Filmar a Amazônia é um desafio logístico, mas também narrativo. O abismo entre a cultura amazônica e o olhar de quem vem de fora contamina muitas produções e gera um exotismo vazio que torna tantos filmes que se passam na região uma coleção de imagens da natureza que pouco acrescentam ao entendimento das vivências num lugar tão único.

Beatriz Seigner se esquiva desses problemas em Los Silencios. Ainda que dialogue com outras filmografias, seu longa consegue imprimir uma identidade própria e, nesse processo, apresenta os personagens em profundidade, destacando o que há de universal nos conflitos delineados no roteiro.

Na trama, a família de Amparo (Marleyda Soto) se refugia na Ilha da Fantasia, entre Brasil, Colômbia e Peru. Na fuga dos conflitos armados das FARC, ela chega ao novo território com as crianças Nuria (Maria Paula Tabares Pena) e Fabio (Adolfo Savinino) e o marido Adão (Enrique Diaz), numa convivência marcada pela rotina peculiar e pelo silêncio que dá título ao longa.

Seigner capta bem o ritmo distinto da vida amazônica longe das capitais. Com isso, expõe de forma sutil o imperativo dos ciclos da natureza no cotidiano e nos complexos dramas dos moradores da ilha, que lidam com as perdas e traumas do conflito armado. Assim, a cheia do rio, os trapiches que se estendem pelas casas, a mata a postos na tentativa de invadir as marcas de “civilidade” do vilarejo, tudo se põe como personagem e relembra a todo instante as forças externas à vontade humana.

A tríplice fronteira da ilha se coloca então como metáfora da fronteira entre vivos e mortos. Em termos de linguagem fílmica, o encontro desses territórios parece emprestar algo de Cemitério do Esplendor (Apichatpong Weerasethakul, 2015) ou Dao khanong (Anocha Suwichakornpong, 2016), observável no apreço à boa fotografia, na extensão desacelerada dos planos e na ênfase na potência comunicativa do silêncio.

O que destacamos acerca do ritmo de Los Silencios é algo presente também nos filmes do cineasta amazonense Sergio Andrade. Porém, é perceptível um senso de imersão mais vigoroso de Seigner, que também assina o roteiro, no universo da trama, destacando Los Silencios. Nesse sentido, sua proposta fílmica dialoga Werner Herzog em Aguirre, a Cólera dos Deuses (1972), Fitzcarraldo (1982) ou As asas da esperança (2000), cujo olhar para região o documentário Burden of Dreams (1982) muito bem sumariza.

Alia-se a isso a excelente direção de atores: apenas Soto e Diaz são profissionais. Desse modo, a catarse final da comunidade ao ponderar as consequências do conflito armado embaraça as fronteiras entre documentário e ficção sem perder o tato ao trabalhar o assunto com pessoas tão próximas a ele no mundo real e, ao mesmo tempo, sem descambar para algo a parte da proposta do filme. Por tais feitos, Los Silencios desponta como um exemplar ímpar da representação da Amazônia no cinema.