Nos últimos tempos, uma leva de bons filmes abordando questões da sexualidade chegou ao grande público. Dentre os mais badalados, está o sucesso francês “Azul é a cor mais quente” (2013) e o brasileiro “Praia do Futuro” (2014). “Eu, mamãe e os meninos” (2013) não deu as caras no Brasil fazendo tanto barulho quanto os outros dois, mas o filme de Guillaume Gallienne complementa as discussões sobre o que é “normal” ou não no que diz respeito ao sexo, com a diferença de que sua linguagem, aliada ao gênero do filme (comédia) o deixa acessível aos mais variados públicos.

Na trama de “Eu, mamãe e os meninos”, Guillaume sobe ao palco dos teatros para contar a história de sua vida. O que a torna curiosa é o fato de que sua mãe tinha um desejo tão grande ter uma filha que acabou criando-o como menina, o que fez com que o jovem acabasse não tendo aptidão para as atividades ditas “masculinas” como praticar esportes, por exemplo. Delicado, sensível e obcecado pela atenção da mãe, o jovem não tardou a ser taxado de homossexual pela família que, num misto de vergonha e hipocrisia, nunca fala abertamente sobre o assunto. Guillaume sofre bullying por seu interesse em ser como as mulheres que admira (a mãe, em primeiro lugar) e acaba, ele próprio, aceitando a alcunha de “bicha” que todos lhe dão. O problema é quando ele tenta se iniciar no mundo gay e percebe que seu interesse sexual pode não estar voltado para o mesmo sexo que o seu.

Impressiona o domínio de Gallienne na direção, já que esse é seu filme de estreia. O pulo do gato de “Eu, mamãe e os meninos” é aproximar-se de uma maneira, digamos, “popular” de abordar a temática de seu filme, mas sem cair nas armadilhas que essa acessibilidade à obra poderia causar. Na verdade, ele chega perto de cometer alguns erros que fazem a comédia descambar para o apelativo, como na cena em que o personagem principal faz um enema no SPA alemão, mas o filme se equilibra em tiradas hilárias como quando Guillaume passa o tempo imitando a Imperatriz Sissi, com direito a reconstituição de época e tudo!

Por contar uma história de tons autobiográficos, Gallienne não tem medo dos exageros típicos da comédia, mas não se deixa dominar por eles. A busca pelo autoconhecimento do personagem principal (ele mesmo) continua sendo o mote do roteiro e nunca se perde entre as piadas. Talvez por isso se torna perdoável que Gallienne interprete a si mesmo da pré-adolescência a vida adulta no filme, por mas absurdo que pareça, num primeiro momento, um menino ter a cara de um homem de 42 anos. A atuação do ator-diretor-roteirista contribui nesse sentido, pois ele encontra um tom ao personagem que é engraçado de um jeito patético, mas sempre simpático ao espectador.

Outro ponto a se destacar em “Eu, mamãe e os meninos” é o contraponto ao personagem de Guillaume, sua mãe (que no filme é chamada apenas de Mamãe). Ela também é representada por Gallienne, num trabalho maravilhoso de atuação, já que não é tão simples assim um homem interpretar uma mulher com tamanha verossimilhança. Mamãe é ranzinza, com um ar entediado e está longe de ser o tipo de mulher que dá grandes demonstrações de afeto. Ela tinha tudo para ser uma personagem detestada pelo espectador, mas o público se sente impelido pela devoção de Guillaume àquela mulher e acabamos curiosamente gostando um bocado daquela senhora casca grossa. Ainda bem que a maquiagem e o figurino contribuem para o bom resultado da caracterização de Mamãe e nunca tentam transforma-la numa “lady”, pois nem cairia bem à personagem.

A coisa mais curiosa em “Eu, mamãe e os meninos” é como ele questiona elementos culturais tão enraizados que pouco paramos para pensar. Afinal de contas, por que diabos um garoto deve preferir praticar esportes a tocar piano? Por que não pode se identificar e se inspirar nas figuras femininas que o rodeiam? É tão ruim assim fingir ser a Imperatriz Sissi, de brincadeira? Isso faz um homem ser “menos macho” e automaticamente gay?

O filme não pretende ser um tratado sobre o assunto, mas um relato puramente pessoal que não aponta para respostas definitivas. No caso de seu protagonista, a busca desenfreada pela atenção da mãe e o desejo de se diferenciar dos irmãos aos olhos dela parece ser a origem do comportamento de Guillaume, e isso nada tem a ver com seus interesses sexuais. Da admiração pelas qualidades da mãe surge a admiração pela graça e beleza feminina como um todo, e as características que fazem as mulheres especiais devem, aos olhos de Guillaume, ser por ele absorvidas. O que o diferencia do homem “macho” que seu pai gostaria que fosse é o fato de que Guillaume não vê na mulher um objeto de conquista, mas um ser cujos atributos, tão positivos, ele deve emular na medida em que as ama.

Ironicamente, o que diferencia Guillaume dos demais não é sua “homossexualidade imposta” que faz com que a mãe convoque ao jantar, como indica o título original em francês, “Guillaume e os meninos”, e não simplesmente “os meninos”, posto que todos pertencem ao sexo masculino. Não, é algo ainda mais absurdo que torna o personagem um estranho no ninho: sua admiração exagerada pelas mulheres. Nesse sentido, a comédia traz nas entrelinhas um tema que ainda é tão tabu quando as discussões sobre a homoafetividade, que é o fato de a sociedade não lidar bem com quaisquer comportamentos que fujam à regra do que “meninos” e “meninas” devem “naturalmente” fazer, por mais que esses comportamentos não gerem malefícios a ninguém. Isso fica evidente ainda no início de “Eu, mamãe e os meninos”, quando Guillaume viaja à Espanha e aprende com destreza uma dança típica da região. Ele fica feliz por seu feito, mas é ridicularizado ao dançar em uma festa pelo fato de ele ter aprendido, sem saber, apenas os passos padronizados para mulheres.

“Eu, mamãe e os meninos” causou certa polêmica na França por ter abocanhado vários César (o Oscar francês) nas categorias principais, em detrimento a “Azul é a cor mais quente”. Especulou-se que essa seria uma reação negativa ao diretor de “Azul…”, Abdellatif Kechiche. Polêmicas a parte, o filme autobiográfico de Gallienne pode não ser tão impactante quando o de Kechiche, mas merece ser conferido por ser tão leve ao abordar um tema nada fácil de digerir para muitas pessoas. Ao público que ainda teme filmes que não sejam os norte-americanos, pode ficar tranquilo: não há nada em “Eu, mamãe e os meninos” para estranhar em termos de linguagem cinematográfica; com uma narrativa linear, o filme te faz pensar enquanto gera boas risadas, como as boas comédias fazem. Simples assim.

Nota: 8,0