O cinema não precisa ser algo para poucos, e não precisa ser produzido por homens engravatados e de classes altas da sociedade. Junior Rodrigues pensa dessa forma, e vem se dedicando desde 1999 a levar o cinema para muitos lugares, de preferência aqueles que tiveram pouco, ou nenhum contato direto com a sétima arte.

O líder da Amacine exerceu um papel fundamental para que se discuta e produza mais cinema no Amazonas na última década, seja com as várias edições de suas oficinas de cinema, que muitas vezes representam o ponto de partida para muitas pessoas começarem a se interessar em produção audiovisual, ou com os festivais Um Amazonas e Curta 4. Junior também produziu diversos filmes na carreira, ganhando prêmios, inclusive no Amazonas Film Festival.

O nome de Junior Rodrigues também está envolvido em polêmicas. De um tempo pra cá, ele encabeça um grupo que faz duras críticas ao Secretário de Cultura do Estado, Robério Braga, criando a campanha Fora Robério, que ganha grandes proporções nas redes sociais, e em protestos espalhados pela cidade.

Além disso, pessoas já criticaram abertamente os festivais organizados por Junior, alegando que nessas mostras são exibidos trabalhos de baixa qualidade, sem grande preocupação com a linguagem e estética cinematográfica.

Polêmicas a parte, Junior Rodrigues é um nome fundamental para se entender a ascensão vivida pelo cinema local na última década. Em uma conversa ele mostrou-se bastante a vontade para comentar sobre todos esses assuntos, sem fugir de nenhuma polêmica, além de tratar sobre temas relevantes como o curso de cinema da UEA, o momento do cinema local, o sucesso de Sérgio Andrade, Amazonas Film Festival, e o que se pode esperar das nossas produções nos próximos anos.

Diego Bauer – Como começou o seu interesse por cinema?

Júnior Rodrigues – Eu fazia cinema desde quando eu tinha 15 anos. Eu fui passar umas férias em Barcelos e acabei encontrando uma equipe alemã que tava fazendo um longa-metragem, na qual a minha irmã era a atriz principal.

Bauer – Desculpe a pergunta, quantos anos você tem?

Rodrigues – Eu tenho 45. Quando eu vi essa equipe, eu não me interessei nenhum pouco por isso, eu fui lá pra ver a minha irmã que tava num set de filmagem. E o cara me vendo, me chamou pra ajudar na equipe dos caras, pra ser o assistente de produção. Tava sem grana, fui lá e acabei topando a parada. Só que quando eu perguntei como era a história do filme, era a história mais babaca que eu tinha ouvido sobre um filme na minha vida. Então eu sugeri pro cara que ele fizesse um filme que falasse das coisas da Amazônia, que aqui tinha história interessante e tal. E na época eu tinha uma vontade danada de ser escritor. Já tinha escrito um livro, que é uma cópia bem usurpadora da ideia do Meu Pé de Laranja Lima. Entreguei isso pra esse cara, e contei um pouco das histórias da Amazônia pra esse austríaco lá, e esse cara se interessou por isso.Depois fui fazendo um filme após o outro com esse cara, até virar o assistente de direção.

Bauer – Mas nesses filmes qual era a sua função?

Rodrigues – Eu acabei fazendo tudo. No segundo filme eu fui ator. Odiei. Falei que não era a minha praia. Mas como o salário era muito vantajoso, acabei topando pelo salário. Ator mercenário mesmo. Depois, em um próximo filme eu deixei claro que não queria ser ator, aí veio o próximo filme, onde eu acabei fazendo a parte de direção de produção. Depois veio um próximo filme e eu fui ser o assistente de direção. Aí sim começou um processo de formação, porque como assistente de direção, eu tinha que olhar mais pro filme como um todo, tinha que ver fotografia, enquadramento e tal. E foi quando eu comecei a me aproximar muito da câmera, me aproximei muito da coisa da direção. E fui fazendo essa escola na prática sem nunca ter pensado na vida em ser cineasta.O start da minha carreira mesmo foi em 1995 quando a gente foi fazer um filme na África.

Bauer – Como foi que surgiu isso?

Rodrigues – Eu já era o assistente de direção desse cara, e ele trabalhava com uma equipe muito reduzida, e eu era muito bom pra acumular funções. Então eu acumulava as funções do filme, de continuísta, diretor de produção, às vezes assistente de produção, às vezes de direção de arte, e nessa brincadeira eu acabava passando por todos os estágios dentro das funções de um filme.

Aí, nesse filme da África eu descobri que era possível pela primeira vez, fazer cinema com pessoas que nunca fizeram filmes, pessoas que pela primeira vez na vida tinha ouvido falar de uma equipe de filmagem, de uma câmera. E todas as filmagens eram acompanhadas por 300, 400 pessoas, porque era um evento na ilha.

Bauer – Foi onde isso?

Rodrigues – Foi em São Tomé e Príncipe. Aí, bicho, aquela coisa de filmar com muita gente, tinha que ter uma voz de comando, e como assistente de direção cabia a mim fazer essa coisa. Então a gente se comunicava muito bem com a plateia. Eu falava que era um cinema ao vivo (risos). Aí eu pensei, os caras nunca viram cinema, como plateia, nem como fazer cinema, e isso aqui tá sendo uma experiência muito certa. Aí no final do filme, e aí sim esse foi o grande divisor de águas da minha carreira, eu descobri, antes de qualquer pessoa da equipe, que o nosso ator principal era analfabeto. O cara não sabia ler, tinha um monte de texto pra ele falar. Ninguém do elenco, eram 8 atores, avisou que ele era analfabeto. E o cara foi, foi, foi, foi, e quando chegou próximo de acabar a filmagem, sem querer eu descobri. E aquilo me motivou muito, porque caramba, um cara que não sabia nem ler conseguindo fazer um estágio de interpretação tão perfeito, que aquilo saltou aos olhos.

Bauer – Você já morava em Manaus?

Rodrigues – Não. Eu morava em São Paulo. Em 97 filmamos aqui na Amazônia e em São Paulo de novo, e em 99 a gente voltou pra cá e pra São Paulo pra fazer um outro filme chamado Bad Boy. Foi quando eu fui fazer um contato com a moçada do cinema daqui. Só que pra minha surpresa, nós já entrando no século 21, o Amazonas não tinha nenhum movimento de formação, ou nenhuma tentativa realmente consistente de formação de cineastas, nós não tínhamos cineastas. Aí voltei no tempo, voltei pra quando eu tinha 15 anos, e vi que aqui eram cometidas as maiores distorções do mundo, porque todo mundo vinha aqui fazer uma imagem de fora pra dentro, contava as suas impressões da Amazônia, e a gente era conhecido em todo o mundo como índios, onça, jacaré… que era como as pessoas entendiam a Amazônia. Nessa perspectiva jungle. Na sequência veio Anaconda pra piorar de vez, e todas as imagens que se fazia da Amazônia, era uma imagem altamente perigosa, desconhecida, e eu acho que aquilo não tinha nada a ver porque no fundo nós éramos pessoas intelectualizadas, nós tínhamos capacidade de fazer cinema, tínhamos ideias, conteúdos. Eu decidir vir embora de São Paulo, e montar aqui um movimento de cinema. Esse movimento de cinema nasceu no dia 4 de abril, na semana de comunicação da UA, agora Ufam, e lá a gente falou pra uma plateia que tinha Denílson Novo, Marquinhos Tupinambá e outras pessoas, que a gente tava começando um movimento de cinema, onde a gente ia formar 10 cineastas em 10 anos. Claro que se passaram, nesses anos todos, e essa meta foi pro saco, porque a gente acabou entregando pro Estado, nos dez anos do processo de formação, muito mais que 10. Com todas as dificuldades, falta de apoio, falta de investimento, naquela que é a cultura mais cara do mundo, a gente conseguiu entregar nesses 10 anos mais de 50 pessoas pro audiovisual local, pessoas que continuam no audiovisual local, pessoas que estão no audiovisual local, já construíram carreira, e a gente a cada ano que passa vai descobrindo e descobrindo mais talentos.

O projeto deu super certo, mas a gente sempre volta lá no início, quando a gente começou o movimento, onde a gente acreditou que esse movimento só seria possível se a gente fosse nas três vertentes ao mesmo tempo. Na de formação, com as oficinas de cinema, na de produção, criando a possibilidade de se produzir esses filmes baratos, sem grana, e na divulgação desses trabalhos. E a gente conseguiu no final dos dez anos fazer um evento, chamado 10-10-2010, que a gente conseguiu passar dez horas de cinema, e que tinha muito mais. E isso deixou uma marca no cinema amazonense, deixou uma motivação pras próximas gerações.

Bauer – Você tem formação teórica de cinema, ou aprendeu acompanhando essa equipe?

Rodrigues – Tenho. Na verdade, a minha viagem era ser roteirista. Eu tinha essa vontade, fiquei muito amigo de um cara chamado Jean-Claude Bernardet, que é o grande professor do cinema brasileiro, que ele era o cara da USP, é o cara que ensinou toda essa moçada que está aí, e eu tive o prazer de trabalhar com ele como ator principal em um longa, e ficamos muito amigos, amigos mesmo. E quando eu fui pra São Paulo, eu fui com essa ideia de também procurar me especializar em roteiro. Fiquei com o Jean em uma convivência de meses, e absorvi dele todo esse conceito, de como é um roteiro. E o Jean foi o grande mentor dessa formação. Passado um tempo, eu já sabia realmente, já tinha entendido o que é um roteiro, tava muito preparado pra fazer um roteiro de cinema, porque eu achava que ia escrever os roteiros, ia vender, e ia ganhar meu dinheiro fazendo roteiros, depois faria livros e assim sucessivamente. Quando eu terminei meu processo de formação com o Jean, eu tinha lido todos os livros de roteiro, tinha dado vários roteiros pra ele testar, pra ele aprimorar, e a gente trabalhou em cima de um roteiro que eu fui construindo passo a passo. Até o dia que ele falou a sua última impressão, tipo, pronto, você já está preparado, e era muito diferente do que ele falou da primeira vez (risos), que ele falou que aquilo lembrava um roteiro (risos).

Bauer – Você tem ideia pra quantos lugares já foi dando oficinas de cinema?

Rodrigues – A gente já foi pra mais de 50 lugares. Já estivemos na Venezuela, já estivemos no Uruguai, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rondônia. Aqui no Amazonas já fomos pra 20 municípios, sem contar as comunidades, e nos bairros que a gente já fez o projeto. Já fizemos projetos com jovens infratores, com o grupo da terceira idade, com crianças. Dentro dessa coisa de oficina, quando eu estive em Porto Velho eu experimentei todos os tipos de público, desde crianças, de 3 anos em diante, até idosos que estudavam numa escola de alfabetização.

Bauer – Quantas pessoas já fizeram o curso?

Rodrigues – Já fizemos oficinas para mais de 4500 pessoas. A gente já foi pra 20 municípios do estado, já chegou a 33% dos municípios do estado do Amazonas, e a meta é até 2020 ir pra todos os municípios do Amazonas, sem exceção. Estamos começando um organograma pra que isso aconteça mesmo. Em 10 anos nós fomos a 20, nos próximos 10 anos a gente vai chegar aos outros 42. Isso é uma tentativa, não de fazer do cinema uma coisa popular, mas aproveitar esse gancho que o processo digital tá entregando na mão de todo mundo, e fazer que isso vire uma ferramenta. E a gente, nesse processo de formação, se orgulha muito, porque a gente acabou formando as cadeias. A gente formou o Yure César, que hoje tem uma produtora, foi aluno, muita gente que tá no processo das televisões, Anderson Mendes foi aluno, Cristiane Garcia foi aluna. Essa moçada que tá fazendo cinema, todos eles sentaram pra assistir uma oficina, talvez não pra aprender, mas talvez essa oficina serviu de motivação, e o cara encarou aquilo como uma possibilidade, foi buscando a erudição, e chegou onde quis chegar. Os caras perguntam se eu me acho responsável por isso, eu costumo responder o seguinte: eu não sou professor. Nem gosto que me chame de professor. Eu sou um canalizador de energia, faço por onde tu usar as tuas aptidões, o que tu quer fazer virar realidade. Eu faço o que tu quer sair do papel. Essa é só a minha função, te motivar, dizer, olha tu é capaz, tu pode fazer. Sempre voltando na África, se um analfabeto, que decorava 70% dos textos de um roteiro de um longa conseguiu, qualquer pessoa consegue.

Bauer – Quantos filmes você já dirigiu?

Rodrigues – Não dá pra saber não (risos). Porque no final das contas, nos filmes da oficina você acaba dando um pouco de direção, mas meus mesmo são 14.

Bauer – Qual desses você mais gostou de fazer?

Rodrigues – Um dia desses fui provocado pra fazer um filme pra uma campanha sobre violência contra a mulher, e tinha que ser uma reportagem.

Bauer – Então era um trabalho de não-ficção?

Rodrigues – Não-ficção. O filme era uma reportagem. Mas eu fiz uma ficção parecer uma reportagem. Essa era o meu desafio. Contratar as atrizes pra que quando o cara acabar de assistir, ele assistisse uma reportagem com uma estética bacana, com um tratamento sensacional, e que o público achasse que aquilo realmente era uma reportagem. Então esse filme, chamado O Amor que Mata,é o filme que eu tô mais curtindo agora, mas eu já curti outros, o Uainá é um filme com uma estética muito bacana, uma parceria com o Yure César, que deu pro filme um atrativo incrível, aquelas imagens são sensacionais. O Validade por conta da construção que foi feita. E tem filmes meus que eu acho muito ruins.

Bauer – Quais?

Rodrigues – Eu não gosto de como a gente… como era ruim a gente não ter recurso pra ter feito o Curupira. A história era muito linda, mas a gente não tinha recurso pra fazer o filme, e fizemos assim mesmo. O Bem mal também, é muito mal filmado, nesse a gente também não tinha recurso pra fazer. O Pobredor eu já gosto. Que são os filmes que eu acho que a moçada mais gosta, que é o Deprê de Pobrê, que talvez gostem pela história.

Bauer – Muito se fala sobre uma baixa qualidade dos trabalhos exibidos no Um Amazonas e no Curta 4. Você acha que isso deve ser um ponto levado em consideração?

Rodrigues – Quando você vai fazer uma faculdade de cinema em São Paulo, a primeira preocupação dos caras é a escola que tu vai seguir. Você define uma escola, francesa, inglesa, norte-americana, etc e vai atrás disso. Eu tenho total responsabilidade e conhecimento de que isso é uma metodologia. Quando a gente começou o movimento, eu não posso falar de metodologia se eu não tenho recurso. Seria patético, ridículo, jogar com essa possibilidade. Lá em baixo os caras tinham equipamento, e aqui a gente não tinha porcaria nenhuma. Lá em baixo os caras tem investidores, e aqui a gente não tem porcaria nenhuma. Então, pra que se preocupar com isso se a gente tem história pra contar? Se você assistiu A Bruxa de Blair, se você assistiu esses filmes insuportáveis que falam sobre sobrenatural, feitos com câmeras ruins, por que não assistir um filme amazonense? Com uma ideia completamente nova, mas feito por atores bacanas, e com uma estética diversificada? É pra se criticar o festival, porque vale a pena os diretores saberem disso, porque são coisas deles, não minha, eu não tenho filme no Curta 4, não tenho filme no Um Amazonas, eu só canalizo a energia. É de se criticar os diretores porque eles precisam entender de estética, acho isso bacana. Mas precisa se compreender o festival. A primeira coisa que a gente tem que compreender é que o cinema amazonense tem 12 anos, é uma criança, um cinema novo. Outra coisa, há anos atrás, nós começamos um movimento de cinema digital aqui, o Um Amazonas é um caça-talentos, tanto é que tem uma categoria dentro do Um Amazonas chamado Um Fora da Lei, que assume que o filme é ruim (risos), é o primeiro festival que assume que os filmes também são ruins, mas que tem que ser exibidos. E aí dá um prêmio, e o valor do prêmio é o mesmo valor do cara que ganhou outra categoria. Então, o Um Amazonas tem que ser entendido como um caça-talentos. Pode se criticar a estética, mas não pode se criticar a filosofia do festival.

No Curta 4 já se tem uma preocupação. Aí sim a gente quer entregar o melhor ator, melhor atriz, melhor filme, melhor diretor, roteiro, fotografia… aí sim a gente tem preocupação. Aí você nota que no Curta 4, não tem tanta despreocupação estética, porque senão o cara não disputa a categoria. Eu não tenho medo que as pessoas falem isso, isso serve pros diretores, pra eles irem vendo em que ponto ele está. Eu já vi diretor que fez um filme péssimo no Curta 4, e que no ano passado ganhou como melhor filme, eu já vi cara que foi criticado porque a fotografia do filme dele era uma porcaria, e no ano passado ganhou melhor fotografia, eu já vi atrizes que fizeram filmes muito ruins, e que também já viraram melhores atrizes. Então, o cinema amazonense, quer queira quer não aceita críticas, mas informa que tá num processo de formação.

Diego BauerHá algum tempo você vem criticando abertamente o Secretário de Cultura do Estado, Robério Braga. Você acredita que isso, de alguma forma, prejudicou a sua carreira, e te atrapalhou em algum projeto?

Júnior Rodrigues – Jamais. O Robério nunca compareceu, nunca se envolveu de uma forma séria, comprometida, com o cinema amazonense. Promessas que foram feitas e nunca foram cumpridas. Abriu a boca, falou demais, nunca cumpriu. Faculdade, demorou três finais de festivais do Amazonas Film Festival, pra se tornar um curso de produção audiovisual, que é feito numa faculdade de medicina. Isso é patético, é ridículo. A Casa do Cinema nunca foi o núcleo do cinema, onde o Governo Federal deixou de entregar todos os equipamentos pra Casa do Cinema, porque simplesmente a equipe do Robério não construiu o projeto técnico. Nós perdemos o nosso núcleo de cinema pro Acre, por falta de um comprometimento, era só uma questão de papel. Não tá nem aí. Há quatro anos a Casa do Cinema não recebe equipamentos. Os festivais de um minuto, durante vários anos não teve nenhum investimento da secretaria de cultura. Isso é ruim, porque é um processo de formação. O Curta 4, em 8 edições nunca teve nenhum investimento do senhor Robério Braga. O concurso do Proarte, desde a sua primeira edição, nunca teve um reajuste no valor, apesar de terem se passado quatro edições, os valores são sempre os mesmos. O conselho estadual de cultura, a última eleição foi em agosto, e tá faltando compor o quadro, tem que se falar que o conselho é quem faz a política cultural, e não há nenhum interesse da secretaria de cultura desde agosto, há nove meses atrás, de compor diretamente esse conselho. Investimento no cinema do interior, do Robério, é quase zero. Ele não apoiou nenhuma oficina. As oficinas foram bancadas pelas prefeituras. O grande produto audiovisual do Amazonas Film Festival não teve apoio do governo. O Amazonas Film Festival é um desfile gastronômico, é um desfile no tapete vermelho ridículo, porque eu não posso promover celebridades, eu tenho que criar as celebridades amazonenses. Esse festival não é pra estar trazendo pessoas, é pra mostrar o que nós estamos produzindo aqui. Fazemos um Amazonas Film Festival em que a exibição do cinema amazonense é mínima dentro do festival. Num ano que a gente inscreveu 80 filmes, só foram exibidos 10. Num ano que inscrevemos 70, só foram exibidos 11. Ano passado, teve que ser feito uma briga pra que aumentasse a quantidade de dias do amazonas dentro do festival, porque se os caras não fossem lá de novo ia ser só um dia de exibição dos filmes amazonenses, com uma quantidade de filmes mínima.

Então, se nós estamos trabalhando uma indústria audiovisual pra 4500 pessoas, 20 municípios, chegando a entregar mais de 400 pessoas que trabalham no audiovisual, frutos dessas oficinas de cinema, se nós temos festivais de cinema pra serem feitos, se nós temos o Ita filmes em Itacoatiara, Parintins Cine Fest, Açaí com Tapioca em Codajás, e o Cinema Polivense em São Paulo de Olivença, meu Deus, por que não investir no cinema amazonense? Que é pulsante, que é grandioso. Por que tratar o cinema amazonense com essa indiferença? Se é uma arte que a gente pode envolver e divulgar a Amazônia infinitamente? Chegar a todos os países, desfazer essa má interpretação de que aqui é um estado jungle. Por que não investir nisso? Por que temos que gastar em 3 eventos: ópera, Amazonas Film Festival e Alto de Natal, 20 milhões de reais por ano? O que é isso? Pra que isso? Em 17 edições da ópera o Robério já gastou 120 milhões de reais. Aí fica a pergunta. Cadê a nossa grande ópera amazonense? Cadê os nossos profissionais? As pessoas que se envolveram com ópera no Amazonas, todas elas tão indo pra fora, elas não estão ficando aqui. Então pra que continuar investindo em um projeto que é uma barca furada? Já que não está dando nenhum retorno em termo culturalpro estado. Pra que fazer um Alto de Natal, e gastar 6 milhões e 500 mil reais em duas horas de espetáculo, trazendo um cara da Disney se eu posso pegar profissionais de Parintins, onde estão os maiores profissionais, onde se exporta inúmeros talentos criativos pro Brasil inteiro. Por que que eu tenho que trazer um cara da Disney? Pela não valorização do artista amazonense, da arte amazonense é que a gente encabeçou a campanha. Isso não é uma campanha pelo audiovisual, isso é uma campanha por um todo. É patético o Robério falar numa reunião com os grupos folclóricos que em 4 anos de Proarte só um projeto foi apoiado pelo governo do estado. Um. E ele acha bacana falar isso. É patético ouvir o Robério falar que em 4 anos do projeto de música do Proarte, ele lançou 3 CDs por ano. Isso é patético, cara. Não existe isso. O Amazonas em termo de música ele é um gigante. A música de São Gabriel da Cachoeira, que é uma música altamente indígena, a música de Parintins, que é altamente toada, a música de São Paulo de Olivença. São infinitas possibilidades musicais e a gente não explora. De quem é a responsabilidade de fazer isso? É do governo do estado. É da secretaria de cultura. Por que o nosso teatro não sai de Manaus? Por que o nosso teatro não faz uma excursão fora? Por que eu tenho que estar lá no Sesi em São Paulo assistindo uma peça de temática indígena de uma tribo amazônica feita por pessoas do nordeste? Por que que não vamos nós daqui pra lá, caramba? Todo ano abre-se pauta, a gente não sabe porque o Amazonas não sai daqui. Por que que o nosso teatro, que é forte, que tem substâncias culturais, por que que nós não transpomos? Então, o estado tá amarrado por conta de um cara que concentra um gasto de grana sem consultar o conselho, porque eu se fosse conselheiro jamais iria aceitar que se gaste 20 milhões em 3 projetos. Vamos ter que distribuir esse recurso da cultura de uma forma ampla, geral, plural, vamos fazer a cultura amazonense, que é o terceiro maior orçamento de cultura do Brasil, só perdemos pro Rio de Janeiro e São Paulo. Nós batemos a Bahia! Se você for na Bahia você inúmeras manifestações, se for em Pernambuco, minha nossa, é uma explosão de cultura nordestina, mas por que que nós, que temos o terceiro maior orçamento temos que estar investindo em coisas que não são nossas? Por que nós temos que investir em Jazz? Por que temos que investir em ópera? Quer investir, tudo bem, mas vamos equacionar esses custos pra que eu também divulgue, valorize, apoie a cultura amazonense.

BauerA sua postura muitas vezes assume um tom bastante agressivo nesse assunto. Você não acha que isso afasta artistas que, mesmo concordando com as suas reivindicações, preferem não ser associados a esse tipo de atitude?

Rodrigues – Eu acho isso uma coisa bem bacana de falar. Primeiro, isso não é uma ideia minha. Isso tem que ficar bem claro, que esse movimento tem n artistas envolvidos, artistas que já se declararam a favor do movimento. Depois, isso não é o movimento do Junior Rodrigues, esse é o movimento da cultura. Eu não tenho centros culturais nos bairros. Quando se acha que esse é um movimento do Junior Rodrigues, é porque a forma que eu falo do movimento é uma forma dura, porque nós já tentamos conversar com o secretário de cultura. Nós já entregamos uma proposta em 2006. Já conversamos com ele em 2010. Nós fizemos uma trégua de 2006 até 2012, porque a secretaria de cultura fez n promessas que a gente não viu serem cumpridas. Nós não temos um núcleo digital, cara. Nós não temos investimento no cinema local, cara. Nós não temos investimento na cultura como um todo. Não é um movimento meu contra o Robério, mas a forma que eu, artista, Junior Rodrigues, que entendo a cultura de uma forma plural, trato isso, porque negociações não se tem. O Robério não recebe artista. Se nós fizermos uma comissão pra falar com o Robério, ele não recebe. Pautas, pra conversar com o Robério, a gente tentou várias, ele não recebe você. Então, a gente tentou. Fomos elegantes nesses 6 anos, mandamos propostas, mandamos projetos, conversamos, sentamos com a chefe de gabinete, mostramos, falamos, exploramos, dissemos. Nunca fomos chamados pra eles darem um parecer sobre o resultado disso. N ofícios que chegam na secretaria de cultura, nunca tem nem uma resposta. Eles não ligam pra dizer não pra você.

Não é que a gente perdeu a ternura. Não. A gente já se cansou do desprezo. Nós estamos cansados de não ouvirmos, de não ter eco as nossas reivindicações. Nós estamos cansados de ser tratados com o maior desprezo do mundo. Se as pessoas não querem encarar isso com a seriedade que é, se não querem falar com essa forma dura e agressiva que a gente fala, não tem importância. Mas fale de alguma forma. Por exemplo, o Mobiliza Cultura. Isso não era só pra ser da prefeitura. Isso era um Mobiliza Cultura do Estado, porque o Estado não está fazendo a parte dele. A prefeitura capengamente está fazendo, mas o Estado não está fazendo. Primeiro, mudou completamente a direção da política daqui, em quatro meses não dá pra avaliar. O Márcio Souza assumiu a presidência do conselho, e já está, na semana que vem, com todos os conselheiros eleitos. Isso é um indicativo de que está se pensando em trabalhar a cultura no município. Por que que isso não acontece no Estado? Fazer o Mobiliza Cultura pra pegar o lado positivo, e ver com que o Estado veja isso. Então, o Junior Rodrigues já cansou de ser terno, de usar ternura, porque não funcionou.

BauerDe que forma você acha que o curso superior audiovisual pode melhorar o cenário local?

Rodrigues – Convivendo com o Jean-Claude Bernardet durante 10 anos, ele descobriu o que seria um curso de cinema, como é que tem que ser feito um curso de cinema. Quando eu chamo 40 meninos pra ensinar pra eles produção audiovisual, porque não é um curso de cinema, é um curso de produção audiovisual, que pode ser qualquer coisa, se é audiovisual. E meto eles numa faculdade de medicina, e trate eles como módulo, é muito perigoso. Eu tinha falado pra esses caras, que pra se fazer um curso superior aqui a gente teria que investir 5 milhões de reais de cara. Eu não vejo na UEA esse potencial, sinto muito. Acho que a UEA não tem esse interesse. Equipamentos são caros, laboratórios são caros, e a gente mede por um outro curso de artes que tem lá, que é o de teatro. Que até hoje não foi construído um teatro universitário pros meninos que estão estudando teatro fazerem a sua formação. Esse curso é, no mínimo, suspeito. Parece que é um arrumadinho pra se cumprir uma meia promessa do que se falou. Porque ele vai ser feito em 5 períodos. E em 5 períodos, cara, eu acho pouco demais pra dizer que no final das contas esses caras estão formados. Eu não vi nenhum laboratório, nem projeto de laboratório. Eles estão tratando os caras num banho maria, porque eles não tem nenhum laboratório montado, não foi comprado nenhum equipamento. E o que é pior, ano que vem não vai ter turma de produção audiovisual. Não vai ter vestibular pra produção audiovisual. Esse é um projeto experimental malfadado a desestimular pessoas a fazerem audiovisual no estado. Eles não vão achar as respostas que eles querem, eles não vão resolver os problemas técnicos que eles tem que resolver, eles não vão conseguir ter o suporte que eles vão precisar. Eles vão passar por uma formação teórica muito boa, mas na hora da prática, infelizmente vai faltar investimento.

BauerO Sérgio Andrade é, atualmente, o nome do cinema amazonense de maior destaque nacional e internacional. Você acredita que esse sucesso pode abrir espaço pra que outras produções locais alcancem reconhecimento semelhante?

Rodrigues – O filme do Sérgio Andrade era tudo o que a gente precisava. O Sérgio, pode-se dizer, é o diretor de maior sorte do mundo. Começou a fazer filmes em 2009, quando ele dirigiu o filme do Emerson Medina. De lá pra cá, numa carreira meteórica o cara foi aprovando um projeto atrás do outro e foi fazendo a formação dele. Claro que vai se dever ao Sérgio toda a entrada do cinema amazonense no mercado internacional. O Sérgio, pela sua formação em publicidade, ele ajudou imensamente o futuro do cinema amazonense. É uma pessoa que eu vou agradecer pelo resto da vida por ter feito isso que ele fez, de levar o filme dele pra vários lugares. O próximo longa amazonense, e visa a profecia que o primeiro Oscar do Brasil vai ser de um filme amazonense, vai encontrar o mercado aberto pro cinema amazonense, e isso vai se dever ao Sérgio Andrade, que já tinha que ter ganho uma placa: o amigo do cinema amazonense. Acho isso muito bacana, isso vai ajudar demais a promover o cinema amazonense, ele já aprovou outro projeto, com certeza vai ser outro banho de divulgação da Amazônia lá pra fora. Eu admiro muito o cara, acho o cara sensacional (risos).

BauerDos nomes promissores do cinema amazonense, quem você destaca?

Rodrigues – Não posso deixar de fora o Rafael Ramos de fora. O moleque já me incomodou com o Fátima, ele inventou uma estética que me chamou muito a atenção, eu adoro isso. Primeiro porque todo mundo quer fazer o cinema na escola que busca, e o Rafael não quer seguir uma escola porcaria nenhuma (risos), e eu acho isso muito bacana. Eu sinto falta do cinema do Zeudi Souza, porque é um cara que tem talento, ele faz poucos filmes, filma pouco, precisaria fazer mais pra ir aprimorando. O Rafael fazendo um curta, dois curtas por ano tá num caminho certo. É isso que tem que ser feito. Pessoas que a gente achou que ia continuar fazendo cinema, mas mudou completamente o foco foi a Keila Serruya, que ela foi pro foco de um cinema mais experimental, tem talento. Dheik Praia é um nome que precisa se pensar muito pro cinema amazonense, pode produzir bons frutos. Precisa melhorar um pouco essa questão de conjunto, ela sabe as partes, mas na hora de agregar tá faltando uma liga. Acho que a gente perdeu duas pessoas no cinema aqui, que foi o Alan Gomes, que também tinha grandes ideias, venceu o Festival de Um Minuto mas parou, deveria ter dado um tempo a mais. Tem os artistas de fora. Concy Rodrigues, que se tivesse investimento estaria fazendo coisas sensacionais, Doug Henrique, também de Parintins, se tivesse investimento taria fazendo coisas sensacionais, Rai Santos, de Parintins. Em Itacoatiara a gente tá tentando pescar o Bosco Borges, que teria como fazer uma coisa muito bacana. E a gente sabe que tá vindo uma moçada muito nova, tipo Vander Luís, que tá começando a construir um cinema diferente, e a gente tem sentido nesses caras uma forma de conversar o cinema. Eu não gostei quando o Luís Carlos Martins parou, ele deveria ter feito mais.Eu adoro, sou fã, fã, do cinema da Cristiane Garcia, fã mesmo. Essa menina tem uns filmes sensacionais, muito bem gravados, estética incrível. A gente espera que em 2015 já dê pra comemorar mais uns 4 longas amazonenses. A gente sabe que vão vir longas por aí, eu mesmo, até 2015, quero ter filmado 2 longas, o primeiro pra comemorar meus 30 anos em novembro, e um segundo pra ser realmente mais bem elaborado. Está se abrindo a possibilidade de investimento no cinema amazonense, e essa possibilidade de investimento vai jogar pro alto um monte de coisas novas.

BauerQuem é o seu maior ídolo no cinema?

Rodrigues – Não tenho. Se pudesse fazer, ele seria uma coisa meio Frankenstein (risos). Pegaria as qualidade de cada cineasta que gosto e colocaria numa pessoa só. Teria o suspense do Hitchcock, o olhar único do Spielberg, e a megalomania do James Cameron.

BauerQuais os projetos pro futuro?

Rodrigues – A gente tá com uma série de web. Acho bacana fazer isso. A série se chama Cabocão.com, que vai contar a saga de um cabocão apaixonado (risos). A gente tá pensando no primeiro longa, que vai se chamar Mendigos Intelectuais, são 5 parceiros que moram no coreto da praça da prefeitura, mas por uma questão de reforma da praça são expulsos, e resolvem se unirdepois de serem jogados fora pra criar uma sociedade dos vagabundos. Vai ser uma comédia lavada, e eu pretendo filmar em 2, 3 semanas, filmando em julho, agosto pra lançar em novembro.

Foto: Mônica Dias/G1