“O risco de um novo incêndio é real”.
Esta frase aparece no segundo parágrafo, quarta linha do manifesto dos trabalhadores da Cinemateca Brasileira divulgado no dia 12 de abril de 2021 – leia abaixo.
Naquele momento, a instituição com o maior acervo audiovisual da América Latina e registros fundamentais da nossa História jazia abandonada há nove meses após o Governo Bolsonaro tomar o controle do órgão da Associação Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp)
O incêndio ocorrido na quinta-feira, 29 de julho, no galpão da Cinemateca pode ser encarado como algo além de uma tragédia anunciada. É possível dizer com todas as letras que se trata de uma tragédia planejada.
DESTRUIÇÃO LENTA E GRADUAL
Como aponta João Cezar Castro da Rocha, professor da Universidade Federal Fluminense e autor do livro “Guerra Cultural e a Retórica do Ódio: crônicas do Brasil”, a partir de uma lógica de inimigos internos e do discurso de revanche, revisionista dos militares, o governo Bolsonaro promove uma destruição em massa das instituições do país.
Nisso, a Fundação Palmares se vê comandada por um sujeito completamente oposto à proposta da entidade, temos um ex-ministro da Educação sem a menor educação e um ex-ministro do Meio Ambiente inimigo da floresta. Se perguntar ao presidente e seu fiel séquito o que se pretende construir, sobrarão xingamentos para a falta de respostas.
Considerado foco de comunistas (palavrinha doce na boca da seita) e de oposição a pensamentos autoritários por natureza, o setor cultural, entretanto, ganhou especial dedicação neste projeto. Diferente da forma atabalhoada de destruição de políticas públicas históricas em outros setores – toda a crise da vacinação contra a Covid-19 jogou fora a imagem do país do Zé Gotinha e de campanhas de imunização bem-sucedidas, por exemplo –, a cultura foi “privilegiada” com uma estratégia mais discreta de asfixia. Afinal, para que acabar com tudo de imediato se você pode exterminar o setor lenta e gradualmente?
Desta forma, Bolsonaro não apenas garante a paralisia de toda uma cadeia produtiva incômoda a ele e ao governo sem chegar a acabar com nada como ainda permite o prolongamento das justas reinvindicações e protestos do setor, fomentando a guerra cultural defendida pelo mentor da ala ideológica, Olavo de Carvalho, executada pelo capacho Mário Frias e alimentada pela seita/milícia virtual orquestrada por Carlos ‘Carluxo’ Bolsonaro. O processo vem sendo registrado pelo Cine Set como você pode acompanhar na série ‘Ataques do Governo Bolsonaro ao Cinema Brasileiro’ (2019 e 2020) e diariamente em nossas postagens nas redes sociais.
AVISOS POR TODOS OS LADOS
O roteiro da destruição das instituições se encaminha para o clímax em 2022 com a tentativa de descredibilizar o sistema eleitoral e aplicar um autogolpe para que Bolsonaro permaneça no poder com apoio das Forças Armadas e, se tudo der certo, com o fechamento do Supremo Tribunal Federal. Em bom português, um Golpe de Estado.
Igual ocorrera com a Cinemateca, os avisos estão por todos os lados. Porém, a arrogância dos canalhas e a complacência daqueles que não se importam fazem o barco seguir rumo à tempestade como se nada estivesse acontecendo.
Pagam para ver e, depois da barbárie, ou 1) adotam a postura cara de pau de quem nada tem a ver com isso (Frias chegou a dizer que suspeita de incêndio criminoso na Cinemateca – seria uma confissão?) ou 2) postam hashtags, fazem vídeos nas redes demonstrando espanto com aquilo que estava evidente – mas, seguem com seus temores de delírios comunistas, claro.
A coincidência do horário do incêndio na Cinemateca destruindo parte do nosso passado com a patética live do presidente em que provou não ter provas contra a urna eletrônica não é à toa.
Soa como um prenúncio para o pior.