Homem negro e pobre morto após abuso policial.

Poderia ser a história dos tantos Amarildos vistos em esquinas do Brasil, porém, o fato aconteceu na festa da virada do ano em 2008 na cidade de San Francisco no EUA. O trágico assassinato de Oscar Grant se tornou “Fruitvale Station”, obra sobre como um ato impensado motivado por um sentimento tão imbecil pode destruir tantos sonhos e arruinar a vida de quem fica.

Optando pelo tom documental, o diretor estreante Ryan Coogler deixa o público esperando pelo pior durante os 90 minutos de projeção. Afinal de contas, a primeira cena de “Fruitvale Station” mostra exatamente as imagens reais do crime contra Grant, sendo cortada após o barulho do tiro fatal. Quando, logo em seguida, somos situados de que veremos as últimas horas do protagonista, resta ao público ser testemunha melancólica de uma vida prestes a ser destruída.

Essa experiência deixa o espectador em uma posição desconfortável: cada caminho tomado pelo jovem o levará à morte e o público está ali como um mero observador, bem próximo, sem poder interferir ou avisar aquele sujeito do seu destino. Durante o decorrer da trama, podemos observar como Grant está em um momento complicado por não conseguir emprego após sair da prisão, mas mantém a esperança de ser possível se recuperar e ajudar a família. Mesmo apelando para recursos desnecessários de melodrama em determinados momentos (a corrida com a filha na saída da escola em slow-motion com trilha sonora) ou romantizando certas passagens (a desistência de vender droga após lembrar a passagem na cadeia), a construção da realidade do protagonista funciona e o público se envolve naquele universo.

Tudo isso se revela um golpe certeiro de Coogler para causar a indignação e o debate sobre a morte estúpida de Grant. Questões sobre como o preconceito causado pela cor da pele ou por classe social, além do despreparo de agentes responsáveis pela segurança pública para lidar com situações tensas são construídos através da cuidadosa narrativa de “Fruitvale Station”. O realismo alcançado na cena da tragédia seja na movimentação dos atores ou das câmeras, além da recriação perfeita do cenário com um cuidado impecável na roupa de cada participante, deixa a sensação de presenciarmos um crime real.

A imersão no universo do filme ganha ainda mais peso pela dedicação do elenco. Michael B. Jordan se transforma em Oscar Grant, sendo a alma de “Fruitvale Station”. Seja em momentos mais contidos (nas cenas de relacionamento com a filha, por exemplo) ou intensos (toda a passagem no supermercado e na hora do crime), o ator mostra as nuances de um sujeito sem rumo, tentando sair do mundo do tráfico de drogas, porém, sem receber oportunidades por causa dos erros cometidos no passado. Já Octavia Spencer se livra das caretas de “Histórias Cruzadas” ao compor a mãe do protagonista de forma contida e com uma aura de conselheira. Vale também ressaltar as boas performances de Melonie Diaz como a esposa de Grant e Kevin Durant em mais um papel asqueroso (o ator interpretou o mercenário Martin Keamy em “Lost”).

Vencedor do Festival de Sundance em 2013, “Fruitvale Station” retrata o quanto nossa sociedade está com os pés na barbárie e mantém sentimentos tão primitivos em tempos de tamanha evolução. Basta apenas uma atitude impensada, venha de qual direção for, para uma vida terminar e outras tantas ficarem marcadas. Tudo por causa da cor da pele ou por classe social.

Oscar Grant, Amarildo… quem será o próximo?

NOTA: 7,5