Ele já foi um ícone do cinema alternativo americano, estrela de série policial adolescente dos anos 80, dono de fábrica de chocolate, astronauta, músico e encantou a geração do século XXI sendo um pirata. Apesar de uma carreira em crescente ascensão, as escolhas pessoais de Johnny Depp tomaram um caminho oposto e acabaram por colidir com a reta em crescimento. Diante disso, qual dos segmentos terá mais força nos próximos passos da carreira do ator?

Conhecido por ser um camaleão em cena, Depp não tem conseguido camuflar tão bem os escândalos que sua vida pessoal enfrenta nos últimos anos e que, coincidentemente, acabam por refletir na carreira do ator norte-americano. Embora a maior parte do tumulto no âmbito pessoal tenha ganhado fôlego com a denúncia de violência doméstica feita pela ex-esposa, Amber Heard, a carreira profissional já não andava bem das pernas. Querido tanto pelos críticos como pelo público, os últimos trabalhos do ator têm quebrado esse fascínio tão bem estabelecido nos anos 1990. Muito disso se deve as escolhas de projeto e pouco a suas interpretações, embora parte do encanto de suas camuflagens tenha se tornado caricato e repetitivo. Há momentos em que parece que Jack Sparrow assume no lugar de Johnny Depp tanto na vida quanto na profissão.

Aliás, apesar de nos anos 1990 ele ter interpretado personagens memoráveis, foi o capitão de Piratas do Caribe quem o tornou uma marca mundial com direito a cheques de US$ 30 milhões a cada filme. A afinidade do ator com o personagem é tanta que ele se inspirou em seu ídolo musical Keith Richards para arquitetá-la, tendo até mesmo o privilégio de tê-lo como pai de Sparrow em um dos filmes da franquia. Entretanto, toda essa boa receptividade de Depp no mercado cinematográfico o tornou excêntrico e com gastos aviltantes.

Excentricidades e Crise Financeira

Entre 1986 e 2006, Depp participou de 32 filmes, incluindo a sua parceria com Tim Burton e atuando em projetos tanto alternativos quanto de grandes estúdios. O quarto filho de uma garçonete e um engenheiro civil que mal parava em casa encontrou na trajetória dos dias de luta, a glória.

Nesse percurso, o ator adquiriu o gosto pela vida grandiosa. Entre seus gostos extravagantes estavam às compras de imóveis e de projetos arquitetônicos. Contudo, a lista divulgada pelos seus ex-gerentes de negócios engloba um sofá utilizado no set de “Keeping Up With the Kardashians”, 70 guitarras, 45 veículos luxuosos e gastos de aproximadamente 200 mil dólares mensais em viagens particulares, já que Depp se recusa a viajar em transportes que possam estar paparazzi.

Uma de suas extravagâncias que ganhou mais apelo entre o público foi os 30 mil dólares investidos em vinho. Em entrevista para a revista Rolling Stone, recentemente, o ator afirmou que era um gasto bem maior do que ficou conhecido.

Esses fatos contribuíram para os problemas financeiros enfrentados pelo artista que descobriu que suas contas bancárias encontravam-se esvaziadas, o que o levou a processar seus antigos gerentes de negócios, os irmãos Mandel, por negligência, violação de dever fiduciário e fraude. A defesa dos Mandel alega que Depp quebrou contrato com a empresa, enquanto o processo sugere que o artista gasta compulsoriamente 02 milhões de dólares mensais, os quais não existem mais em sua conta bancária.

Para além dessa questão financeiro-judicial, nos últimos meses, a vida de Depp oscila como uma montanha-russa. Surgiram relatos que ele não conseguia lembrar-se de suas falas e precisava escutá-las por meio de fones de ouvido. Algo não muito louvável para quem já não é mais bem quisto pela crítica e o público. Transcendence”, “Diário de Um Jornalista Bêbado”, “O Cavaleiro Solitário”, “Alice no País das Maravilhas”, “O Turista”, “Mortdecai” e, é claro, as continuações de “Piratas do Caribe” são alguns dos projetos que mostram o quanto a imagem do artista está cansada e suas interpretações caricaturais e isto não apenas para o público, mas também para os críticos que o tinham em alta conta devido à carreira estabilizada e papéis bem desenvolvidos do artista.

Relação Fragilizada

Porém, sua relação mais fragilizada é a com o público. Para entender o motivo, é preciso retornar a maio de 2016, quando a vida do artista começou a entrar em colapso. Em maio desse ano, Betty Sue, mãe de Depp, faleceu vítima de câncer terminal. Na noite seguinte, a mídia divulgou imagens de Amber Heard, então sua esposa, com contusões no rosto e a acusação de violência doméstica. Dois dias depois, Heard pediu o divórcio, na véspera do funeral da mãe do ator. Soma-se a isso os boatos de que o uso de drogas e álcool o estavam incapacitando.

O casamento que começou em 2015 veio ao fim em 2016, com acordo de confidencialidade entre ambos e o recebimento de US$ 7 milhões para Amber Heard, dos quais 5 milhões foram doados a um hospital infantil de Los Angeles, Estados Unidos, e os outros 2 milhões para a American Civil Liberties Union, instituição que tem foco no combate à violência contra a mulher.

A acusação de violência doméstica reverberou e a discussão continua firme, especialmente após as denúncias subseqüentes feitas no meio cinematográfico. Movimentos como #MeToo e Time’s Up são importantes para que revelações venham à tona e a discussão se sustente.

Não houve outras acusações contra Depp, mas a de Heard foi suficiente para que o artista fosse rejeitado por boa parte dos fãs quando anunciada sua participação em Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald. Sua presença foi questionada e nem mesmo as respostas de J.K Rowling, que roteiriza a série derivada da franquia Harry Potter, e do diretor David Yates foram suficientes para cessarem os questionamentos que até suscitavam o boicote a produção.

Em vista do ocorrido com outros artistas acusados de violência contra mulheres e crianças no último ano – como Kevin Spacey, Harvey Weinstein, Dustin Hoffman, Ed Westwick, Bill Cosby – que foram afastados de suas atividades, a decisão do estúdio de manter Depp soa estranha e fora de lugar, como apontaram alguns internautas no período. A defesa de J.K Rowling acrescenta a lista de bizarrices de manter-se a escolha. E, por bizarro, implica-se a ideia de se pensar os motivos que o sustentam em um dos papéis de maior destaque da franquia.

Em entrevista a Rolling Stone, Depp afirmou que nunca se pôs como o garoto valentão e nem partiu para machucar alguém, a não ser que esse alguém invadisse seu mundo. Em todo caso, são palavras estranhas para alguém que acredita interpretar constantemente personagens quebrados internamente.

O artista revelou, na mesma entrevista, passar por uma depressão aguda enquanto via sua vida pessoal e financeira descarrilar. Para combatê-la, ele saiu em turnê com sua banda, Hollywood Vampires, e começou a escrever um livro de memórias utilizando uma velha máquina de escrever, como fazia um de seus ídolos, o jornalista Hunter Thompson.


Futuro no Cinema?

É difícil prever os próximos passos da carreira do artista, embora o modo de vida que ele adotou nos últimos tempos indique um pouco. Seu método de continuará a funcionar no futuro? Provavelmente. Já que ele possui um projeto anunciado e três produções a serem lançadas até o final do ano, além da participação em Animais Fantásticos, que tem certo mais três filmes pelos próximos anos. Mas será que o ator continuará tão bom e encantador quanto se mostrou em Edward Mãos de Tesoura, Willy Wonka, Sweeney Todd? Esse já é um questionamento mais difícil de responder, já que o encanto se foi juntamente com seu casamento com Heard.

Depp precisa compreender que há coisas que faziam efeito e eram charmosas no início de sua carreira, mas, que, na atualidade soam bizarras, perturbadoras e deslocadas. Isso se aplica não apenas a escolha de seus projetos, mas ao modo de vida que o ator de 55 anos tem tomado para si. Sua juventude não pode retornar, nem a despreocupação juvenil a qual se pode atribuir um pouco da responsabilidade de sua falência.

Os dias de glória do parceiro de Tim Burton se transformaram em falência, isolamento e um banimento auto imposto de sua indústria.