Pode-se criticar muitas coisas dos Estados Unidos, mas há de se admirar o respeito pelo qual o país tem com nomes importantes e heróis de sua história. Hollywood sempre foi especialista em contar histórias dos principais líderes da superpotência e de gente comum com jornadas épicas e dignas de cinema. Tamanha a força da indústria que essas figuras acabam se transformando em ídolos e inspirações ao redor do mundo transportando junto o modo de vida e os valores americanos.

O problema é quando o espírito patriótico por esse herói impede com que sejam vistas as falhas dessa pessoa, criando uma aura de deus para o sujeito. Igual Steven Spielberg fez no recente “Lincoln”, Angelina Jolie cai no erro em “Invencível” ao retratar a história do atleta olímpico Louis Zamperini.

Oitavo colocado na prova dos 5.000 metros livres na Olimpíada de 1936 realizada na Alemanha nazista, ele acabou se tornando soldado da Aeronáutica americana durante a Segunda Guerra Mundial. Em uma missão de resgate, o avião em que estava a bordo acaba sendo abatido e, ao lado de outros dois colegas, Zamperini passa mais de 45 dias à deriva no meio do oceano. Resgatado pelos japoneses, ele fica como prisioneiro de guerra durante dois anos, sofrendo torturas e agressões de diversos tipos.

Não há como negar que a trajetória de Zamperini seja fabulosa do ponto de vista cinematográfico ao permitir tantas viradas e abordagens nesse caminho. “Invencível”, porém, se deixa encantar por essa jornada sem estabelecer uma figura humana ali: há uma busca constante em trazer o herói americano sempre companheiro dos amigos, inteligente para elaborar planos sensatos na hora do aperto, afetuoso com a família, íntegro e incorruptível, corajoso por não se dobrar aos malvados mesmo que isso o leve a apanhar, o homem das palavras certas nas horas difíceis e por aí vai na construção de um bastião da moral e bom mocismo.

Mesmo com mais de duas horas de duração, “Invencível” não responde questões básicas sobre o contexto social para o ódio contra os ítalo-americanos durante a infância do protagonista nem como foi a entrada de Louis Zamperini no Exército ou até mesmo o que o fazia ser tão desligado nas corridas e reagir no final. Fazer uma tentativa de entender qual o pensamento dele em relação à guerra ou matar pessoas como faz ao jogar uma bomba devastadora em uma ilha japonesa na sequência inicial do filme poderia soar como uma blasfêmia para um herói americano perante as condições trazidas pelo projeto. O único conflito psicológico abordado sobre o protagonista está na relação dele com Deus, sendo isso calcado em situações nada verossímeis como uma chuva vinda na hora exata somente para realçar a superioridade daquele sujeito ao aceitar a figura divina e desejar o perdão e não a vingança para seus rivais.

Se o roteiro do filme estivesse a cargo apenas de Richard LaGravenese (do meloso “P.S. Eu Te Amo” e “Água Para Elefantes”) e William Nicholson (“Os Miseráveis”) tal superficialidade seria compreendida pelo pouco talento de ambos, porém, ver nos créditos o nome dos sempre sarcásticos e cínicos Joel e Ethan Coen assusta por um resultado medíocre como o alcançado.

A direção de Angelina Jolie, entretanto, explica bastante essas escolhas narrativas. Se na estreia dela em “Na Terra de Amor e Ódio” havia uma tentativa de mesclar um melodrama amoroso com as atrocidades vistas na guerra, a esposa de Brad Pitt se entrega aos exageros em “Invencível”. Desde a trilha sonora de Alexandre Desplat feita para chorar em tons açucarados passando até a utilização de frases de efeito para realçar determinada passagem (“um instante de dor vale mais que uma vida de glórias”) passando por cenas dignas dos dramalhões de novelas das 9 como o policial que deu uma bronca ao escutar a prova de Zamperinni na rádio ou o abraço dos irmãos na estação de trem, não há espaço para sutileza no projeto. Para piorar, a montagem consegue ser um verdadeiro desastre ao não encaixar os flashbacks com os momentos da guerra, gerando uma sensação de confusão temporal com os acontecimentos ocorridos durante o conflito. Isso para não falar na vergonhosa passagem de tempo copiada de “Forrest Gump” da adolescência para a fase adulta e da tentativa de esconder o modesto oitavo lugar do protagonista na prova olímpica com uma narração feita como se ele tivesse ganhado uma medalha.

Exceto pelo esforço de Jack O’Connell em se entregar fisicamente para o papel, “Invencível” é uma profusão de erros que irrita por ser incapaz de tratar o espectador como um sujeito pensante. Ao querer trazer Louis Zamperini como um herói sem defeitos, Angelina Jolie esquece de ainda se tratar de uma figura com possibilidades de ter acessos de raiva ou tratar mal alguém como todos nós.

Trabalhar esses aspectos não diminui a grandeza de ninguém; pelo contrário, ressalta muito mais o caráter e as qualidades de uma pessoa pelo retrato mais próximo da realidade. Algo que “Invencível” passa longe, MUITO longe.