscientemente, com eles, usando toda a experiência e técnicas que eles trazem. 

Cine Set – Você conhece algo sobre a produção de cinema realizada no Norte do Brasil, especialmente, no Amazonas? Qual a sua opinião sobre ela? 

Guilherme – Sei muito pouco, apenas coisas que a Eliane Ferreira me apresentou.

SERVIÇO

O Quê – Órfãos do Eldorado
Direção: Guilherme Coelho
Elenco: Daniel Oliveira, Dira Paes, Mariana Rios
Onde – em cartaz no Playarte do Manauara Shopping
Quando – sessões diárias às 21h30
Sinopse – Após um período longe, Arminto Cordovil (Daniel de Oliveira) retorna para a casa do pai e logo reencontra Florita (Dira Paes), a atual amante dele, com quem teve um caso no passado. Quando o patriarca morre, cabe a Arminto assumir os negócios da família, apesar de seu pouco interesse pelo assunto. Até que, em um bar, ele se encanta por uma cantora (Mariana Rios). Após uma noite de amor, Arminto passa a procurar por ela em todo lugar.