A primeira cena de Heleno já traz um irreconhecível Rodrigo Santoro como Heleno de Freitas olhando recortes de jornais, na época em que era um grande atacante do futebol brasileiro, talvez até o maior, em que jornalistas se rendiam a sua genial categoria, ao mesmo tempo que criticavam o seu temperamento explosivo.

E essa característica de Heleno ao mesmo tempo que o prejudicava dentro e fora de campo, era a que fazia com que ele fossea pessoa extremamente interessante que era. E é realmente louvável que finalmente se tenha feito um filme sobre esta lendária figura do futebol brasileiro, que é, sem dúvida, um dos melhores personagens do cinema brasileiro das últimas décadas.

O filme conta a história do astro botafoguense que foi um dos maiores ídolos do clube carioca. Boêmio, mulherengo, arrogante, explosivo, brilhante. Heleno de Freitas levava a vida de forma desenfreada, aproveitando a sua fama e dinheiro para desfilar com classe pela alta sociedade do Rio de Janeiro nos anos 40. O longa acompanha o auge de Heleno pelo Botafogo, o cancelamento do mundial devido a guerra exatamente no auge técnico do jogador, a decepção pela não ida a Copa de 1950, a sua obsessão em jogar no Maracanã, e a sua decadência causada pela sífilis e pelo vício em éter, que acabou fazendo com que ele passasse os últimos dias de sua vida em um hospício.

Analisando os elementos que formam essa história, inevitavelmente nos lembramos do clássico de Martin Scorsese, Touro Indomável (1980), que através de um personagem também riquíssimo, o boxeador Jake La Motta, traz o relato de um esportista, que era excelente no que fazia, mas devido ao seu temperamento forte, e aos excessos na vida pessoal, coloca tudo a perder.

E as semelhanças não param por aí, pois assim como o filme de Scorsese, Heleno também é em preto e branco, e isso possui papel importante na história. A fotografia de Walter Carvalho é brilhante ao dar ao Rio de Janeiro um ar charmoso e receptivo, com uma iluminação estourada, quando utilizada para mostrar as suas praias em dias ensolarados, e ainda quando exibe a primeira vez que Heleno é mostrado entrando em campo junto com o Botafogo.Ou quando assume um ar mais nebuloso pra registrar a passagem de Heleno por Buenos Aires, ou ainda mais escura, sem vida e melancólica nos momentos em que o protagonista está no hospício. Um trabalho que salta aos olhos, e é um dos grandes destaques do filme.

O roteiro pode ser visto como um ponto positivo, ao retratar de forma verdadeira, sem tentar esconder nada, todos os excessos de Heleno, fazendo com que vejamos porque ele era a estrela que era, desenvolvendo-o com riqueza e complexidade, mostrando as suas virtudes e o seu irresistível charme arrogante, misturando isso com as suas características intragáveis, e com suas habituais grosserias e explosões de fúria.

Ao mesmo tempo, a história escrita por Felipe Bragança, José Henrique Fonseca e Fernando Castets peca por não saber distribuir alguns momentos importantes do filme, desenvolvendo a história com lentidão em certas partes, ao mesmo tempo que não permite que trechos importantes da história de Heleno sejam contados de forma melhor desenvolvida.

Mas sem dúvida, o maior problema do roteiro é a sua não-linearidade, que atravanca o ritmo do filme. Aliás, de uns tempos pra cá, se tornou quase um pecado, algo intitulado como convencionalista, antiquado, desenvolver o filme de forma linear, sem idas e vindas no tempo, tendo o início começado no início, e o final no final. Realmente não entendi o motivo de os momentos de Heleno no hospício estarem intercalados com as cenas que mostram o seu auge. Essas inserções apenas atrapalham o desenvolvimento da história, e diminuem significativamente o impacto que seria vermos o jogador debilitado no hospício, que seria muito maior caso a história fosse desenvolvida de forma linear.

O filme apenas não sai de controle pela direção segura e discreta de José Henrique Fonseca. O diretor é competente ao deixar que vejamos de forma gradual o auge e a decadência de Heleno, desenvolvendo cenas com excelentes conflitos entre os personagens, e tendo uma admirável direção de atores, destacando o seu trabalho com Alinne Moraes, Erom Cordeiro e Maurício Tizumba.

Porém é impossível falar de Heleno sem citar o trabalho poderoso de Rodrigo Santoro.Se falei de Touro Indomável, e isso nos traz ao memorável trabalho de Robert De Niro, devo dizer, tranquilamente, que Santoro faz uma atuação que não deve nada para a do ator americano. Com uma nítida entrega total ao personagem, ele traz com perfeição o charme e arrogância de Heleno, com um tom de voz sempre elegante, seco e cortante, contrastando com brilhantismo com os destemperos e as subidas de tom, quando destrata os seus companheiros de time, por sua falta de competência, ou por aceitarem dinheiro da diretoria quando perdem uma partida. Traz com incrível verdade o amor de Heleno pelo futebol (Botafogo), e como ele pode ser caracterizado como o jogador que tem amor à camisa, e que tem gana por ser um vencedor, e aproveitar a vida sempre ao máximo. E a sua gradual decadência, chegando a total insanidade nos brindam com um trabalho de um ator que traz o necessário para o papel, nem mais, nem menos, mas o suficiente para uma atuação impactante e inesquecível.

E não se pode, de forma alguma, esquecer o excelente trabalho de maquiagem de Martin Macias Trujillo, que com simplicidade e eficiência faz com que a transformação de Heleno se torne visualmente impressionante, sem precisar utilizar clichês e exageros.

É realmente imperdoável que este filme não tenha chegado aos cinemas de Manaus, pois ele é uma rara oportunidade de vermos um trabalho de apelo popular que também possui um cuidado especial com conceitos artísticos.

Heleno é o tipo de filme que mostra que o cinema brasileiro tem qualidades que muita gente desconhece, e faz com que tenhamos esperança em vermos um ator brasileiro se tornar um dos grandes nomes do cinema mundial.

NOTA: 7,5