Uma das coisas que consolam no magro cinema americano deste início de século é saber que Woody Allen segue trabalhando. Aos 79 anos, o cineasta não só está em plena forma – seus dois maiores sucessos de bilheteria vieram há quatro e há sete anos, respectivamente (saiba quais são mais adiante) –, como continua implacavelmente produtivo – seu novo filme, “Homem Irracional”, chega agora às telas nacionais, ele já começou a filmar o próximo (com Jesse Eisenberg e Kristen Stewart) e ainda fechou um acordo com a Amazon para criar uma série on demand.

Mas, apesar de toda a (afinal merecida) babação de cinéfilos e entusiastas em torno da sua figura, Allen não está livre de erros. Para cada “Match Point” (2005) ou “Meia-Noite em Paris” (2011), tome experimentos malsucedidos como “Melinda e Melinda” (2004) e “Para Roma com Amor” (2012), ou filmes que simplesmente não despertam o entusiasmo, como “Scoop – O Grande Furo” (2006) e “Magia ao Luar” (2014).

Nessa lista, você confere um apanhado do melhor Woody Allen dos últimos dez anos – bem como um filme, por assim dizer, desnecessário.

Tudo Pode Dar Certo, de Woody Allen

5. Tudo Pode Dar Certo (2009)

Um dos filmes menos celebrados do diretor na última década, “Tudo Pode Dar Certo” é uma pérola oculta na produção de Allen. Ácida como os melhores dramas do artista, a comédia se afasta das personas rabugentas, mas adoráveis, que ele se especializou em criar, e nos apresenta um tipo realmente repulsivo: Boris Yelnikoff (Larry David, ele próprio um gigante da comédia americana), um cientista de gênio, mas cujo cinismo e misantropia o condenaram a uma vida medíocre.

O encontro do desiludido Boris com Melody (Evan Rachel Wood), uma linda e avoada caipira perdida em Nova York, é o mote para uma sátira impiedosa aos clichês da autoajuda, mas que também ataca a arrogância e as ilusões de grandeza que fazemos de nós mesmos. Dito assim, parece uma obra tópica, ressentida, mas é o oposto: uma comédia ágil, cortante, divertidíssima e que faz pensar. Descubra.

O Sonho de Cassandra, de Woody Allen

4. O Sonho de Cassandra (2007)

Outro que foi muito menos visto do que merecia. Como sói acontecer aos dramas de Allen, “O Sonho de Cassandra” fez um bilheteria minguada, e é considerado uma nota de rodapé na carreira do diretor. Mas quem viu sabe: o drama dos irmãos Terry (Colin Farrell) e Ian (Ewan McGregor, ambos excelentes), ambos às voltas com ambições maiores que suas ínfimas perspectivas, é um dos filmes mais impactantes do diretor, agregando influências tão díspares quanto os suspenses classudos de Claude Chabrol e o sarcasmo dos irmãos Joel e Ethan Coen. Um Tom Wilkinson estupendo, a música brilhante de Philip Glass e a melhor atuação da carreira de Farrell são outros dos motivos pelos quais você não deveria perder este filme.

Vicky Cristina Barcelona, de Woody Allen

3. Vicky Cristina Barcelona (2008)

Em 2015, à luz das obras-primas que Woody Allen provou ser capaz de criar mesmo com setenta e poucos anos, e outros tantos filmes nas costas, fica difícil acreditar que, na primeira metade dos 00’s, ele estava basicamente acabado. Um série de comédias despretensiosas, mas repletas de inteligência e charme (“Trapaceiros” e “O Escorpião de Jade” são as melhores) foram recebidas com silêncio mortal por público e crítica. Os mais apressados decretaram a irrelevância do diretor. O financiamento, que nunca foi problema, secou nos Estados Unidos. Allen foi forçado a sair de sua amada Nova York em busca de dinheiro para novas obras, sem saber se este de fato viria, ou de onde.

Mas a história, afinal, foi feliz. O período de “exílio” de Allen acabou servindo para arejar o seu cinema e cultivar uma nova plateia global, que lhe renderia as maiores bilheterias de toda a sua carreira. É o caso deste “Vicky Cristina Barcelona”, que levou o diretor americano à Espanha para uma trama de descobertas amorosas e sexuais de duas estudantes, Vicky (Rebecca Hall, limada do cartaz promocional, mas que é a alma do filme) e Cristina (Scarlett Johansson), com ecos de Éric Rohmer, Henry James e Almodóvar. Completam o elenco Javier Bardem e uma incendiária Penélope Cruz, neste que é um dos filmes mais ágeis e bem-realizados em toda a obra do cineasta.

Match Point - Ponto Final, de Woody Allen

2. Match Point – Ponto Final (2005)

O filme que marcou a “ressurreição” de Woody Allen nos 00’s, “Match Point – Ponto Final” trouxe de volta o artista ambicioso e cético dos anos 1980, de filmes como “Memórias” (1980), “Crimes e Pecados” (1989) e “Maridos e Esposas” (1992). Foi mais propriamente do segundo, um dos clássicos da sua filmografia, que Allen buscou a inspiração para revigorar e retraçar sua trajetória.

Uma espécie de exame mais detalhado das ruminações morais e filosóficas de Crimes, a obra coloca Chris (Jonathan Rhys Meyers, que nunca mais emplacou outra atuação tão boa), tenista em fim de carreira e alpinista social em ascensão, contra os desejos e aspirações de Nola Rice (Scarlett Johansson, linda), a amante que pode pôr seu ingresso nas altas rodas a perder.

Sensual e sombrio, de um ceticismo implacável, “Match Point” mostrou que Woody Allen ainda tinha, sim, muito a dizer como artista. E aquela cena de abertura, com a bola de tênis suspensa no ar, é brilhante.

Meia-Noite em Paris, de Woody Allen

1. Meia-Noite em Paris (2011)

A esta altura, ficou claro que Allen continua tão em forma quanto no tempo de “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” (1977) e “Hannah e Suas Irmãs” (1986), seus dois filmes mais irretocáveis. Pois, em pleno 2011, este aqui veio juntar-se à lista.

Uma viagem sentimental à época e aos artistas que Woody Allen mais admira, “Meia-Noite em Paris” é também seu filme mais agradável e bem-construído em muito tempo. O olhar encantado do atrapalhado Gil Pender (Owen Wilson), um roteirista que sonha escrever romances e viver na Paris de seus ídolos literários, é a chave pela qual Allen guia o público atual, pouco familiarizado com nomes como F. Scott Fitzgerald, Gertrude Stein e Cole Porter.

Do roteiro magistral, que consegue apresentar uma série de nomes eruditos sem parecer tedioso ou forçado, ao elenco escolhido a dedo (Corey Stoll como Ernest Hemingway e Kathy Bates como Stein estão perfeitos, mas até os que aparecem por segundos, como o T. S. Eliot de David Lowe, são incrivelmente parecidos), além da presença luminosa de Marion Cotillard, fazem de “Meia-Noite em Paris” o filme que define o cinema de Woody Allen nesta década.

Pior filme:

Você Vai Conhecer o Homem dos Seu Sonhos, de Woody Allen

Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos (2010)

Quando se escreve um filme por ano, como Allen faz desde 1977, é inevitável que alguns sejam melhores, outros piores, e alguns até francamente ruins. O diretor, certamente, teve sua cota de fracassos – “Interiores” nos anos 70, “Setembro” nos 80, “Simplesmente Alice” e “Poderosa Afrodite” nos 90, “Dirigindo no Escuro” e “Igual a Tudo na Vida” nos 00. Na década atual, o ponto mais baixo é “Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos”.

Unindo três histórias entre o drama e a comédia, mas puxando para o humor impiedoso de “Memórias” e “Tudo Pode Dar Certo”, o filme é bem trabalhado, tem um elenco muito bom (Anthony Hopkins, Naomi Watts e Josh Brolin), mas não escapa à sensação de ser mais do que um Allen requentado, servido às pressas a partir de ideias e situações mais bem realizadas em outros trabalhos.

Ainda que “Para Roma com Amor” ou “Magia ao Luar” não sejam muito melhores, pode-se argumentar que, ao menos, eles tentam trazer algo novo para o universo do diretor. Não é o caso deste aqui. Se quiser começar a ver Woody Allen pelos filmes desta década, o filme para não se começar é “Homem”.

* Texto original alterado para substituir a equivocada expressão humor negro.