O primeiro plano de Fome de Poder é o rosto do ator Michael Keaton olhando para a câmera e falando na nossa direção. Ele interpreta Ray Kroc, que no começo da história é um vendedor/inventor que tenta negociar uma máquina de milk-shake. O papo de vendedor não é muito convincente, mas Keaton sim – e neste início temos a certeza de que o diretor do filme, John Lee Hancock, vai se apoiar na performance do seu ator principal e entregar mais um filme piegas, questionável e efêmero. Afinal, Hancock é o diretor de Um Sonho Possível (2009), aquela coisa pavorosa que acabou rendendo um Oscar de Melhor Atriz à Sandra Bullock – nada contra a atriz, ela era a única coisa aceitável daquele filme.

E não é que, de forma até inesperada, Fome de Poder acaba sendo, de longe, o melhor filme de Hancock até agora? É até… interessante visualmente! E embora Keaton seja a grande força do filme, ele não leva tudo sozinho nas costas, ele não é a única qualidade do longa.

Longa que é baseado em uma história real. Um belo dia, em 1954, Kroc conheceu dois irmãos que cuidavam de um negócio de hambúrgueres, um restaurante revolucionário que entregava a comida ao cliente de forma super-rápida e onde os lanches pareciam sair de uma linha de montagem. Os criadores deste negócio? Uns irmãos chamados McDonald, Dick e Mac (vividos pelos ótimos Nick Offerman e John Carroll Lynch). Kroc vê então a oportunidade de uma vida: para ele, o segredo da vida é a persistência, e acredita fielmente num fundamento econômico do tipo “galinha ou ovo”, ou seja, se ele conseguir criar uma oferta para determinado produto, a demanda aparecerá. Assim, Kroc se alia aos irmãos McDonald para expandir o negócio, sem saber dando origem a uma das maiores corporações alimentícias do mundo.

Em dado momento Kroc chega a se referir ao McDonald’s como “a nova igreja americana”, e de certa forma Fome de Poder é sobre isso mesmo: o culto ao dinheiro tão presente na sociedade (não apenas americana). É um filme com uma boa dose de cinismo ancorado por um protagonista idem, cujo temperamento gera problemas com os legítimos donos do negócio. O filme de Hancock é uma visão quase sempre muito interessante sobre a criação de um império, sobre as brigas pelo caminho e como elas foram alimentadas por ego e pela busca por mais dinheiro.

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Hancock enfatiza essa história com cenas rápidas – a montagem de Robert Frazen é bem acelerada e envolvente. E o cineasta, junto com seu montador e equipe, criam pelo menos dois momentos cinematográficos realmente especiais. O primeiro deles é a sequência na qual Dick e Mac contam a história da criação do McDonald’s a Ray Kroc. Usando fotos de arquivo, ângulos altos enfocando a quadra de tênis onde eles desenharam a planta do lugar, e uma montagem criativa e ágil, esse momento de Fome do Poder se torna divertido e muito empolgante, praticamente uma sinfonia audiovisual.

Outro grande momento visual é uma cena perto do fim que envolve a conversa de dois personagens num banheiro masculino. Hancock e o diretor de fotografia John Schwartzman criam um curioso jogo de reflexos nos espelhos do banheiro, sutil e bastante efetivo, que deixa claro para o espectador qual dos dois personagens sai por cima – é aquele com a maior quantidade de reflexos ao final da conversa.

E além desses momentos, Fome de Poder possui um grande centro na figura de Michael Keaton. Aqui, o ator cria uma figura com um quase perpétuo sorriso na cara, uma vozinha um pouco esganiçada e um apetite ferrenho por dinheiro e sucesso. O ator até possui uma ou outra oportunidade para dar uma de “maluco”, como em algumas das suas atuações mais marcantes do passado. Keaton até canta em cena! É mais um trabalho sólido e cativante de um ator que sempre foi, no mínimo, muito interessante, e que graças aos deuses do cinema, voltou a receber bons papéis.

Keaton é tão bom que quase faz funcionar alguns momentos menos inspirados do meio do filme, como a sua desinteressante crise conjugal com a esposa, uma subaproveitada Laura Dern, ou umas cenas nas quais Hancock parece estar indeciso de como tratar seu protagonista. Alguns momentos do filme, quando vemos certa valorizada na figura de Kroc e o seu impacto sobre os franqueados do McDonald’s, já não parecem mais tão irônicos e paródicos, como se o diretor e o filme estivessem acreditando na conversa dele e no velho “sonho americano”. Incerto do tom, Hancock dá uma “suavizada” no seu herói mau-caráter por um tempo.

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Essas coisas refletem as limitações do diretor, mas felizmente John Lee Hancock acerta em outras áreas e o filme nunca se perde por causa do alicerce sólido de Michael Keaton. Fome do Poder é divertido, quase sempre interessante, e cínico, mas não tanto quanto poderia. Acima de tudo, é uma confirmação de que nenhuma pessoa – assim como nenhum filme – deve ser subestimada. Ray Kroc não criou realmente nada, mas conseguiu, com esperteza e um pouco de sacanagem, estabelecer uma marca e um modelo de negócios que mudaram a humanidade. A versão cinematográfica da sua história tinha tudo para ser uma refeição fraca e pobre, mas acaba surpreendendo e consegue satisfazer a quem procura filmes um pouco mais nutritivos.