Em Millennium: A Garota na Teia de Aranha, a inglesa Claire Foy se torna o terceiro rosto cinematográfico da icônica personagem Lisbeth Salander, hacker, anti-heroína e justiceira criada pelo escritor sueco Steig Larsson. Ela sucede a também sueca Noomi Rapace, que estrelou a trilogia original de filmes adaptados dos livros de Larsson, e a norte-americana Rooney Mara, que viveu a personagem na versão americana Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres (2011), dirigido por David Fincher. Mara chegou até a ser indicada ao Oscar pelo desempenho.

Este novo filme na prática serve como sequência/reinício. O termo atual é “reboot da franquia”, porque o filme de Fincher se provou um animal estranho: não fez o sucesso financeiro que o estúdio esperava, mas também não foi um fracasso de bilheteria. Então, como valia a pena tentar de novo, a opção do estúdio Sony foi o reboot, com atores mais baratos e jovens que Mara e Daniel Craig, astros do longa de Fincher. E o próprio Fincher foi trocado pelo jovem e talentoso Fede Alvarez, diretor do sucesso O Homem nas Trevas (2016).

Infelizmente toda essa contextualização técnica da indústria é necessária, porque em nenhum momento A Garota na Teia de Aranha transmite a impressão de ter sido feito por motivos além dos financeiros. A ênfase nos personagens, que alimentava o longa de Fincher e em certa medida até a trilogia sueca, é substituída por uma ênfase na trama que simplesmente não consegue ser muito interessante. No novo filme, Lisbeth é contatada por um programador para recuperar um daqueles dispositivos que só existe no cinema, o programa Firefall que dá ao usuário a capacidade de controlar drones militares, a “tecnologia que não deve cair em mãos erradas” típica de filmes. Ao se envolver nessa trama, ela passa a suspeitar cada vez mais que um elemento do seu passado tenha ligação com a procura ao Firefall.

Esse elemento é outro cliché dramático manjadíssimo que se torna mais uma opção narrativa decepcionante do filme. Já é para lá de discutível a ideia de transformar a Lisbeth praticamente numa “super-heroína da DC” – porque ela é sombria, sacaram? – afinal, os poderes de hacker dela neste filme são elevados à ultima potência, com ela controlando dispositivos diversos e fazendo coisas incríveis acontecerem. E no fim das contas, a trama a coloca praticamente para salvar o mundo! Já a revelação da antagonista do filme, completa com figurino e visual extravagante, configura A Garota na Teia de Aranha como uma versão exagerada e quase “super-heróica” do universo de Stieg Larsson.

Atriz e diretor se esforçam, mas no fim das contas para quê? Alvarez, nesta sua primeira vez comandando um longa de grande orçamento, não consegue estabelecer um clima de tensão, embora até crie alguns planos interessantes, como um ambientado dentro da NSA, agência de segurança dos EUA, que explora o cenário e o esforço de um personagem para evitar a invasão hacker; e outro que mostra o mergulho da heroína numa banheira de um lado da tela, com uma gigantesca explosão do outro. É notória a opção do roteiro e da direção de fazer um filme com mais ação que as versões anteriores, mas no fim ela acaba não ajudando a experiência: A Garota na Teia de Aranha é bem mais movimentado que o filme de Fincher ou os suecos, por exemplo, mas mesmo assim é menos envolvente.

Já Claire Foy acaba tendo seu trabalho meio desperdiçado por causa dessa opção narrativa: ela só tem mesmo a chance de interpretar a Lisbeth Salander que já conhecemos dos livros e dos outros filmes esporadicamente, pois na maior parte do tempo ela acaba se vendo reduzida a fazer uma heroína de ação genérica. Os demais atores do filme praticamente não registram em meio à confusão: Sverrir Gudnason se contenta em ficar em quarto plano como o novo Mikael Blomkvist, e Sylvia Hoeks, tão marcante em Blade Runner 2049 (2017), se vê presa a uma vilã com motivações meio incompreensíveis. Apenas Stephen Merchant se destaca um pouco na sua breve participação.

E outro grande problema do filme é a sua previsibilidade: qualquer pessoa que já tenha visto alguns filmes de suspense na vida consegue adivinhar certas “surpresas” da trama. E a previsibilidade é a morte da tensão, justamente o que mais parecia interessar aos realizadores deste “reinício/sequência” da franquia. Foram a personalidade e a força de Lisbeth Salander que a tornaram ícone, não realmente as tramas nas quais ela se meteu. Millennium: A Garota na Teia de Aranha tenta trazer a personagem de volta, mas é apenas outro produto da indústria, sem personalidade, uma tentativa de uma nova roupagem para algo que não foi tão bem recebido anteriormente.

Nesse processo, toda a personalidade do longa de Fincher – e até dos filmes suecos, embora eu particularmente não seja tanto fã deles quanto sou da interpretação de Noomi Rapace – é substituída por algo mais calculado para agradar ao público médio. Pena que, quando se tenta agradar a todo mundo no cinema, geralmente acaba-se não agradando a ninguém. Lisbeth Salander nunca se preocupou em “agradar” à maioria; os realizadores deveriam ter aprendido algo com a própria protagonista da história.