Em 22 de novembro de 1963, o Presidente dos Estados Unidos John Fitzgerald Kennedy foi assassinado com um tiro na cabeça enquanto desfilava em carro aberto numa praça em Dallas, no Texas. Algumas horas depois, o atirador foi encontrado e preso num cinema: tratava-se de Lee Harvey Oswald, rapaz de 24 anos que havia servido na Marinha americana, mas desertou e passou um tempo morando na União Soviética até voltar aos EUA. Dois dias após o assassinato do presidente, Oswald foi morto por Jack Ruby, dono de uma boate na cidade, enquanto era transferido da cadeia.

Provavelmente se você ouvisse isso, sem assistir nos noticiários ou testemunhar pessoalmente, você não acreditaria. Parece muito incrível… mas aconteceu. Kennedy era admirado pelo povo americano e odiado por certos setores da sociedade. Nos dois anos antes de sua morte, o país chegou a estar à beira de uma guerra nuclear com a União Soviética na crise dos mísseis; uma tentativa de invadir Cuba (o ataque à Baía dos Porcos) fracassou, e muitas forças poderosas no complexo militar americano culparam Kennedy por isso; e o Presidente dava sinais de querer tirar as suas forças militares do Vietnã.

As teorias de conspiração que surgiram no decorrer destas décadas de certa forma surgiram em resposta a esses fatos incríveis. E a maior delas, pelo menos cinematograficamente falando, veio pelas mãos do cineasta Oliver Stone com seu JFK: A Pergunta que Não Quer Calar (1991). Feito na época em que Stone estava no auge dos seus poderes – após a dupla consagração no Oscar com Platoon (1986) e Nascido em 4 de Julho (1989) – o filme é uma experiência de duas faces. Por um lado, é uma obra que dá vazão a teorias conspiratórias que nunca se confirmaram, e ao longo dos anos Stone foi muito atacado por sua visão um pouco, digamos, “tendenciosa”. Por outro lado, é uma obra cinematograficamente brilhante, com montagem, fotografia, trilha sonora e desempenhos do elenco simplesmente brilhantes. Você poda até não concordar com a visão do diretor, mas que a apresentação dele convence, ah, isso convence…

O filme enfoca a investigação do promotor público de New Orleans Jim Garrison (interpretado por Kevin Costner, outro que estava vivendo seu auge naquela época). Alguns anos depois da publicação do relatório da Comissão Warren, que investigou o assassinato e concluiu que Oswald agiu sozinho, Garrison notou algumas conexões estranhas entre o atirador, um movimento anti-Fidel Castro e alguns mafiosos, e decidiu abrir uma investigação que levou ao indiciamento de vários suspeitos – Garrison foi o único a acusar alguém por envolvimento numa conspiração para matar o Presidente.

Empolgante desde os momentos iniciais, JFK prende mais a atenção do espectador do que muitos filmes de ação por aí. Stone e seus montadores Pietro Scalia e Joe Hutshings (vencedores do Oscar na categoria) intercalam cenas de arquivo com momentos encenados para fazer uma espécie de recapitulação dos eventos que levaram à morte de Kennedy. Depois que o assassinato ocorre, essa abordagem persiste, e Stone coloca seus atores para assistirem, por exemplo, à cobertura do lendário âncora americano Walter Cronkite sobre a morte do Presidente.

Stone e seu diretor de fotografia Robert Richardson (também premiado com o Oscar) fazem uso de vários formatos – 35mm, 16mm e até Super 8, quando surge na história o famoso “filme de Zapruder”, a gravação da morte do Presidente por um dos frequentadores da praça naquele dia. E a montagem é sempre ágil, sempre há alguma coisa interessante acontecendo, e logo o espectador se pega tentando encaixar as pistas do mistério igual aos mocinhos do filme. Mesmo com cerca de 3h30 na sua versão do diretor, o filme não fica cansativo em momento algum. A partir de JFK, Stone passou a transformar seus filmes em obras cada vez mais interessantes do ponto de vista da montagem, e ele repetiu (e intensificou) essa abordagem em Assassinos por Natureza (1994), Nixon (1995) e Um Domingo Qualquer (1999).

Outra grande qualidade do filme é o seu fenomenal elenco. Costner faz o tipo integro e determinado com precisão, e ele contracena no filme com alguns dos maiores nomes de Hollywood. Tommy Lee Jones, no papel do sinistro Clay Shaw, se sai com a melhor atuação do filme – tanto que o ator recebeu sua primeira indicação ao Oscar pelo papel. Kevin Bacon e Joe Pesci estão sólidos como outros possíveis conspiradores – embora o momento homossexual entre eles e o personagem de Jones seja um daqueles típicos exageros que Hollywood, especialmente àquela época, de vez em quando lançava mão e acabava dando má reputação aos gays. Gary Oldman, então em inicio da carreira e já exalando um ar meio sinistro, vive Lee Oswald. E John Candy, Jack Lemmon, Walter Matthau, Sissy Spacek e Donald Sutherland aparecem, alguns em apenas uma cena, para dar vida a interessantes figuras.

O personagem de Donald Sutherland, batizado nos créditos de “Sr. X”, quase rouba o filme na sua longa cena com Costner. O Sr. X é o informante que basicamente fornece toda a teoria na qual Garrison baseia sua investigação – a de que Kennedy foi morto, basicamente, porque tinha planos de sair do Vietnã e por seus conflitos com o stablishment armamentista americano. É um momento eletrizante, que mais tarde serviu de inspiração para diversas cenas do seriado Arquivo X, iniciado alguns anos depois e que se manteve graças às teorias de conspiração, a noção de que o “Governo” (de forma geral, não apenas o americano), estava escondendo algo da população.

E o aspecto mais incrível dessa cena, primordial para o filme, é que a teoria faz sentido. Essa é a alma de JFK, o filme: toda a investigação de Jim Garrison não comprovou nada, mas ofereceu uma teoria que ainda hoje possui muitos adeptos. Faz parte da natureza humana ser curioso, buscar respostas para enigmas que nos atormentam. No entanto, também faz parte dessa mesma natureza recusar a verdade quando nos convém. Se é difícil para duas pessoas guardarem um segredo, imagine então uma grande conspiração que envolveu forças armadas, militantes anti-comunistas e mafiosos… Acreditar na possibilidade de que Oswald simplesmente odiava Kennedy e o matou, num dia propício para isso, e na sequência de eventos que se seguiram, parece incrível demais para algumas pessoas. Oliver Stone, especialmente.

No entanto, é preciso ser dito: sua apresentação dos fatos é muito convincente e, acima de tudo, muito cinematográfica.

Nota: 8,5