Na minha opinião, a melhor versão nacional de títulos de filmes estrangeiros é aquela que mais se aproxima do original. Porém, isso nem sempre é possível. As razões de mercado imperam, pois o cinema é um negócio, por mais que às vezes nós, que o amamos, nos esqueçamos disso. Provavelmente muito poucas pessoas sairiam de casa para assistir a um filme intitulado O Dia de Folga de Ferris Bueller, por exemplo. Títulos nacionais, ainda mais hoje, precisam ser chamativos e ajudar as pessoas a querer ver o filme – por isso que Curtindo a Vida Adoidado, a versão nacional para Ferris Bueller’s Day Off, é um exemplo de título nacional criativo e interessante. Ele ajuda o publico a compreender a essência daquela comédia e a ficar interessado em vê-la.

O problema é que títulos assim são exceção e não a regra. Na maioria das vezes o que vemos são títulos preguiçosos e genéricos (Lost in Translation, de Sofia Coppola, vira Encontros e Desencontros), ou engraçadinhos pelas razões erradas (Família do Bagulho!) ou melodramáticos (Meu favorito destes ainda é o Até o Limite da Honra, filme do Ridley Scott com a Demi Moore marombada. Ainda hoje me pergunto o que há além do tal limite da honra?).

Ao se fazer uma pesquisa, percebe-se que títulos ruins e estapafúrdios para filmes estrangeiros não são exclusividade do Brasil. Sim, algumas “lendas urbanas” cinéfilas se confirmaram: em Portugal, Um Corpo que Cai de Alfred Hitchcock realmente se chama A Mulher que Viveu Duas Vezes, um título que por si só já é um semi-spoiler. Também na terra dos nossos patrícios, O Planeta dos Macacos virou O Homem que Veio do Futuro – esse, então, é um spoiler completo… Mas o pior que encontrei foi a versão italiana para Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças: Se mi laschi te cancello pode ser traduzido como Se Você me Deixar, Te Apago. Com esse título, dá até vontade de apagar o filme da memória.

Enfim, maus exemplos não faltam. Mas os bons exemplos de títulos abrasileirados de filmes estrangeiros merecem ser lembrados e elogiados, para que sirvam de exemplo. Então, aí vai uma pequena lista com alguns dos meus favoritos:

from-dusk-till-dawn-03Um Drink no Inferno

O título original “From Dusk Till Dawn” literalmente significa “Do escurecer ao amanhecer”, e não é muito chamativo nem na versão original – se o longa fez sucesso na época, é por causa dos nomes dos envolvidos na produção, especificamente Quentin Tarantino e Robert Rodriguez, e não pelo título. A versão nacional, apesar de ser um leve spoiler, tem mais impacto e é mais divertido.

sobre-meninos-e-lobos Sobre Meninos e Lobos

Esse é outro caso de título brasileiro superior – embora aqui se deva dar o mérito à editora Companhia das Letras que publicou o livro de Dennis Lehane e mudou o título de Mystic River para o poético e sombrio Sobre Meninos e Lobos. O filme apenas seguiu o título literário, que tem mais a ver com a história e atrai muito mais a atenção do que “Rio Mystic”. Além disso, o rio nem tem tanto destaque assim, pelo menos na versão cinematográfica.

evildead3541A Morte do Demônio

Me lembro de, quando criança, ter ouvido um colega de escola me recomendando o filme A Morte do Demônio“Tu vai ficar sem dormir por um mês”, disse ele, num daqueles momentos estranhos da infância. Só o título já prometia o filme mais aterrorizante que eu podia imaginar. E não é que quando o vi alguns anos depois, ele meio que correspondeu às expectativas? O titulo original, The Evil Dead, pode ser traduzido como “O Mal Adormecido” ou coisa assim. Talvez o tradutor tenha confundido “Evil” (mal) com “Devil” (demônio)? De qualquer forma é um bom título, mas não tem o poder do inspirado título nacional. Pena que as sequências não tiveram a mesma sorte: Evil Dead 2 foi traduzido no Brasil como Uma Noite Alucinante, que mais parece um título de comédia adolescente ou mesmo filme pornô; e Army of Darkness (Exército das Trevas), o terceiro da série, virou Uma Noite Alucinante 3…

yPTIbgWIp248ES7D9ynR86XH4Ug007 Contra a Chantagem Atômica

A quarta aventura de James Bond no cinema tem um título que apenas soa bem – Thunderball – mas não significa nada nem se for traduzido do inglês ao pé da letra (Bola de Trovão?). Até o compositor da canção-tema do filme teve dificuldades com esse nome… Problemas musicais à parte, 007 Contra a Chantagem Atômica promete altas doses de intriga e aventura e o longa não decepciona. Pena que essa criatividade se perdeu: em tempos mais recentes, tradutores da franquia 007 nem se preocuparam com uma adaptação do estranho Quantum of Solace.

The_GodfatherO Poderoso Chefão

Em português, “O Padrinho” (tradução literal de The Godfather) não tem o mesmo impacto de O Poderoso Chefão. O título em inglês é mais sutil, o nacional mais direto. Embora o nacional seja um bom título, leva a um interessante questionamento: brasileiro não gosta de sutileza?

dvd-rastros-de-odio-nacionallacrado-frete-r5_MLB-F-4155556781_042013Rastros de Ódio

O faroeste clássico de John Ford em inglês se chama The Searchers e não dá para ser traduzido ao pé da letra – ficaria algo como “Os Buscadores” ou “Os Perseguidores”. O título escolhido tem dramaticidade na medida certa e faz referência a um dos subtextos da trama, o preconceito.

coeurs-2006-03-gMedos Privados em Lugares Públicos

O filme do mestre francês Alain Resnais ficou com um título muito interessante no Brasil – o nome original é Coeurs, corações em francês. Mesmo assim, de novo o mérito não pode ser todo dos distribuidores brasileiros, pois eles podem apenas ter copiado o título americano Private Fears in Public Places.

1604659Balada de Um Homem Comum

Esse é o meu preferido dentre os títulos mais recentes. Os irmãos Coen criam um título difícil – Inside Llewyn Davis – porém adequado à história, sobre um cantor que não consegue emplacar na carreira e nem seu complicado nome o ajuda. O distribuidor brasileiro captou com precisão a essência da história, que não é triunfante como geralmente vemos em Hollywood.

06431THUMB_edited-1LRGFestim Diabólico

Nunca alguém iria ao cinema ver um filme chamado “Corda”, a tradução literal do título Rope para este clássico do mestre do suspense Alfred Hitchcock. Os tradutores das antigas até que conseguiram inventar algo interessante. Pelo menos não vieram com “A Corda Mortal” ou algo do tipo.

 Outras menções:

O Homem que Matou o Facínora – traduzido de The Man Who Shot Liberty Valance

Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu – um dos poucos títulos “engraçadinhos” que funciona

Sete Homens e um Destino – Adaptado de The Magnificent Seven, pena que inspirou um monte de títulos com “destino” no fim…

 Acossado – Tradução legal do clássico francês

 Os Guarda-Chuvas do Amor – Bonitinho.