Claire Underwood é uma mulher de poucas emoções e de poucas palavras. É com ela que começamos a quinta temporada de House of Cards, com seu olhar direto para a câmera e se dirigindo a nós. Parece um momento de quebra da quarta parede como já estamos acostumados na série, mas eles antes eram exclusivos do marido dela, o Presidente Frank Underwood. Porém, um movimento de câmera inteligente neste primeiro plano da temporada revela que na verdade ela está lendo um pronunciamento em frente às câmeras para o povo americano. Esse jogo de enganação acabará se repetindo ao longo destes episódios.

Esta temporada se inicia com a disputa acirrada da eleição presidencial entre Frank (Kevin Spacey) e seu concorrente, Will Conway (Joel Kinnaman). Em meio à disputa, Frank começa a ser investigado por crimes do passado – incluindo a morte de Zoe Barnes (Kate Mara) – e a ser atacado em várias frentes. Mas, como ele mesmo diz ao congresso na cena de abertura, Frank “não cederá”. Enquanto isso, a disputa se enrola por causa do confuso regulamento do colégio eleitoral americano, enquanto nos bastidores a figura da vice-presidente Claire (Robin Wright) ganha força.

Aliás, essa questão do colégio eleitoral levanta a questão dos paralelos entre a série e o nosso mundo real. Afinal, esta é a primeira temporada de House of Cards após a eleição de Donald Trump para Presidente dos Estados Unidos, na qual o sistema de colégio eleitoral de novo provocou polêmicas. Ao longo da temporada vemos os Underwoods endurecendo nas fronteiras; usando atentados e conflitos contra uma organização terrorista análoga ao ISIS (Estado Islâmico) como ferramenta política; e os russos também têm interferência na política americana, na figura do Presidente Petrov (o ótimo Lars Mikkelsen). A espionagem virtual sobre o povo americano da temporada anterior continua rendendo nesta – num dos episódios os Underwoods até conseguem efetivar uma “queda” da internet, talvez o maior pesadelo moderno? O final do primeiro episódio apresenta uma reviravolta surpreendente e nos faz reavaliar o que vimos antes, um comentário sobre como na época das “fake news” precisamos desconfiar de tudo, até do que vemos e ouvimos por nós mesmos.

É bom ver como os roteiristas da série não perdem a oportunidade de usá-la para refletir o nosso mundo. Porém, mesmo assim a temporada não é imune a problemas. Houve uma mudança no comando da produção: o criador e produtor-executivo Beau Willimon deixou House of Cards, que ficou a cargo dos novos produtores Melissa James Gibson e Frank Pugliese. Mesmo com ambos já trabalhando na série há anos, é de se esperar que qualquer programa de TV sinta o baque da mudança do comando.

Talvez por causa disso esta quinta temporada de House of Cards não seja tão boa quanto as anteriores. O meio da temporada é um verdadeiro marasmo, com a demora na definição da eleição – o que faz a situação perder a urgência – e a sensação de que as tramas ou não são interessantes, ou não avançam.

Um grande exemplo disso é o personagem Tom (Paul Sparks). O escritor, uma figura tão interessante nas temporadas 3 e 4, acaba perdendo o seu valor como personagem ao ser enredado na teia (sexual) dos Underwoods – aliás, é curioso como ele expôs sua vida pregressa como prostituto a Frank anteriormente, apenas para reassumir essa função junto ao primeiro-casal. Por grande parte da temporada, Tom apenas está lá, sem fazer nada de importante, tornando-se praticamente um buraco negro na tela sempre que dá as caras, esperando a vez de ser bem utilizado perto do final. Um indício de que no miolo desta temporada, há muita espera e poucos desenvolvimentos significativos.

Mesmo assim, há inegáveis momentos de brilhantismo na temporada, geralmente situados nos primeiros episódios ou nos últimos. Como o paralelo entre a série e o clássico filme noir Pacto de Sangue (1944) de Billy Wilder, assistido pelos Underwoods como uma tradição a cada eleição – as cenas com Spacey e Wright imitando o longa de Wilder se tornam ainda mais divertidas quando notamos as semelhanças entre o casal do filme e o do seriado. Há também momentos de inventividade visual, como cenas nos primeiros episódios nas quais a iluminação e a fotografia deixam os rostos de Spacey e Wright com o aspecto de máscaras; ou a simulação no computador de Claire que une os dois rostos num efeito esquisito, mas hipnotizante – os rostos dos dois atores realmente se complementam bem. Outro episódio se encerra com a imagem de um triturador de lixo, metáfora visual para a rede de traições entre os personagens que ameaça engolir a todos numa engrenagem sem controle. E sempre há enquadramentos e movimentos de câmera sutis, interessantes e a favor da história.

Nos episódios finais a temporada recupera sua intensidade, com personagens tomando escolhas inesperadas e bastante dramáticas, e com os roteiristas lançando mão de um mistério para apimentar as coisas. É curioso perceber como ao longo da temporada Frank perde aos poucos a sua influência, enquanto as mulheres ao seu redor ficam cada vez mais fortes – no elenco, a atriz Patricia Clarkson representa uma adição válida ao universo de House of Cards no papel da enigmática Jane Davis. E Claire, como é insinuado visualmente diversas vezes durante a temporada, de repente dá uma olhadinha na nossa direção. Ela revela que sempre nos viu, só não queria falar com a gente. É ela quem encerra a temporada, numa bela rima visual, com duas palavrinhas para nós. Ela realmente é uma mulher de poucas palavras.