Pode parecer incrível, mas em 1972, nas reuniões de casting para O Poderoso Chefão, os executivos da Paramount vetaram Al Pacino. Ele até poderia fazer uma das dezenas de coadjuvantes, mas nunca um membro importante da família, quanto mais o principal, Michael Corleone. E tudo isso por uma razão simples (e, vá lá, compreensível): àquela altura, Al Pacino não era ninguém.

Mas acontece que Francis Ford Coppola, o diretor, tinha ideias bem específicas para o filme, e uma disposição feroz para levá-las a cabo. Tendo escolhido minuciosamente cada ator do elenco, cada elemento da produção, tendo adaptado ele mesmo o livro que deu origem ao filme (em parceria com o autor Mario Puzo) e sendo, afinal de contas, o diretor, Coppola brigou, esperneou e demitiu, mas manteve Al Pacino no papel.

Era uma aposta arriscada. Embora o sistema dos grandes estúdios estivesse em franco colapso, produções caras e formulaicas no velho estilo ainda levavam os maiores públicos, e era um filme do tipo que a Paramount tinha em mente quando contratou o jovem diretor para rodar a adaptação do livro, que ficava cada vez mais popular. A proposta inicial era ter um galã hollywoodiano no papel de Michael Corleone, mudar a época da trama para os anos 70, para que a filmagem saísse mais barata, e trazer um diretor novato, cuja função básica seria se submeter. Com teimosia resoluta, porém, Coppola impôs cada uma de suas vontades. Entre elas, Pacino.

Nervoso e inseguro, no início (ele chegou a declarar para a imprensa na época: “sei que não sou desejado aqui”), a nova revelação do Actor’s Studio, porém, tinha a plena confiança de seu diretor, e fez o que sabia fazer. Hoje em dia, é fácil exaltar Al Pacino como um ator magistral, que eleva o nível de tudo em que participa, mas a sua luta, bem como a de Coppola, foi o que verdadeiramente abriu as portas de Hollywood para os novos talentos que, nos anos seguintes, criariam o mais importante conjunto de filmes da história do cinema americano.

Al Pacino, portanto, é um herói. E mais: ao lado de Robert De Niro, Dustin Hoffman, Jack Nicholson, Marlon Brando, James Stewart e Orson Welles, trata-se de um dos imortais da atuação, um profissional que definiu e define, para milhões de atores, a diferença entre competência e arte no ofício. Os passos seguintes dessa grande carreira, você confere aqui:

5. Perfume de Mulher (1992)

Na sua atuação mais comovente em bastante tempo, Pacino dá vida a Frank Slade, um coronel do Exército já aposentado, e que, além de cego, possui um temperamento, digamos, complicado. Decidido a saborear, pela última vez, os prazeres da vida, ele oferece um fim de semana inesquecível a Charlie (Chris O’Donnell), um estudante do ensino médio. Incrivelmente, trata-se do único Oscar que Pacino já recebeu, um reconhecimento tardio, porém justo, da Academia, já que este é um dos destaques da sua filmografia.

4. Serpico (1973)

A primeira colaboração entre Pacino e o diretor Sidney Lumet pode não ter o brilho de Um Dia de Cão (saiba mais no nosso 2º lugar), mas, honestamente, quantos filmes têm? Obra de renovação do filme policial nos anos 70, Serpico conta a história (verídica) do personagem-título, um tira nova-iorquino que se envolveu em missões perigosíssimas para denunciar os crimes dos colegas de farda.

Com todo o talento do diretor de Doze Homens e Uma Sentença e O Homem do Prego, mais um Pacino recém-saído do mega-sucesso Chefão, Serpico é um dos registros mais vibrantes dessa época tão rica do cinema americano.

3. Scarface (1983)

Exercitando, mais uma vez, a maestria em papéis de mafiosos, Pacino, porém, desce do salto elegantérrimo de Don Corleone para viver um chefão selvagem e vulgar em Scarface. Na pele de Tony Montana, um imigrante cubano que ascende no tráfico à custa de muito atrevimento e uma enorme disposição assassina, Pacino mostra que, mais do que os tipos marginais de Dustin Hoffman, ou os conflituosos de Robert De Niro, seu terreno é mesmo o dos homens violentos, batendo-se em disputas épicas de poder e força.

Claro, o ator já provou diversas vezes que é bem mais do que isso, mas, convenhamos, nenhum outro vestiu esse personagem com tamanha complexidade e empatia. Scarface, além de combinar de forma magnífica o suspense e a paródia, ilustra isso à perfeição.

2. Um Dia de Cão (1975)

Tanto quanto o segundo ensaio com Coppola foi o trabalho definitivo dos dois (saiba mais no nosso 1º lugar), a tentativa seguinte de Pacino e Lumet resultou num dos grandes filmes do cinema.

Um Dia de Cão, como o nome diz, é a história (novamente verídica) de um assalto a banco empreendido por dois amadores, Sonny Wortzik (Al Pacino) e Sal Naturale (o sempre esplêndido John Cazale), que se tornou uma sensação da mídia durante um dia quente e tenso em agosto de 1972.

Inicialmente previsto para acontecer em minutos, o assalto atraiu a atenção da polícia e tornou-se um sequestro, para depois virar um espetáculo televisivo e um desafio ao establishment social, ganhando tintas paródicas (a relação de afeto que os reféns do banco desenvolveram com a dupla) e humanistas (descobriu-se que o produto do assalto iria pagar a operação de mudança de sexo da esposa de Sonny, um travesti), até o desfecho climático e trágico.

Tudo dá certo neste filme: elenco, montagem, fotografia, trilha sonora e direção se reforçam num crescendo angustiante e exato, sem nada de supérfluo ou insuficiente. Um dos trabalhos mais brilhantes de Al Pacino, e a prova de que o ator era completo, encarnando com igual vitalidade tipos violentos e vulneráveis, durões e frágeis, movidos pelo amor ou pelo ódio. Não perca.

1. O Poderoso Chefão: Parte II (1974)

Mais que seus colegas de geração, como Robert De Niro e Dustin Hoffman, a carreira de Al Pacino parece estar confinada aos anos 70. A culpa é dele – ninguém, nem mesmo De Niro, conseguiu emplacar tantas atuações definitivas em tão pouco tempo. Nenhuma maior do que esta.

Em sua segunda aparição como o mafioso Michael Corleone, Pacino é vasto, imenso, ilimitado. O exagero aparente não resiste à primeira espiada nesta obra-prima, certamente o melhor filme da saga e um dos maiores do cinema. Com um elenco de apoio soberbo (trazendo, entre outros, Diane Keaton, como a esposa Kay, o inigualável John Cazale, como o irmão Fredo, e Lee Strasberg – o criador do Método, no less – como o mafioso judeu Hyman Roth), o nível das atuações de O Poderoso Chefão: Parte II é algo verdadeiramente irrepetível.

Se no primeiro filme o caçula dos Corleone era idealista, à parte em sua família de criminosos profissionais, e no terceiro ele busca acertar as contas consigo mesmo, neste capítulo ele abraça seu destino sem reservas, revelando toda a astúcia, a implacabilidade, mas também os medos, as frustrações e um profundo sentimento de amor à família, por mais contraditórios que esses substantivos possam parecer, no coração do Don.

Com acólitos como Stanley Kubrick e Woody Allen, que colocam este entre os maiores filmes americanos já feitos, e diante do desempenho simplesmente assombroso de Pacino (preste atenção às cenas com Fredo e no diálogo final com Kay), não tem jeito: é Poderoso Chefão: Parte II nas cabeças.

OUTROS CINCO GRANDES TRABALHOS DE AL PACINO

6. O Pagamento Final (1993)

7. O Sucesso a Qualquer Preço (1992)

8. Justiça Para Todos (1979)

9. O Mercador de Veneza (2004)

10. Advogado do Diabo (1997)

O pior:

Cada Um tem a Gêmea que Merece (2011)

Ninguém merece este filme.

Tá certo que Al Pacino não precisa mais provar nada a ninguém, e pode muito bem estar querendo relaxar, fazendo papéis menos exigentes, mas nada é capaz de explicar sua participação neste desastre.

Interpretando a si mesmo como um pretendente à irmã-gêmea de Adam Sandler (vivida por ele próprio), Pacino topa toda espécie de constrangimento, desde cantadas baratas (ele escreve seu telefone num cachorro-quente) até dancinhas – como dizer? – embaraçosas. Vergonha alheia é pouco. E o pior é que Pacino parece realmente estar se divertindo no papel, talvez contente por aparecer como um nome pop numa comédia dirigida às massas – massas essas que, há muito, deixaram de frequentar seus filmes mais ambiciosos e inteligentes. É realmente uma pena ver um ator extraordinário se rebaixar a esse nível.

Sobre o filme? Como várias das obras-primas de Adam Sandler, este também é um candidato seguro às listas de piores filmes de todos os tempos. Assista só como uma forma extremamente severa de auto-punição.