Nomeie três artistas mulheres. Esse é o pedido que abre o documentário de Lynn Hershman Leeson, feito por ela a pessoas nas proximidades de um museu, aguardando para entrar nele ou saindo de uma visitação. Muitos são os que disparam o nome da pintora Frida Kahlo, para depois se verem em dificuldades para lembrar outras artistas. Esse vácuo de memória é o ponto de partida de toda a discussão de “!Mulheres Arte Revolução”.

A principal asserção de Leeson no documentário é que a dificuldade do público não surge de um problema de formação por si só: vem fato de que as mulheres são comumente esquecidas na história da arte para além do papel de “musas”. É a história dessas artistas que o filme tenta registrar e documentar, num exercício corajoso e necessário para popularizar o conhecimento de nossa cultura.

Quem não aparece, não é lembrado

A máxima popular “Quem não aparece, não é lembrado” pode ser interpretada de uma maneira curiosa quando a relacionamos ao mote de “!Mulheres Arte Revolução”. No filme, é exposto como as artistas de campos diversos como pintura, escultura, performance e outros eram comumente julgadas por olhares preconceituosos por parte de curadores, compradores de arte e público em geral pelo simples fato de pertencerem ao sexo feminino.

Logo, num mercado dominado por homens, a apreciação e posterior validação do trabalho perante a crítica e curadoria não era objetivo, vendo as qualidades da obra. A situação era ainda mais complicada pelo fato de que as artistas foco do documentário assumiam temáticas abertamente feministas, ou seja, mais longe ainda do olhar de quem poderia valida-las. Essa negação, porém, foi combustível para que elas tornassem as fluidas as fronteiras entre arte, política e ativismo, resultando em obras que reverberam ao mundo de hoje com bastante frescor.

Se hoje há formas alternativas de veicular e popularizar uma obra no ambiente virtual, a realidade das artistas retratadas em “!Mulheres Arte Revolução” era bem diferente. O filme foca em artistas que produziram primordialmente durante o período da chamada Segunda Onda do feminismo (compreendendo a segunda metade do século XX), logo, num mundo pré-Internet. Elas dependiam diretamente de espaços como galerias, da discussão em universidades, do registro em alguma matéria de jornal etc.; caso contrário, em longo prazo, suas obras seriam como se nunca tivessem existido, apagadas das páginas da história para sempre.

Mesmo hoje, várias das artistas apresentadas no documentário de Lesson são como que pequenos parênteses na história da arte. É graças ao filme que figuras como Judy Chicago, Marina Abramovic, Miriam Schapiro, Yoko Ono e Ana Mendieta são o centro da ação. Até os trabalhos da diretora Lynn Hershman Leeson com instalações e fotomanipulação ganham um breve espaço de registro no documentário, num momento de autoafirmação que casa muito bem com o aspecto combativo do filme de manter e avivar o registro daquelas obras. Com isso, o tom do documentário é: “Quem não aparece, não é lembrado; e nós não pretendemos ser esquecidas!”.

Mudar o sistema de dentro

Outro ponto interessante trazido por “!Mulheres Arte Revolução” é o fato de ele não focar só nas artistas, mas também na curadoria e da universidade. Isso é relevante porque são os curadores os responsáveis por selecionar as obras que são expostas ao público em espaços como museus, sendo peças importantes para que estas cheguem ao público já com certa valorização, além de serem responsáveis, em parte, pela preservação das obras em si. Por sua vez, é no seio das universidades que os registros das obras podem ser não apenas guardados, mas estudados, analisados e repassados à sociedade como conhecimento.

São graças a esses dois eixos que podemos, em longo prazo, conhecer e ter orientação quanto a que obras de arte sobrevivem ao teste do tempo. Logo, sem curadores, museus e universidades que digam, no mínimo, que essas mulheres já existiram, como saber isso? Logo, Leeson é esperta em resgatar também a combativa história de mulheres como a crítica de arte e historiadora Marcia Tucker, que enfrentou muitos preconceitos em sua carreira como curadora, até abrir seu próprio museu; ou como a pesquisadora B. Ruby Rich, responsável por cunhar o termo “New Queer Cinema” nos anos 1990. Essas e outras figuras são trazidas em “!Mulheres Arte Revolução” como exemplos da necessidade da arte alimentar um quadro o mais multifacetado possível para de fato representar nosso potencial criativo.

Dentre todas as figuras memoráveis que são apresentadas de maneira instigante no documentário, uma das mais curiosas são as Guerrilla Girls, artistas que dialogam diretamente com as forças validadoras do mundo da arte. De maneira anônima, mas impossível de não notar, elas fazem performances e outras produções que questionam a valorização diminuta das mulheres artistas enquanto usam fantasias de gorila (uma brincadeira com a pronúncia em inglês das palavras “guerrilla” e “gorila”). Nos anos 1980, elas questionaram, por exemplo, por que o Museu de Arte moderna de Nova York escolheu apenas 13 mulheres dentre 169 artistas para uma exposição de novos nomes da pintura e escultura. Não raro, elas incorporam também as diferenças de representação entre artistas caucasianos e de outras etnias, acompanhando a própria leva de discussões dentro do feminismo da época, que apontava cada vez mais a necessidade de abraçar uma interseccionalidade, ainda que o grupo receba críticas de como promove isso tudo.

Com um tema tão provocador, é um tanto irresistível não tentar abarcar a grande discussão de “!Mulheres Arte Revolução” e esquecer de pensa-lo como cinema em sua forma. Porém, seria injusto não pontuar como Leeson constrói seu filme de forma a pincelar nele algo de cinéma vérité, colocando-se como participadora ativa e explicando algumas de suas tomadas de decisão de forma a expor como o filme constrói suas asserções. Também há de se valorizar como ela equilibra uma ampla pesquisa de fontes e documentos com momentos poéticos e altamente emocionais, tais como a memória da trágica figura da artista Ana Mendieta (muitos são os que acreditam que ela foi assassinada pelo marido, Carl Andre). Assim, o filme de Leeson cumpre uma das tarefas mais tradicionalmente atreladas ao documentário: o de disseminar conhecimento e instigar o espectador a querer saber mais.