Vamos lá: este é um filme em que produtos falantes de um supermercado glorificam os seres humanos como deuses achando que estão sendo levados ao paraíso quando são comprados, sem saber que serão usados e comidos. O protagonista é uma salsicha e um dos principais vilões é uma ducha para limpeza anal. Você entendeu o link, certo?

“Festa da Salsicha” é uma animação que sabe que está cobrando muito do espectador e não se sente mal por conta disso. Piadas extremamente chulas e palavrões povoam o longa que, apesar de distribuído por um grande estúdio (Columbia), tem toda a pinta de independente.

A versão brasileira conta com as vozes do elenco do grupo Porta dos Fundos que, aqui, aproveitam o material-base para dar vazão às correntes mais escatológicas e desavergonhadas de seu humor que acabam ficando de fora dos vídeos lançados na internet. No original, a despeito do roteiro arriscado, talentos como Edward Norton e Salma Hayek participam da empreitada. Até Alan Menken, o supercompositor responsável por músicas inesquecíveis de filmes da Disney, co-assina a trilha e compôs a letra do número musical que abre o filme.

Festa da Salsicha

A referência é bastante clara, na verdade: “Festa” quer tirar sarro do universo das animações tradicionais, com seus personagens antropomórficos envolvidos em missões certinhas. Apesar de não abrir mão de uma narrativa tradicional, o filme aproveita todos os momentos que pode para distorcer o que estamos acostumados a ver em filmes do gênero e, de quebra, inserir dois ou três palavrões e referências a sexo.

O longa parece feito sob medida para ofender basicamente todo mundo e, quando se dedica em explorar pontos além da sexualidade de seus personagens, entrega um interessante conto sobre os sistemas de crença do mundo moderno, em uma crítica nada velada às religiões organizadas (você pode ler isso de novo, é verdade). O roteiro se estrutura de tal forma que a real análise se foca nas diferenças entre os alimentos e suas rivalidades, como se unem em prol de uma fantasia coletiva, como se recusam a negar essa fantasia para se salvarem e como a promessa de um paraíso os nega de seus instintos mais primitivos (como, por exemplo, tran…).

Há uma tendência de se abraçar sátiras dessa natureza quando feitas com bom gosto, mas não se engane, “Festa da Salsicha” não é Monty Phyton. Raios, não é nem South Park. Os realizadores nivelam tudo por baixo para manter as piadas as mais sujas possíveis durante todo o tempo de projeção, então as chances de você gostar do filme dependem muito do quanto você compra esta proposta e este tipo de humor.

Cena de Festa da Salsicha

A parte curiosa é que, seja por momentos de puro constrangimento, seja pelas referências verdadeiramente inteligentes, ou seja por puro abandono de qualquer classe, o filme faz rir e mostra um domínio surpreendente de suas temáticas e do universo que criou, expandindo-o sem esforço. A aparição de um chiclete mastigado que satiriza o físico Stephen Hawking, por exemplo, é impagável.

“Festa da Salsicha” é uma comédia, mas não é um filme exatamente fácil ou confortável na missão de fazer rir e, por vezes, ele parece não saber aonde quer chegar – não que seja necessário chegar a algum lugar, sendo sincero. O caminho até lá é engraçado demais para isso importar.