O filme “Chuva e cantoria na aldeia dos mortos”, sobre os indígenas brasileiros da etnia Krahô, conquistou nesta sexta-feira (18) o Prêmio do Júri da mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes.

A cineasta brasileira Renée Nader Messora e o português João Salaviza (Palma de Ouro de Melhor Curta-Metragem em 2009 por “Arena”), gravaram o filme durante nove meses, depois de terem passado longas temporadas com esta comunidade de 3.500 pessoas, no estado do Tocantins. O filme contou com os membros da comunidade, interpretando eles mesmos e falando em seu próprio idioma, o que fez das gravações uma façanha.

A cineasta levantou o punho ao receber o prêmio entregue por Benicio del Toro – presidente do júri desta seção paralela do Festival -, enquanto Salaviza reivindicou “Demarcação já”, aludindo às terras indígenas.

 

No tapete vermelho do Festival, o elenco já havia protagonizado um protesto na quarta-feira para denunciar “o genocídio” dos indígenas no Brasil.

Os dois cineastas e os protagonistas do filme, Ihjac Kraho e Koto Kraho, desfilaram de preto com cartazes vermelhos: “Parem o genocídio dos povos indígenas” e “Pela demarcação das terras dos povos indígenas”.

O protesto ecoou a atual mobilização de líderes indígenas no Brasil, que acusam o governo de Michel Temer de se recusar a demarcar as terras para devolvê-las a seus donos originais e de favorecer os empresários agrários.

“O Brasil negado”

Em declarações prévias às AFP, Nader Messora havia assegurado que “o Brasil negado no Brasil é o que interessa em Cannes”.

A resistência de um jovem Krahô a se tornar xamã após a morte de seu pai – que o leva a partir temporariamente para a cidade – serve como argumento e pretexto para mostrar o dia a dia destes indígenas, suas tradições e cerimônias, no filme premiado.

“Os Krahô são responsáveis por seu próprio bioma, mas estão ameaçados, principalmente pela monocultura de soja e cana e pela pecuária”, explicou Nader Messora.

Em sua estreia em Cannes, esta cineasta brasileira, casada com Salaviza, destacou a importância de que, no maior festival de cinema do mundo, “se esteja vendo um filme sobre os Krahô, falado em seu idioma”.

“Chuva e cantoria na aldeia dos mortos” não é um filme “abertamente ativista, apesar de todo o respeito que temos pelos indígenas no Brasil que estão gravando filmes militantes, pondo sua vida em risco”, disse Salaviza.

Ambos os diretores buscaram chegar a uma visão mais justa, a seu ver, para abordar a questão indígena no cinema, no Brasil e no mundo.

“Em geral, o indígena é apresentado, ou como um profeta, que sai da floresta para dizer duas palavras e desaparece, ou de uma forma mais política, em contraste com a cultura ocidental”, disse o cineasta.

Seu filme mostra com naturalidade o modo de vida familiar e social dessa população.

“Não é por usar uma calça, ou ter um celular, que se deixa de ser indígena. No Brasil, esse discurso ocorre entre os poderosos e é muito perigoso”, adverte.

“Ser indígena é um modo de ser, e não de aparentar”, segundo este cineasta.

Ambos os diretores, que vivem entre Portugal e Brasil, filmaram juntos seu primeiro longa-metragem, “Montanha”.

“Chuva e cantoria na aldeia dos mortos” é o terceiro filme brasileiro selecionado nesta edição de Cannes. Também se apresentou “O grande circo místico”, de Cacá Diegues, na seleção oficial fora de competição, e “Los silencios”, de Beatriz Seigner, na Quinzena dos Diretores.

da Agência France Press