Um dos gêneros mais populares do cinema são os filmes de desastres também conhecidos como catástrofe. Investir neste segmento é tiro certo: bilheterias rentáveis com salas cheias e públicos ávidos para externalizarem sua adrenalina em eventos limites. Praticamente a fórmula para este tipo de produção é bem simples: a) uma temática apocalíptica indicativa de destruição; b) um apelo dramático com melodrama e heroísmo; c) se possível, um astro ou vários deles para deixar o contexto com mais seriedade e criar um vínculo emocional junto ao público.

Vale ressaltar que este formato de filme alcançou sua glória de sucesso na década de 70 utilizando os medos “reais e comuns” da época como foram os casos de Aeroporto 70, O Destino do Posseidon, Terremoto, Inferno da Torre e na década seguinte, o ótimo e subestimado O Dia Seguinte. De lá para cá, a transformação do cinema e a potencialização da tecnologia permitiram que mais um elemento fosse adicionado a fórmula: a valorização dos efeitos especiais para enfatizar junto ao público um sentimento maior de tensão e catástrofe.

Logo, entre a ficção e a fantasia, os disaster movies produzem hoje boas receitas econômicas no cinema criando pânico através dos mais variados temas – de ataques alienígenas aos fenômenos da natureza. O fã de cinema de arte em geral pode até reclamar, mas não pode negar que o “Mago” americano da ação Michael Bay com sua série Transformers e Armaggedon juntamente o alemão Roland Emmerich e seus filmes de destruição (Independence Day, O Dia Depois do Amanhã e 2012) ajudaram a moldar o gênero para o sucesso comercial em larga escala, mesmo dobrando a receita das produções – antes o custo maior era pagar o salário das estrelas, hoje mais da metade é gasta em efeitos especiais.

É nesta vibe que o novo representante do gênero, Horizonte Profundo – Desastre no Golfo de Peter Berg caminha ao apresentar a história real do maior vazamento de Petróleo no Golfo do México em 2010 e que vitimou onze trabalhadores, considerado um dos maiores desastres ambientais da história. Pode-se dizer que o grande mérito do longa é de encontrar o equilíbrio de transpor para a tela, os fatos reais dos acontecimentos – há realmente um requinte de cuidado por parte da obra em mostrar a veracidade dos detalhes que ocasionaram a situação –  aos elementos de fantasia, no caso a ação em si e os elementos catastróficos do desastre real.

Peter Berg apesar de ser discípulo da cartilha Michael Bay de ação e explosão, não segue à risca a fórmula do seu mentor, preferindo se ater ao realismo que os exageros fantásticos. Suas obras anteriores, O Reino (2007) quanto O Grande Herói (2013) – sua primeira parceria com o ator Mark Wahlberg – exploravam a tragédia dentro da guerra sem grandes alardes fantásticos. Horizonte Perdido não foge deste aspecto, controlando parte da sua narrativa e a direcionando para a catástrofe do horror real, apresentando um viés crítico ambiental interessante ainda mais se levarmos em conta que estamos diante de um filme de desastre cuja finalidade hoje no cinema atual é apenas entreter e não questionar.

Isso é observado no primeiro momento do filme que mostra os três principais personagens:  Mike Williams (Mark Wahlberg), o pai de família responsável e o engenheiro de manutenção elétrica da estação Deepwater que junto com seu chefe, Jimmy (Kurt Russell) e a operadora de navegação Andrea Fleytas (Gina Rodriguez,) tentam enfrentar o descaso dos executivos da BP que estão comandando a operação, liderados por Donald Vidrine (John Malkovich).

Neste ato, Berg constrói com certa propriedade, a vida diária deles antes de acompanhá-los na sua viajem para a plataforma petrolífera. A chegada deles ao local, faz o filme ganhar algumas tintas fortes no desenvolvimento da sua tensão: se de um lado temos cenas indicando que algo na profundeza do mar encontra-se instável, do outro observamos que na plataforma o mesmo ocorre, pois os nervos e emoções estão à flor da pele, prontos para explodirem. Evidência que quando natureza e homens não conseguem dialogar, a tragédia é iminente. A produção tem a coragem ainda de mostrar que os eventos trágicos teriam sido facilmente evitados se não fossem a negligência e ganância dos empresários. Essa crítica ao capitalismo selvagem não foge muito da realidade nacional vista recentemente no caso de rompimento da barragem Mariana (MG) onde algo semelhante foi notório.

É claro que quando a tragédia acontece – exatamente no segundo ato – é que Horizonte Profundo realmente tornar-se um filme envolvente, até porque toda ação é executada bem pautada na tensão, oferecendo doses de entretenimento honesto e eficiente que ganha um bom ritmo e veracidade nas mãos de Berg que praticamente joga o público ao verdadeiro inferno inflamável do desastre, onde lama, escuridão, fumaça e fogo se misturam como elementos de horror real, dando uma dimensão ao público de como foi a tragédia – inclusive a cena do personagem Kurt Russel e um pedaço de vidro lembra o clássico Duro de Matar (1988) de John McTiernan.

Porém, os dois atos distintos entre si que funcionam separadamente, são frágeis quando integrados na narrativa como um todo. O engajamento histórico e ambiental em relação a ganância da indústria petrolífera no ato inicial se revela ingênuo ao seu final por não fechar a sua abordagem crítica. Tudo bem que o enfoque principal da produção é ser um disaster movie, mas para quem construiu com certa eficiência a temática durante o seu desenvolvimento, incomoda o seu esquecimento no ato final. É nítido que neste momento Berg segue fielmente a outra parte da cartilha de Michael Bay:  valoriza o patriotismo e heroísmo americano, deixando que este ponto de vista se sobreponha ao outro. Isso deixa uma grande lacuna entre o tom real da história e o filme hollywoodiano de tragédia.

O próprio roteiro de Matthew Michael Carnahan e Matthew Sand não deixa de apresentar seus clichês: os diversos signos visuais de que algo ruim vai acontecer – uma lata de refrigerante que estoura, o carro que não funciona, o pássaro que colide no vidro da aeronave – funcionam como recurso didático genérico. A subtrama relacionada a mulher (Kate Hudson) e filha de Mike é outro elemento clichê que nada acrescenta ao filme, nem mesmo para “provocar” o famoso melodrama familiar, situação sem propósito nenhum narrativamente e que poderia ser retirado, dando espaço para outras situações serem desenvolvidas. Sem contar que o texto oferece uma tonelada de personagens secundários que jamais apresentam uma dimensão dramática pessoal de se importar com eles, inclusive quando a situação explode é difícil distinguir quem passou desta para melhor e se emocionar.

Neste ponto não tem como questionar o elenco nas suas atuações frente aos personagens estereotipados. Wahlberg impõe seu velho carisma ao heroico Mike e para quem já atuou na franquia Transformers, isso parece galho fraco. Kurt Russel não fica atrás, impondo a segurança e firmeza ao chefe da plataforma e o ator mostra uma ótima desenvoltura na imitação do sotaque caipira. O grande John Malkovich encontra-se presente aqui apenas para pagar o aluguel do mês, já que o seu executivo Vidrine não foge do vilão caricato de praxe existente neste tipo de filme, cabendo o ator apenas fazer caras e bocas. Por ser um filme de “mocinhos”, o elenco feminino tem pouco a brilhar, porém a latina do momento Gina Rodriguez se destaca em alguns momentos ainda que o roteiro a transforme na “donzela indefesa” no ato final para que macho alfa Mike a salve.

Horizonte Profundo – Desastre no Golfo é o filme desastre deste novo século: combina o seu espetáculo visual através da sua câmera nervosa, encenando cenas de ação que garantem um bom divertimento por mais que ao final deixe a impressão que não apresentou nenhuma novidade já mostrada em outros filmes do gênero. Pelo menos, o filme de Peter Berg consegue tanto controlar quanto equilibrar a dicotomia entre a ficção e a fantasia e o resultado final até encontra-se acima da média em comparação a outras produções. Uma coisa é certa nesta equação: até que o verdadeiro apocalipse aconteça, a produção de filmes catástrofes por Hollywood jamais vai deixar de existir.