“Justiça Cega”, filme de DJ Mellody que foi exibido na 2ª Mostra do Cinema Amazonense, propõe uma crítica social na medida em que apresenta o jovem José, preso injustamente pelo estupro de uma criança. Percebe-se no média-metragem de pouco mais de 30 minutos uma boa intenção de destrinchar o assunto já a partir da ironia do título, embora a execução mostre alguns problemas.

O tom documental que o filme parece querer abraçar já a partir do primeiro intertítulo que surge na tela, explicando que os erros de justiça fazem parte do cotidiano da periferia, apoia-se basicamente no recurso da câmera na mão, de foco e movimento instáveis. A montagem, no entanto, equilibra-se entre o estilo “Law & Order” e o de produções mais tradicionais em formato, como novelas. Isso acaba prejudicando o peso que o roteiro, também de DJ Mellody, traz.

Da mesma maneira, a música incessante acaba diminuindo, ao invés de intensificar, o tom dramático de várias cenas. O rapto da pequena Thaynara ou o estupro de José na cadeia são dois pontos principais à trama que se prejudicam nesse processo. No geral, a busca por essa superintensificação é o ponto negativo numa história em que menos é mais, já que os fatos delineados no roteiro já são, por si só, impactantes.

Vemos, por exemplo, a pequena vítima sendo mandada para a escola em um cenário de abandono do poder público numa periferia da cidade, para depois ser levada por um homem cujo rosto não vemos na cena. Só isso já dá uma noção de perigo e crime, tornando acessórios desnecessários tanto a música como a escolha de mostrar esse homem jogando a boneca para fora do carro, como que demarcando, numa metáfora desajeitada, o fim daquela infância.

O tratamento dos temas transversais também deixa a desejar, em parte, por serem talvez complexos demais para caberem a contento em 30 minutos. Tem-se no média-metragem: abuso sexual de crianças, abuso policial, estupro no ambiente carcerário e suas consequências, e, claro, o tal conceito de justiça cega.

Esta última, por sinal, é problemática na medida em que o vilão da trama, um policial obcecado em ameaçar e prejudicar José a todo custo, é extremamente caricato, eclipsando o impacto de um detalhe importante: o estopim para a injustiça cometida contra José parte, primeiramente, de sua própria comunidade. Perde-se, assim, a chance de destacar como um sistema de privilégios e penalidades baseado em condição social prejudica também a moral dos menos favorecidos, e não apenas o seu ambiente.

Dentre os pontos positivos de “Justiça cega”, ver mais da periferia numa produção audiovisual amazonense é digno de nota, ainda que sob uma perspectiva negativa dentro da pluralidade desse universo, o que ainda assim dá frescor ao conjunto de produções obcecadas com o Largo de São Sebastião e a área da Vila de Paricatuba. De maneira geral, é louvável em “Justiça cega” a tentativa de abordar temas sérios e relevantes, ainda que o produto final fique aquém do esperado.