François Ozon é um dos diretores que mais tem se destacado no cinema francês nos últimos tempos. Dono de um estilo instigante, e com domínio do ato de contar histórias, o realizador tem como uma de suas características principais a busca por um tensionamento da linguagem cinematográfica, buscando diferentes alternativas para contar tramas que em mãos mais pragmáticas seriam mais do mesmo.

Frantz, novo filme do diretor, mesmo que mais “formal” comparado aos seus títulos anteriores, segue o estilo de Ozon, e através de algumas escolhas da direção torna-se um interessante filme sobre as mentiras que por vezes nos vemos impelidos a contar para não causar mais dor e sofrimento às pessoas que já não têm muitos motivos para sorrir.

Tendo como pano de fundo a rivalidade entre Alemanha e França pós-Primeira Guerra Mundial, o filme nos apresenta a Anna (Paula Beer), que teve o seu noivo, Frantz, soldado alemão, morto durante o conflito. Um ano depois, ela encontra um homem desconhecido em frente ao túmulo do seu ex-companheiro, e logo após recebe a visita dele na casa dos pais de Frantz. Trata-se de Adrien (Pierre Niney), que diz ter conhecido o rapaz em Paris, e viveu uma grande amizade com ele, e veio à Alemanha para conhecer a sua família. Aos poucos Adrien vai se tornando mais íntimo de Anna e da família de Frantz, mas novas revelações irão modificar a relação inicial entre eles.

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Mais sutil e econômico, aqui o estilo do diretor fica mais evidenciado na direção de fotografia, mais especificamente com o uso das cores. Utilizando-se da variância brusca do preto e branco para o colorido, Ozon quebra o formalismo do seu filme, atingindo um resultado que desconcerta o espectador. Situações que remetem a um renascimento de esperança e alegria ganham o colorido, enquanto que o presente permanece no austero preto e branco, assemelhando-se bastante ao visual dos recentes A Fita Branca (2010) e Tabu (2013).

Apesar de soar previsível a princípio o efeito se sustenta, Ozon compreende bem os momentos que o efeito terá papel positivo, nunca soando repetitivo ou desnecessário. Aliás, tal característica é tão bem feita, que poderia ser utilizada com um pouco mais de frequência.

Em outro momento, Frantz surge com vida em um quadro na parede do quarto de hotel de Adrien. Uma escolha que surge ousada em um filme com aparência tão rigorosa, mas que funciona, sendo uma maneira de Ozon dizer que mesmo que esteja fazendo um filme mais tradicional, ainda assim ele busca quebrar algumas regras.

A recriação de época cumpre papel importante na imersão no filme. Trazendo o interior da Alemanha como um lugar precário, de estrutura deficiente, a direção de arte de Susanne Abel somada ao design de produção de Michel Barthélémy fazem de Quedlimburgo uma cidade inóspita, com pouca vida e perspectivas. O contraste com a modernidade e efeverscência de Paris surge como um conflito evidente para a personagem de Anna, que vê na capital francesa mais possibilidades do que na pequena cidade alemã.

Também contribui para isso o cuidado que o filme teve para situar a forte rivalidade entre França e Alemanha durante a primeira guerra, que cumpre papel fundamental no filme. Mesmo que os personagens lamentem as mortes causadas pelo conflito, todos surgem posicionados perante o assunto. As feridas ainda estão abertas, e ambos os lados ainda contabilizam os mortos, e as consequências do conflito.

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É interessante ver como o filme mostra os diferentes lados, com os seus habitantes condenando a violência, ao mesmo tempo que bradam o seu patriotismo, como na cena em que franceses entoam à toda voz a Marselhesa. A rejeição que Adrien sofre durante toda a sua permanência na Alemanha é rebatida quando Anna vai à França, e é possível enxergar que isso é trazido para os conflitos internos de cada um, principalmente Adrien, e como isso se torna um empecilho para que a verdade apareça.

Ao mesmo tempo, o filme acaba sendo cansativo no seu segundo ato, e a sua longa duração surge injustificada. As uma hora e cinquenta e três minutos não se bancam, e tal ideia fica ainda mais clara com a chegada do terceiro ato, o melhor da projeção. É só então que se compreende de fato sobre o que é o filme, e sobre como aquelas relações estão sustentadas por boas intenções, mas pouquíssima verdade.

Os jovens atores principais se destacam e despontam como nomes a serem observados mais de perto. Beer e Niney são intérpretes econômicos, que possuem a admirável habilidade de demonstrar sentimentos intensos sem o uso de palavras, desenvolvendo personagens com conflitos pesados, cheios de culpa, arrependimento, tristeza, mentiras, mas ainda assim capazes de atos de ternura e bondade genuínas. Tem muito ator consagrado por aí que não tem atuações nesse nível…

Na busca por seus desejos, os personagens surgem sempre incapazes de alcançarem os seus objetivos por completo, sufocados pelo peso do passado, e por parecer que já é tarde demais para o que quer que esteja por vir. E como mostra a bela cena final, mesmo se ainda houver esperança, de alguma maneira as reminiscências do passado continuarão por lá para serem contempladas.