Assim como não se deve julgar um livro pela capa, acredito que a mesma lógica deve ser aplicada para o cinema. No caso, não é adequado julgar um filme pelo seu cartaz.

Manifesto, de Julian Rosefeldt, é um exemplo que confirma esta afirmação. Afinal, um pôster que mostra Cate Blanchett como diversas personagens, sugere tratar-se de um filme interessante, que provavelmente proporcionará a atriz, uma das mais talentosas da sua geração, uma ótima oportunidade para demonstrar a sua versatilidade.

É bem verdade que tal promessa, a de mostrar a capacidade de Blanchett investigando papéis de naturezas diferentes, se cumpre. Mas inesperadamente tal característica só depõe contra o filme, pois mesmo que tenha uma carcaça diferente a cada 10 minutos, ele soa sempre repetitivo e pedante.

Como o próprio título já diz, e somos alertados logo na primeira cena, o filme trata-se de um grito do seu diretor e roteirista sobre o estado atual da arte contemporânea. Do quanto ela se distanciou de um ato humano de contestação e manifestação legítima, para caber numa série de ditames estéticos (ou não) que estabelecem barreiras que a distanciam do que deveria ser sua função e significado. Para isso, Rosefeldt cria uma série de situações distintas lideradas por personagens características destes ambientes, – que vão de uma apresentadora de telejornal, uma vocalista de banda de rock, uma mãe de família tradicional, etc – todas interpretadas pro Blanchett, que servem como porta-vozes desses conceitos contestadores.

É claro que é legítimo o diretor ter esse tipo de opinião e fazer um filme a respeito. Mas o que Rosefeldt parece não entender é que Manifesto é um filme desagradável que se coloca numa espécie de pedestal, e dispara uma metralhadora giratória a esmo, colocando tudo ao seu redor como dispensável, superficial ou desinteressante.

É o tipo de filme que supostamente é contundente no que diz, possui estética sofisticada, um acabamento fotográfico que salta aos olhos, mas que no fundo não rompe nada. Ele cria para si uma zona de conforto que o impede de se comunicar com o outro, pois acredita que a sua ideia está completa, mesmo que esteja apenas na cabeça do seu idealizador, estando o público de fora do jogo. Parece sentir prazer em negar. Nega tudo o que está ao redor, sem se dar conta que a negação é o caminho mais fácil, o que exige menos capacidade. Difícil mesmo é ser propositivo, criativo, se expor para encontrar algum tipo de verdade.

Todas as situações criadas pelo filme, da mendiga até a professora de ensino infantil, possuem um discurso parecidíssimo, que ao contrário do que o seu diretor pensa, não é tão abrangente a ponto de segurar 90 minutos. Cansa muito antes disso. O seu pensamento é espalhado em falas que somam muito pouco às anteriores, fazendo com que acompanhar o filme seja um verdadeiro teste de paciência, quando não de resistência.

É claro que o fato de contar com uma atriz da capacidade de Blanchett faz com que o filme ganhe qualidades. Mesmo trabalhando a partir de estereótipos, a atriz estabelece minúcias em seu trabalho de corpo, e principalmente um rico universo de particularidades na voz, timbre, prosódia, que fazem com que cada persona surja diferente da outra, com personalidades distintas. A decupagem, rigorosa, explorando formas geométricas e a capacidade de expressão da sua protagonista, também apresenta qualidades.

Mas é difícil se lembrar desses êxitos em um trabalho que não se importa com o diálogo, a troca. É o tipo de filme que se utiliza do fato de intitular-se como um manifesto pessoal sobre arte para despejar uma série de certezas. E que me perdoe Rosefeldt, mas ele (ainda) não é este artista tão diferenciado a ponto de fazer com que valha a pena dedicarmos nosso tempo para ouvir o que tem a dizer.