Dentre os argumentos que defendem a contínua realização de remakes, o investimento em efeitos especiais tornou-se uma das principais justificativas. “Mogli – Entre Dois Mundos” confirma esta justificativa. Dirigido por Andy Serkis, a nova versão do “menino lobo” apresenta beleza visual inegável capaz de superar os problemas de montagem e roteiro que dificultam o entendimento do filme e a representação de uma aventura imersiva.

Denominado em seu trailer como “o capítulo mais sombrio desta história”, o longa de Serkis realmente trilha este caminho ao apresentar Mogli (Rohan Chand) em busca por identidade. O filho de humanos é criado por lobos durante a infância, lugar onde não consegue se reconhecer totalmente devido às discrepâncias físicas. Porém, quando o protagonista possui a oportunidade de viver entre sua espécie, ele descobre que este convívio também apresenta grandes perdas e uma filosofia de vida a qual não lhe pertence. Esta trajetória trilhada pelo protagonista mostra essencialmente o discurso defendido desde os primeiros minutos da obra: a relação entre o homem e meio ambiente como argumento do filme e justificativa das atitudes do personagem.

Diferente de outras versões, o final é revelador acerca de Mogli e seu futuro: após uma sequência de difíceis escolhas, o filme mostra que devido a excepcionalidade do menino é ele quem irá assumir conflitos entre os animais da selva e humanos. Esta característica leva o personagem a diversos questionamentos sobre sua identidade e a momentos mais sombrios, onde ele mesmo deve ser capaz de enfrentar seus dilemas e fazer escolhas pelo bem da espécie que o criou e daquela a qual ele naturalmente pertence. Apesar de seus concorrentes em atuação se tratarem de animais realizados com CGI, o jovem Rohan Chand mostra com êxito o conflito e forte personalidade exigida pelo protagonista, tratando-se de uma boa característica do filme.

Mesmo com a presença infantil no elenco, é possível afirmar que as nuances mais densas da história afastam o público-alvo cativo do longa. Porém, a versão em animação e live-action da Disney mostram perfeitas representações para este nicho, tornando a tarefa de Serkis alcançar espectadores diferentes com a narrativa de Mogli. Neste aspecto, é difícil dizer se a pretensão foi alcançada, pois, uma grande forma de fazer isso seria com o amadurecimento de outros personagens além do protagonista, o que começa a ser feito em diversos momentos, porém, é interrompido pela montagem do filme, acelerando a história conforme o desfecho se aproxima.

O ritmo do filme prejudica muito a narrativa: se no início vemos grandes cenas de Mogli na selva e toda imersão em sua vida, quando ele encontra a vila de humanos as cenas passam rapidamente assim como sua entrada neste novo cenário. Mais prejudicado que o desenvolvimento do personagem entre os humanos torna-se os conflitos finais entre Mogli e o tigre Shere Khan (Benedict Cumberbatch), o principal vilão do filme. As cenas ocorrem de forma rápida e sem emoção, uma diferença enorme do primeiro encontro entre os dois em que o menino lobo sai com uma cicatriz. Assim, mesmo com toda beleza do filme e momentos genuinamente emocionantes, o final apressado rompe com a narrativa estabelecida e frustra mesmo o espectador mais disperso.

O Grande Diferencial

Além do tom mais sombrio, a grande surpresa e também aspecto positivo do filme torna-se o esperado: a captação de movimento defendida por Serkis. Em papeis como Gollum (trilogia “Senhor dos Aneis” e “O Hobbit”) e César (“Planeta dos Macacos), o ator fortaleceu os personagens ao adotar efeitos possíveis de captar a atuação humana com CGI que o transformou em outros seres. Assim, como o próprio Serkis defende, limitações corporais para atores foram se esvaindo conforme a popularização destas técnicas. Mesmo que “Breathe” tenha sido seu primeiro longa como diretor, apenas neste novo “Mogli” ele coloca as habilidades com esta tecnologia à prova ao recrutar grandes atores para atuar como animais no longa, indo para além da dublagem.

O resultado é impressionante e mostra o principal motivo para o filme ser visto, mesmo que apenas por conta da curiosidade. Os momentos em que esta característica fica em evidência é quando os animais não possuem falas e as feições são sua única forma de expressão, um esforço enorme para ser realizado considerando o trabalho feito em torno das atuações principais. Assim, trabalhos como Christian Bale interpretando a pantera Baguera e o próprio Serkis que dá vida ao urso Balu mostram a qualidade alcançada a partir deste investimento. Diferente das versões anteriores, ambas atuações inéditas e características visuais reforçam a busca por identidade, Balu tem um aspecto mais cansado, um sorriso irregular e falas rabugentas, mesmo o puma de Bale em todo seu fulgor também mostra marcas de um passado triste, onde sua falta de pertencimento é evidenciada assim como a de Mogli.

Mesmo entre as pequenas aparições, o trabalho com as atuações e CGI passam sentimentos impressionantes como no caso de Cate Blanchett dando vida à cobra Khaa e o lobo Bhoot, interpretado pelo filho do diretor, Louis Ashbourne Sherkis. No primeiro caso, a voz de Blanchett torna seu animal interessante e denso, e no caso de Bhoot, um personagem fadado a ser um pequeno alívio cômico ou até mesmo uma imagem mais atraente para o público infantil, é colocado em uma das cenas mais densas e reveladoras do longa, a qual verdadeiramente muda Mogli e suas escolhas futuras.

Apesar de não apresentar uma narrativa totalmente original, “Mogli – Entre Dois Mundos” possui qualidades que o tornam um filme válido de ser visto. Com dificuldades no ritmo e desfecho da trama, a experiência proporcionada pela direção de Serkis perde parte de sua excelência, porém, ainda consegue ser um filme o qual merece ser assistido devido aos questionamentos fortemente defendidos e ao investimento em considerar atores em como um elenco que poderia ser realizado apenas por animação. Quanto à indecisão sobre o público-alvo, mesmo com as características mais sombrias, os discursos sobre respeito aos animais e culturas podem ser aproveitados, devido a sua constante reafirmação no longa. Assim, mesmo com dificuldades, este novo Mogli apresenta aspectos fortes o suficiente para ser considerado um ponto positivo na carreira de Serkis e do próprio catálogo da Netflix.