Hoje a conversa é com o candidato Herbert Amazonas, que concorre ao governo pelo Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU).

Conhecido dos amazonenses há bastante tempo, Herbert foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT) por aqui, no início dos anos 1980, mas se desiludiu com os rumos da legenda, passando então a liderar a executiva estadual do dissidente PSTU, mais alinhado com o ideal marxista-comunista de uma sociedade dirigida pelos trabalhadores. Bem humorado e fã de cinema, ele falou sobre as propostas que pretende levar a cabo, caso vença as eleições:

Cine Set: Gostaria de iniciar essa conversa de modo mais descontraído. Queria saber se o senhor gosta de cinema, se acompanha os novos lançamentos, e queria que o senhor me contasse quais são seus filmes favoritos.

Herbert Amazonas: Gosto sim, sempre gostei de cinema, mas o meu interesse, como em tudo o que eu faço, é em histórias que tenham a ver com a luta dos trabalhadores, com a conscientização das pessoas.

Gosto muito de filmes históricos. Principalmente os filmes relacionados a movimentos políticos, às lutas da classe trabalhadora. Alguns exemplos que eu posso te dar, e que com certeza eu recomendo a todos que gostam de cinema, são Germinal (França, 1963), que resume a história das lutas dos trabalhadores na Europa, Reds (Estados Unidos, 1981), que é a história do jornalista John Reed, que aderiu à Revolução Russa e é o único americano tido como herói do comunismo (nota do site: o filme foi dirigido pelo ator Warren Beatty e lhe rendeu o Oscar da categoria, além de ser considerado um dos marcos da “New Hollywood”), e 1900 (Itália, 1976, dirigido por Bernardo Bertolucci) que é sobre o movimento dos camponeses na Itália, com uma narrativa ambiciosa, que atravessa 45 anos, indo de 1900 até o fim da Segunda Guerra Mundial.

Também gosto muito de ficção científica. Um dos que eu mais gostei nesses últimos anos foi o novo Star Trek, tanto o primeiro quanto o segundo.

CS: Candidato, em sua opinião, o Amazonas Film Festival deve continuar? O que o senhor pretende fazer com esse evento, ampliar, reduzir, manter do jeito que está… o senhor acredita que os gastos com o AFF são corretos? Também queria saber se o senhor acha que deveria haver maior integração do festival com o resto da cidade.

HA: Não tenho nada contra o Festival em si, acho uma ideia válida, mas nós faríamos as coisas em moldes completamente diferentes. Veja bem, a lógica da administração do Governo e da SEC (Secretaria de Estado de Cultura do Amazonas) é a mesma, que é fazer projetos apenas pra burguesia assistir, não o povo.

Há um filtro muito grande pra se levar a produção cultural à periferia, pra que o povo mais pobre possa ter acesso a isso. Lá no Amazonas Film Festival, a participação popular se restringe àquele telão que o pessoal põe no Largo São Sebatião. No nosso governo, nós vamos fazer o oposto disso. Vamos fazer a periferia ter acesso às grandes obras, levar arte e cultura pros bairros mais distantes, democratizar o acesso, pra que todos possam sentir e apreciar a arte, não só a burguesia.

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Atualmente, a cultura é vista como mercadoria, como uma forma de ganhar dinheiro, assim como tudo no capitalismo. A cultura, pra nós, tem que ser vista como evolução do ser, como forma de despertar emoções, de trazer conhecimento. Cinema é emoção. Tem que dar essa possibilidade. Manaus, é claro, é o centro da produção. Mas nós vamos pensar, discutir formas de levar os filmes para o maior número possível de pessoas.

Nossa ideia, no PSTU, é organizar um grande congresso com todas as representações artísticas – cinema, música, teatro, dança, artes plásticas –, e de todos os lugares do Amazonas, não só de Manaus. A gente quer os representantes de todos os 62 municípios, e escolhe um lugar, não precisa ser necessariamente Manaus, faz onde a classe artística achar melhor, e vamos promover seminários, levantar todas as problemáticas, ouvir os segmentos. E, a partir daí, fazer uma coletânea de tudo o que foi apurado, pegar o orçamento e tentar viabilizar as propostas.

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Atualmente, o Governo do Amazonas destina 1% do orçamento à cultura. Com a renda que o estado tem, mesmo esse 1% poderia ser um valor significativo, mas não vejo esse dinheiro se transformar em benefícios. Os artistas precisam mendigar, andar com uma sacolinha atrás de empresário pra poder financiar um show, uma peça. Isso está completamente errado. O dinheiro tem que ser inteiramente do estado gerido pelos trabalhadores, e reverter em benefício pra esses trabalhadores, no caso, a classe artística.

Minha proposta inicial seria aumentar esse valor pra 3%. Aí, com toda a informação que a gente reuniu sobre o setor, a gente criaria um conselho, todo composto por representantes dos trabalhadores, digamos, umas 30 pessoas, nos mesmos moldes de um soviete russo, e eles fariam a gestão desse valor, de forma totalmente transparente e com a fiscalização da sociedade. Atualmente, o governo e a SEC pegam esse dinheiro, e a classe não tem o menor conhecimento do que é feito com ele. Alguns colegas mais próximos da gestão, mais poderosos, são beneficiados, a estrutura do governo faz tudo parecer legítimo, e a situação vai sendo empurrada pro próximo governante. Mas nunca muda.

CS: No seu governo, então, o secretário Robério Braga não vai ter vez?

HA: Isso não sou eu quem vai decidir. Se ele quiser contribuir com essa nova forma de governo, ele vai ser bem recebido, vai socializar com o nosso grupo. Ele pode ser um contribuinte, mas não vai mais centralizar a gestão, como fazia antes.

Queremos um conselho amplo, democrático, transparente, pra que o artista lá em Apuí possa saber do dinheiro, dos recursos. Nós defendemos que esses conselheiros sejam removidos quando houver um malfeito, que haja uma alternância, que eles representem de fato a sociedade. Queremos acabar com essa situação de mendicância, do artista ir lá pedir a esmola do Robério, nós queremos os artistas de cabeça erguida. É assim que vai ser.

CS: E sobre os cinemas abandonados do Centro histórico? O senhor acha válido, por exemplo, as parcerias público-privadas, do governo com empresas, pra revitalizar esses espaços? Tem um projeto nesse sentido?

HA: O governo do PSTU não vai pedir esmola de nenhum empresário. Nós vamos trabalhar com a máxima autonomia possível do estado. Somos marxistas, queremos varrer o capitalismo, essa exploração que represa a cultura e a liberdade.

O estado precisa se apoderar desses serviços, dar condições iguais de acesso a todos na sociedade, incentivar a arte pela arte, sem exploração capitalista, e prover as condições pra que surjam os novos cineastas, bailarinos, pianistas.

Nenhum centavo. O empresário já paga o imposto dele. Não vamos querer que ele vire o dono, o usurpador comercial do trabalho do artista, que a pessoa pague de volta o incentivo que recebeu vendendo o dom, a inspiração, pro lucro do produtor. Hoje os artistas vão suplicar das empresas lá do Distrito. Elas não estão nem aí pra isso. Os atletas, então, já perderam a vergonha, só conseguem participar de uma competição se tiver uma empresa bancando por trás.

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Nenhum outro partido vai buscar essa autonomia que a gente tem como imperativo. Se as pessoas vierem até o nosso governo e reivindicarem a reforma de um cinema, elas vão ter toda a liberdade pra falar e serem ouvidas, pra discutir essa demanda. Essas propostas nascem das pessoas, às quais é colocada a serviço a máquina do estado. E é no estado, e não nas empreiteiras, como acontece no Sudeste, que as pessoas vão buscar essas ações.

CS: Sobre o curso de audiovisual da UEA, que é uma demanda antiga e só resultou, por enquanto, numa qualificação técnica, sem atingir o status de formação acadêmica, falta investimento? O senhor pretende levar adiante esse projeto?

HA: Veja bem, nós estamos muito atrasados em todos os aspectos. Cultura, para nós, é parte de um projeto muito maior chamado educação. Nós vamos criar escolas de tempo integral com todos os tipos de aprendizado. Nós queremos que o aluno tenha as condições ideais para a prática de esportes, que haja um parque aquático, quadras pra basquete, vôlei, handebol… o estado tem que oferecer tudo isso. Cuidar do homem física e espiritualmente.

A escola tem esse papel de aglutinar todo o conhecimento, a prática desportiva, o ensino, o uso do espaço físico. No programa eleitoral, é tudo bacana, as escolas são verdadeiros modelos. Mas na vida real isso não existe. Os gestores roubam merenda. O professor sai da aula e não tem uma sala decente pra descansar, preparar a próxima avaliação. Os políticos fazem o melhor retrato das escolas públicas, mas não botam os filhos pra estudar lá.

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Nosso plano de obras públicas impulsionaria a construção dessas escolas, de tempo integral, com todas as condições pra pessoa poder fazer artes cênicas, dança, xadrez. Só o governo socialista pode oferecer isso aos pobres. Os caras que estão aí não vão investir nisso. Com a gente não vai ter parente beneficiado. As secretarias todas vão ser geridas por conselhos, com gente habilitada em concurso público. Nossa proposta é tratar a questão cultural em bloco, como parte da educação.

CS: O que nos leva ao questionamento final. Cultura é uma área prioritária para o senhor? Como o senhor vê a cultura na formação da sociedade?

HA: Pra nós ela se tornou uma coisa elitizada, prisioneira de pessoas que têm outras ocupações. Cultura no nosso país é uma forma de mercadoria. Quem tem dinheiro pode pagar pra ir a um concerto, ao teatro, pra viajar pra França. A gente até poderia levar o Balé Russo na zona leste, mas não tem um único teatro lá. Quantas pessoas têm talento e nem sabem, por falta das condições de experimentar uma ocupação artística?

Pra usar outro filme como exemplo, um que eu gosto muito, o Billy Elliot (Inglaterra, 2000). O filme expressa bem a negação da condição humana que é a situação atual do trabalhador, por causa do capitalismo. O pai do garoto é uma pessoa embrutecida pelo meio, por ser um trabalhador das minas, obrigado a labutar horas e horas pra levar lucro à empresa. No tempo livre, ele bebe, e quer que o garoto lute boxe. Mas o personagem sabe que gosta de dançar, então, quando o pai aceita, ele se vê na situação de ter que furar uma greve, pra pagar a passagem do garoto pro teste – e só não faz isso porque os colegas da minha se unem e arranjam o dinheiro pro menino.

O filme reflete bem a nossa sociedade também. A escola socialista pode oferecer outras oportunidades. Quero aproveitar pra fazer isso enquanto tenho forças. Quero muito ver o dia em que o governo dos trabalhadores vai chegar ao Amazonas.