“Boi Neon”, “Divino Amor”, “Pássaros de Verão, “O Banheiro do Papa” e “Roma”. Estes são alguns dos filmes produzidos por Sandino Saravia. Sócio-produtor na CINEVINAY (México) e Malbicho Cine (Uruguai), ele foi um dos convidados do Mercado Audiovisual do Norte – Matapi 2019, realizado em Manaus entre os dias 27 e 30 de novembro.

Ao lado da produtora e roteirista Rachel Daisy Ellis, Sandino participou de uma mesa voltada para a realidade das coproduções dentro da América Latina. A conversa ressaltou a importância destes acordos para estimular as produções entre os mais variados países e promover um intercâmbio cultural.

Atualmente, o Brasil se encontra em uma posição bastante positiva dado aos recentes anos de apoio da ANCINE para o crescimento e fortalecimento do audiovisual nacional. Filmes como “Aquarius” e o próprio “Boi Neon”, dois grandes exemplares do cinema nacional desta década, tiveram como linha de fomento a coprodução com a França, no primeiro filme, e com o Uruguai, no segundo.

O Cine Set conversou com Sandino para falar sobre a importância das coproduções dentro do cenário do audiovisual da América Latina e os impactos das políticas para o setor trazido pelo novo governo brasileiro.

Cine Set – Como que você vê a questão da coprodução no Brasil? Como o país se insere nesse contexto da América Latina?

Sandino Saravia – O impulso que a Ancine deu para coproduções internacionais, especialmente com os países da América Latina, ocorrido nos últimos sete, oito anos, foi muito interessante. Esse movimento teve efeito grande tanto nas coproduções de países latino-americanos com o Brasil como entre essas nações no continente. O sucesso desta política da agência brasileira animou autoridades e institutos de cinema de outros países a replicar a mesma experiência.

Um caso muito pessoal foi o acordo bilateral entre Brasil e Uruguai. Através dele, pude realizar “Boi Neon”. Isso abriu diversas possibilidades novas de colaborações com Brasil para nós, produtores uruguaios, e também para profissionais da Argentina, Chile e, agora, do México.

Agora nós, os latino-americanos, temos a possibilidade de coproduzir com nossos colegas da região nas mesmas ou melhores condições que estávamos coproduzindo com a Europa. Antes, e isso continua acontecendo, você tinha um fundo nacional e era muito difícil coproduzir com outros países. A única opção era através do fundo da Ibermedia (programa de coprodução reunindo países da Península Ibérica, América do Sul e Central para financiamento de filmes independentes).

Você trazia um parceiro da Europa que, talvez investiria 50, 60 mil euros, ou seja, 250 mil reais, e você tinha que trazer profissionais europeus ganhando salários europeus. Essa grana não representava verdadeiramente o que era gasto no país. Agora, com parceiros latino-americanos está um pouco melhor. Não que esteja mais justo, mas, está mais equivalente.

Cine Set – Isso ajuda a integrar mais o audiovisual na região?

Sandino Saravia – Sim, sem dúvida, porque as coproduções não são somente econômicas. Claro, este é um ponto fundamental e é a primeira coisa lá fora que queremos conseguir. Mas, uma das vantagens da coprodução é a possibilidade de um olhar de fora e essa colaboração artística traz um crescimento para a obra.

Cine Set – Uma coisa interessante que a Rachel comentou sobre o processo de escolha dos jurados dessas coproduções foi sobre o valor universal que os projetos podem levar. Ela usou o exemplo do “Boi Neon”, produção sobre uma realidade do interior brasileiro, mas, que conseguiu se conectar com pessoas que eram do Uruguai…

Sandino Saravia – Sim, acho que as coproduções não têm necessariamente que ser uma parceria na história, tem que acontecer nos dois países. As parcerias são muito mais profundas quando tem uma ligação verdadeiramente artística. E isso pode acontecer perfeitamente com um diretor de fotografia, com um montador, com um diretor de arte. A linguagem artística é universal. Ela não precisa ser tão óbvia, de você ver na tela um uruguaio em um filme brasileiro; isso não é uma parceria artística, não tem nada a ver com isso. Pode acontecer e,, ainda bem que aconteça, mas não deve ser a regra e nem a meta do que se fazer.

“Boi Neon”: premiado filme de Gabriel Mascaro foi uma coprodução Brasil, Uruguai e Holanda

Cine Set – Nesses acordos de coprodução boa parte do investimento que vem, no caso do Brasil, vem do Fundo Setorial do Audiovisual, certo?

Sandino Saravia – Sim, às vezes sim.

Cine Set – Essa realidade da existência de um fundo para o audiovisual que temos aqui é algo que se verifica em outros países da América Latina?

Sandino Saravia –  Todos os países que têm cinema, pelo menos na América Latina, em grande parte do mundo e inclusive na Europa, tem fundos públicos. É a única forma que a gente tem a possibilidade de fazer filmes e de que estas obras tenham uma vida nas telas. Isso já está comprovado, desde muitas décadas atrás, e o exemplo mais claro é a Europa porque eles têm fundo público para quase todos os países que tem cinema, tornando-se a única forma de garantir que o cinema nacional exista.

O cinema, por definição, é um negócio de muito risco, de altíssimo risco. E já te quase 80, 90 anos de um oligopólio da distribuição, que é o ponto mais importante do cinema, controlado por multinacionais, quase todas dos Estados Unidos. Com isso, a única possibilidade que os países têm de, pelo menos, produzir cinema e serem vistos é através de fundos públicos. Todos os países que tem cinema na América Latina devem isso aos fundos públicos. Não existe cinema somente com investidores privados; isso não é possível.

Cine Set – Uma coisa que vocês comentaram no debate foi essa questão da distribuição. A coprodução já garante uma carreira do filme no país que entrou como coprodutor?

Sandino Saravia – Na teoria, garante, mas não é fácil. Como qualquer outra obra independente, o filme tem que conseguir procurar um distribuidor. O que acontece é que quando se tem um coprodutor em outro país, ele tem a obrigação, quase sempre, de distribuir o projeto, fora que existe o interesse dele de que o filme seja visto.

Então, claro, quando você tem um parceiro em outro país, dando esse reforço, aumenta as chances de o filme ser visto lá. É um grande dinamizador, ao meu ver, de que os filmes sejam vistos e que tenham estreias em outros países, com maior ou menor sucesso dependendo também da realidade do mercado.

Cine Set – Esses acordos de coprodução aliviam a situação de países que tem uma baixa produção? Eles dão um gás a mais em locais onde não exista um fomento tão forte?

Sandino Saravia – Claro e o exemplo mais cristalino disso é do programa Ibermedia. Ele existe há 23 anos e ajudou a aumentar as parcerias na América Latina. Até 2009, poucos países tinham fundos para realizar coproduções minoritárias. O caso mais emblemático durante muito tempo foi o da Argentina: ela sempre entrava em muitas coproduções, enquanto o Brasil e o México faziam bem poucas.

Agora, com essa mudança, Uruguai, Chile, Peru, Colômbia possuem estes fundos. Então você, como produtor majoritário, pode ir e procurar parceiros nesses países, algo que antes não acontecia e era mais limitado.

“Não existe cinema somente com investidores privados”

Cine Set – Dado a situação atual do cinema no Brasil, como você vê o papel do país dentro destes acordos no futuro? Você acha que ele se distanciará mais?

Sandino Saravia – Vejo com preocupação e incerteza o que está acontecendo com a paralisação na Ancine. Estamos esperando para ver se tem uma reorganização. Se continuar nessa linha de inoperância, de lentidão, pode ser muito grave para não apenas para os realizadores brasileiros, mas também para todos os profissionais da região.

O Brasil estava se reposicionando como um grande parceiro, como uma força muito importante no audiovisual latino-americano e no mundo. Em 2019, por exemplo, teve uma grande quantidade de filmes com destaque em festivais de todo o mundo, inclusive nos mais importantes, como de Cannes, de Berlim e de Veneza.

Então, a impressão é que justo agora que o Brasil estava começando a receber o retorno desses grandes investimentos feitos na última década, tanto no crescimento da sua produção como no reconhecimento da qualidade do seu cinema, é quando as políticas públicas estão justamente parando. É uma pena. Se isso acontecer efetivamente, vai ser muito ruim para o cinema e audiovisual brasileiro.

Cine Set – Uma coisa que você comentou no debate foi que a produção do Brasil e México ficava muito presa aos fundos nacionais de fomento, sem buscar apoio de coproduções. Gostaria de saber agora como você avalia a realidade da produção no México e também no Uruguai a partir das coproduções.

Sandino Saravia – No caso do México, só nos últimos três ou quatro anos que a indústria e o Instituto Mexicano de Cinematografia (órgão do país responsável pelas políticas de fomento de audiovisual no país) começaram a olhar para fora para ver as possibilidades de coproduções internacionais. O problema é que a locomotiva dessas coproduções internacionais na América Latina estava sendo o Brasil. E agora parou. Então, não sei como isso vai influenciar no resto.

No México, especificamente, começaram no ano passado o acordo bilateral de coproduções com o Brasil e também com a Argentina, porém, houve uma paralisia do setor nos dois países. Isso não está ajudando para que o México se abra e tenha mais possibilidades de coprodução e acompanhe o que estava começando com muita força aqui na América do Sul. Pelo menos, por agora, no México, os fundos e recursos estão garantidos até o presente momento e a previsão é que continuem assim pelos próximos anos. Provavelmente não vão crescer, mas, pelo, menos continuarão estáveis.

Já no Uruguai, tivemos uma mudança de governo que vai começar ano que vem e não temos certeza do que vai acontecer. Esperamos que o novo governo continue com as políticas públicas lançadas nos anos anteriores e que as aprofundem. Pessoalmente, acho que as políticas públicas de audiovisual no Uruguai estão estagnadas, sendo necessária uma renovação urgente. E esperamos que o novo governo as faça.

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