Famílias italianas nos EUA e seus códigos de ética, mafiosos, trilha sonora com conhecidas músicas pops, personagens em diálogo constante com o público, figurinos e direção de arte elegantes. Elementos típicos dos filmes de Martin Scorsese estão presentes nesta obra sobre a trajetória de Frank Valli e The Four Seasons dirigida por Clint Eastwood. A mistura do estilo desses dois cineastas não consegue êxito por serem incompatíveis.

Adaptada do musical da Broadway, “Jersey Boys” mostra o começo da carreira do The Four Seasons patrocinada por um mafioso (Christopher Walken, excelente como sempre). O filme passa pela da evolução da banda até se tornar um sucesso com “Sherry” e a decadência provocada pelas dívidas acumuladas pelo guitarrista Tommy DeVitto (Vincent Piazza). A parte final se concentra na retomada de Frank Valli (John Lloyd Young) com o clássico “Can’t Take My Eyes off You”.

Exército, máfia ou fama. Esses são os três destinos possíveis para um ítalo-americanonos anos 50citados por DeVitto em uma das conversas com o público logo no início do filme. “Jersey Boys” traz seus melhores momentos quando trabalha tal aspecto e os coloca em conflitos. O guitarrista, por exemplo, está no meio de dois caminhos: enquanto tenta sucesso com a banda mesmo não sendo um músico criativo, ele não resiste à tentação de provocar pequenos delitos ou acumular dívidas. O perigo do mundo dos criminosos, a vida no limite e manter o grupo no limiar do profissionalismo com o amador parecem sempre atraí-lo. Por outro lado, Valli e Bob Gaudio (Erich Bergen) sabem quão talentosos são como, respectivamente, vocalista e compositor. Isso faz com que ambos se aproximem e transformem o Four Seasons no sucesso nacional das bandas Pops americanas. O conflito de pensamentos da banda permite ao público criar um cenário complexo e rico das relações do conjunto. Méritos do roteiro elaborado por John Logan e Rick Elice.

Clint Eastwood até tenta se mostrar um diretor flexível ao fazer um musical, trabalhar com atores pouco conhecidos, utilizar muito a quebra da quarta parede e colocar o personagem em constante contato com o público, além de se desprender da linearidade em determinados momentos. Se consegue sucesso na primeira hora, o cineasta derrapa na parte final, transformando “Jersey Boys” em uma experiência confusa. Quando pensamos que o filme vai explorar apenas a relação entre Valli, Gaudio e DeVitto, abre-se um longo espaço para o apagado baixista Nick Massi (Michael Lomenda) contar seu ponto de vista. Para piorar, neste momento, a história regride dois anos atrás, algo sem o menor sentido de existir, pois, poderia ter sido mostrado na ordem cronológica.

Eis aí a diferença entre Eastwood e Scorsese. O primeiro sempre foi um cineasta contido, dedicado a contar boas histórias, sem grandes inventividade estética ou narrativa. Os melhores trabalhos do eterno Dirty Harry como diretor seguiram essas características de simplicidade: “Os Imperdoáveis”, “As Pontes de Madison” e “Menina de Ouro”. Já o segundo sempre foi ousado por natureza, capaz de criar planos-sequências elaborados, inserir elementos da cultura pop de forma integrada à trama, mudar os rumos da história em alterações na linearidade sem tropeços. “Bons Companheiros” e “O Lobo de Wall Street” são exemplos perfeitos de um Scorsese inventivo. São dois estilos em oposição e ricos dentro de cada singularidade.

Por mais que tente, Eastwood nunca se mostra completamente à vontade com o ritmo exigido por “Jersey Boys” e acaba perdido pela necessidade de fluidez da trama. O equívoco pela fotografia acinzentada, típica dos filmes do diretor, também vai no sentido oposto da proposta do filme. Momentos melodramáticos como o divórcio de Valli e a indecisão entre o humor ou o drama na sequência da briga entre os integrantes do Four Seasons complicam ainda mais o resultado final. Isso para não falar da constrangedora cena final de musical em que tudo soa deslocado com tentativa de transposição do palco da Broadway para o cinema.

Salvo pelas boas atuações das revelações Vincent Piazza e Erich Bergen, “Jersey Boys” traz Clint Eastwood na tentativa de arriscar novos caminhos, algo bacana para um sujeito consagrado e aos 84 anos de idade. Porém, fica uma sensação de que sairia um filmaço se Scorsese dirigisse.

NOTA:6,0