De todos os diretores cujos nomes são mais associados ao gênero terror, John Carpenter é um dos que teve a carreira mais variada. Além do terror, ele fez também filmes de ação, ficção-científica, comédias e westerns disfarçados, e até alguns trabalhos para a televisão. Mas, obviamente, Michael Myers e Halloween: A Noite do Terror (1978), sua primeira investida no terror, projetam uma longa sombra sobre sua carreira, a ponto de Carpenter ser conhecido principalmente como mestre do gênero.

Porém, essa consideração é reducionista. Em vários dos seus trabalhos Carpenter mistura gêneros e é um cineasta pós-moderno na verdadeira acepção do termo. Aliás, ele já brincava com gêneros muito antes de Quentin Tarantino tornar isso legal. Como o cinema do seu ídolo Howard Hawks, a filmografia de Carpenter é variada e seus filmes raramente são uma coisa só. Dentro do terror, ele fez pelo menos duas obras-primas: Halloween e O Enigma de Outro Mundo (1982), sendo este último o melhor trabalho da sua carreira – e de novo, é uma mistura de terror com ficção-científica. Esta obra impactante só foi apreciada com o passar do tempo. Essa é outra característica do cinema de Carpenter: muitos dos seus filmes foram desprezados no lançamento, apenas para décadas depois serem reavaliados positivamente.

Assim, o culto aos filmes de John Carpenter continua e sempre vale a pena relembrar sua filmografia criativa e corajosa – para mim, todos os seus filmes dos anos 1970 e1980 são praticamente irretocáveis. Então vamos relembrar alguns dos seus trabalhos menos badalados, para tentar aumentar esse culto.

A Bruma Assassina (1980)

Todo diretor tem uma missão delicada depois que alcança o sucesso: o filme seguinte é sempre complicado. No caso de Carpenter, A Bruma Assassina veio depois da explosão de Halloween e não conseguiu repetir o impacto do seu antecessor. Mas é uma grande história de fantasma, um filme que ainda não é tão conhecido ou valorizado, mas parece melhor a cada revisão. Na história, a cidadezinha de Antonio Bay está para celebrar seu centenário – inclusive o filme foi parcialmente rodado na mesma cidadezinha onde Alfred Hithcock, outro ídolo de Carpenter, filmou Os Pássaros (1963). Mas terríveis fantasmas, colonos leprosos que morreram num naufrágio e que tiveram seu ouro roubado pelos fundadores da cidade, chegam para estragar a festa, envoltos numa densa neblina. A primeira meia hora de A Bruma Assassina é sensacional, situando-se entre os melhores e mais assustadores trabalhos do diretor. Próximo ao final, o filme tropeça um pouco, mas não o suficiente para tirar o brilho desta arquetípica história de terror contada ao redor da fogueira – é até assim que o filme começa. Atmosférico e violento, A Bruma Assassina tem um elenco fenomenal de atores carpenterianos – Jamie Lee Curtis, Adrienne Barbeau e Tom Atkins, além dos veteranos Hal Holbrook e Janet Leigh – e merece ser mais apreciado pelos fãs do terror.

À Beira da Loucura (1994)

Carpenter perdeu a mão nos anos 1990 – esse é o senso comum. Isso é até verdade, embora alguns dos seus trabalhos desta década estejam começando a ser mais apreciados. E o seu melhor filme dos anos 1990 é mesmo À Beira da Loucura. A trama criativa traz Sam Neill como um investigador cético contratado para encontrar o maior escritor de terror vivo, o fazedor de best-sellers Sutter Cane (Jürgen Prochnow), uma mistura de Stephen King com H. P. Lovecraft. Cane desapareceu e a busca por ele leva a uma jornada surreal que pode terminar com o fim do mundo, graças ao mais recente livro do autor, capaz de levar à loucura aqueles que o leem. Apesar do tema, Carpenter inclui um pouco de comédia no filme e a sua visão satírica é inegável – afinal, trata-se de uma história na qual o terror (literário, no caso) inspira a vida real, e o comentário do diretor sobre essa inspiração é potente. E para aqueles que não enlouquecerem com o livro, o herói de Neill tem uma resposta pronta: “Vai haver o filme”…

Aterrorizada (2010)

O filme mais recente de Carpenter, feito quase dez anos após o fracasso da ficção de terror Fantasmas de Marte (2001), passou meio despercebido e não foi, de modo geral, bem recebido pelos críticos e fãs do cineasta. Mas eu discordo: claro que não se trata de um trabalho no nível de um Halloween ou mesmo de A Bruma Assassina, mas a desorientação e o suspense psicológicos da história são bem conduzidos pelo diretor. Amber Heard faz o papel de uma moça encarcerada num hospital psiquiátrico dos anos 1960 com outras pacientes, um médico estranho e um fantasma. A câmera de Carpenter persegue os personagens e a claustrofobia domina tanto os personagens quanto o espectador. O que se tem aqui é um competente filme de gênero com alguns momentos de destaque. Se fosse um filme de um cineasta qualquer, seria mais bem avaliado; como é de Carpenter, espera-se mais e as reclamações logo vêm.  Mas, sinceramente, todo mundo reclamou dos filmes dele nas últimas décadas, e hoje vários são cultuados ou considerados clássicos. Será que o mesmo vai acontecer com este? Só o tempo dirá. Em todo caso, veja mais de uma vez…