De enchente à pandemia da Covid-19, Caio Pimenta recorda as tragédias políticas e naturais que levaram ao adiamento das cerimônias do Oscar.

OSCAR 1938: ENCHENTE EM LOS ANGELES

A primeira vez que o Oscar precisou ser adiado aconteceu logo em sua décima edição. 

Em 1938, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas programou a cerimônia do Oscar para o dia 3 de março com Bob Burns como mestre de cerimônia. Naquela temporada, “Nasce uma Estrela” se tornou a primeira produção em cores a ser indicada a Melhor Filme, enquanto o clássico “Branca de Neve e os Sete Anões”, mesmo com toda a revolução trazida na animação, foi indicado apenas a trilha sonora. 

Infelizmente, no fim de semana marcada para a festa do Oscar, Los Angeles enfrentou uma de suas maiores enchentes. Duas tempestades no Pacífico chegaram à região e provocaram chuvas com volume esperados para o ano inteiro. Desta forma, os rios Los Angeles, San Gabriel e Santa Ana transbordaram, provocando prejuízos estimados em US$ 1.5 bilhão. 

Diferente do Brasil que não aprende com as tragédias, logo após a enchente, o governo de Los Angeles com o apoio do Exército dos EUA construiu barragens mais resistentes a futuras tragédias do tipo. Isso evitou situações semelhantes em 1968 e 2005, anos com registros de volume de chuvas maiores do que o ocorrido em 1938. 

A cerimônia do Oscar 1938 aconteceu no dia 10 de março e terminou com a vitória da cinebiografia “A Vida de Émile Zola”: nomeado em nove categorias, a produção venceu Melhor Filme, Ator Coadjuvante e Roteiro. 

OSCAR 1968: MORTE DE MARTIN LUTHER KING 

Um dos momentos mais chocantes da história norte-americana levou ao adiamento em dois dias da cerimônia do Oscar 1968. 

No dia 4 de abril, os EUA pararam com a notícia da morte de Martin Luther King, ativista dos direitos humanos e líder do movimento dos direitos civis. O assassinato cometido por um racista covarde em Memphis causou uma enorme tensão social e protestos em todo o país. 

Restou à Academia em respeito ao luto nos EUA adiar a cerimônia do dia 8 para 10 de abril. Logo no início do evento, Gregory Peck subiu ao palco e homenageou Martin Luther King. Segundo um dos maiores astros da história de Hollywood, dois dos cinco indicados a Melhor Filme daquele ano tinham influência do discurso de entendimento de raças proposto pelo ativista.  

No caso, eram “Adivinhe quem vem para Jantar?” e “No Calor da Noite”, produção que veio a ser o grande vencedor da noite com cinco estatuetas, incluindo, Melhor Filme, Ator com Rod Steiger e Roteiro Adaptado. 

Curiosamente as duas produções eram estreladas pelo Sidney Poitier, grande esnobado daquela temporada. Naquele ano, ele ainda poderia ter sido nomeado por “Ao Mestre com Carinho”, mas, a Academia não o fez. 

No fim da cerimônia do Oscar 1968, o lendário apresentador Bob Hope se despediu também saudando Luther King ao citar a influência deixada por ele no cinema por fazer com que os filmes retratassem não mais um mundo idealizado, mas, sim, o mundo real. 

OSCAR 1981: ATENTADO A RONALD REAGAN 

Traumatizados ainda pela morte a tiros de John F. Kennedy, os EUA levaram um baita susto no dia 30 de março de 1981 com o atentado contra o presidente Ronald Reagan, velho conhecido de Hollywood pelos anos que trabalhou como ator. 

Na mesma data estava prevista a realização do Oscar. Diante do atentado, restou à Academia adiar em 24 horas a aguardada cerimônia de premiação. 

Logo no início da festa, o apresentador Johnny Carson anunciou que Reagan estava bem de saúde se recuperando no hospital do tiro que levou. O host da noite, então, falou que o presidente autorizou o uso de uma gravação feita na Casa Branca especialmente para a noite do Oscar, gravada duas semanas antes do ataque. 

Na mensagem, Ronald Reagan dá as boas-vindas ao público e aos presentes na festa, convidando todos a assistirem e se divertirem com a cerimônia do Oscar. 

A noite terminou com a consagração de “Gente como a Gente”, drama vencedor do Oscar 1981 em quatro categorias como Melhor Filme e Direção com o Robert Redford. Para mim, um resultado para lá de contestável visto que “Touro Indomável”, do Martin Scorsese, foi o grande perdedor. 

OSCAR 2021: PANDEMIA DA COVID-19

Foto: Raphael Alves

O último adiamento da cerimônia do Oscar aconteceu mais recentemente e todos lembramos muito daqueles momentos traumáticos. 

O início de 2021 marcou o período mais letal da pandemia da Covid-19. O segundo pico da doença chegou a matar mais de 80 mil pessoas nos EUA somente em janeiro. No Brasil, vimos Manaus ruir com a falta de oxigênio nos hospitais e o negacionismo se espalhar. 

Diante de cinemas fechados, uma indústria paralisada, a vacinação caminhando lentamente e mortes por todos os lados, pensar em reunir pessoas para uma festa, seja ela qual fosse, era simplesmente uma insanidade. Desta forma, a Academia tomou uma atitude inédita: adiou a cerimônia do Oscar em dois meses – de 28 de fevereiro para 25 de abril. 

Para evitar lugares fechados, o Oscar 2021 aconteceu em grande parte na Union Station, estação histórica da Califórnia, e em pequenas festas espalhadas ao redor do planeta. Com o cansaço do público pelo longo tempo em casa e filmes pouco conhecidos da audiência, a cerimônia teve a menor audiência da história da festa com menos de 10 milhões de espectadores. O grande vencedor foi “Nomadland”, premiado em Melhor Filme, Direção com Chloé Zhao e Atriz com Frances McDormand. 

A festa comandada por Steven Soderbergh ficou marcada pelo final anticlimático com o anúncio de Melhor Ator indo para Anthony Hopkins que não estava presente no evento em Londres.