Arnaldo Antunes possui uma das carreiras mais versáteis da cultura brasileira: revelado nos Titãs, saiu do grupo de rock no início dos anos 1990 para se aventurar em álbuns mais experimentais e trabalhar como poeta. Na primeira metade dos anos 2000, encontrou novamente o sucesso popular com o fenômeno dos Tribalistas ao lado dos amigos Carlinhos Brown e Marisa Monte. Já foi VJ da MTV, ensaísta da Folha de São Paulo, trabalhou com artes plásticas e até gravou música para o ‘Castelo Rá-Tim-Bum’.

Toda esta trajetória rica e ousada pode ser conferida no documentário “Com a Palavra, Arnaldo Antunes” exibido na 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Diretor de “Tropicália”, Marcelo Machado comanda a produção e falou com exclusividade ao Cine Set sobre o processo de realização do projeto.

Como insinua o título do filme, a relação do artista com a palavra é a base do documentário. Em determinado momento da produção, Arnaldo Antunes afirma: “a poesia é uma forma de resistência à estagnação dos sentidos… numa sociedade onde o excesso de informação, os comportamentos vão se tornando muito […] habituados à repetição das mesmas formas e fórmulas, a poesia é mais do que nunca necessária pois é justamente a fresta por onde você sai um pouco dessas regras de consciência, de sensibilidade”.

Para Marcelo, a frase de Arnaldo ainda revela outra faceta da poesia e, de um modo geral, da escrita: a perenidade. “A palavra, na essência, e tudo o que está escrito, a nossa história, a poesia, a literatura é uma forma de resistência porque ela, de fato, resiste ao tempo. As coisas vão acontecendo, o tempo histórico vai apresentando suas surpresas, revoluções, mas a palavra resiste, ganhando sempre novos sentidos de interpretação”, declarou.

Um poeta

Marcelo Machado traz na carreira uma série de filmes sobre música, sendo o mais célebre deles o documentário “Tropicália”. Apesar de nunca ter planejado ser um diretor voltado especificamente ao tema, ele disse que sempre tentou passear por diversos gêneros musicais em suas produções para o cinema. E o caminho até Arnaldo já vinha traçado desde os anos 1980.

Nesta época, tanto os Titãs quanto Marcelo começavam a carreira em suas respectivas áreas e o futuro documentarista gravou alguns shows da banda no antigo Teatro Lira Paulistana. O trabalho de Arnaldo Antunes já chamava a atenção do cineasta. “Sabia que, além de músico, ele era um poeta”, declarou. “Sentia que era um grande personagem por ser capaz de entremear trabalhos muitos comerciais com outras produções pessoais, experimentais, autorais” afirmou.

O ponto alto do filme fica por conta da análise da música “O Quê”, lançada em 1986 no álbum “Cabeça Dinossauro”, obra-prima da discografia dos Titãs. Arnaldo Antunes mostra como a palavra possui sete variações de significados diferentes dentro da letra. Marcelo Machado explica que a escolha da canção veio naturalmente. “É uma poesia, uma música que ele desenvolveu de diferentes maneiras, fez sucesso e mostra esta junção de um músico pop com o artista experimental. Ali, está o Arnaldo inteiro e o jeito que ele se apresenta no palco, em que canta recitando, o gestual, a dança… É um momento que adoro do filme porque ali estão todas as facetas, o artista inteiro”, afirma o cineasta.

Despedida e os primeiros passos dos Tribalistas

Para o documentário, Marcelo Machado decidiu seguir os moldes de “Tropicália” e optou pela utilização de bastante imagens de arquivo para ilustrar a trajetória do artista. Evidente que boas e emocionantes surpresas surgiram pelo meio do caminho.

A mais tocante delas é relativa a uma série de filmagens feitas em Super-8 pelo próprio Arnaldo Antunes no início da carreira. Usadas no começo do filme, os materiais são originais de dois longas produzidos pelo músico ao lado do amigo e técnico de som Plínio Veras. “Quando o primeiro corte do documentário ficou pronto, o Arnaldo entrou em contato com o Plínio para assistir a versão. Esta sessão acabou sendo uma forma de despedida deles. Infelizmente, o Plínio morreu uma semana depois”, disse Marcelo.

O surgimento dos Tribalistas também está retratado no filme. “O Arnaldo tinha ido gravar “Paradeiro” em Salvador e comprou uma câmera nova. Estava empolgado, gravando muita coisa. Entre as imagens destes momentos estão os momentos em que a Marisa Monte trazia os esboços do que viriam a ser as primeiras canções deles juntos. Ou seja, o entusiasmo com uma câmera nova de um cineasta amador acabou gerando um registro completamente íntimo e verdadeiro do início de um trabalho que, quando começou, eles não tinham ideia do que viria a ser”, declarou Marcelo.

“Com a Palavra, Arnaldo Antunes” ainda não tem data para estrear nos cinemas brasileiros.