A solidão pode vir vestida de várias formas. Pode estar sendo representada por diversos simbolismos, pode estar nos envolvendo lentamente e nós nem percebemos. Ela pode vir acompanhada da sensação de incompreensão, desconforto com a proximidade de outras pessoas e também ser o primeiro passo ou o último em uma relação. A verdade é que a solidão está presente em todos os aspectos da nossa vida e é a responsável por fazer as coisas estacionarem e fluírem. É assim que Urszula Antoniak constrói a sua narrativa em Nada Pessoal.

Acompanha-se uma mulher sem nome (Lotte Verbeek), que na primeira cena da película, assiste as pessoas carregando as coisas que ela deixou para o lado de fora de sua casa. Sem esboçar qualquer reação, os observa estapear-se para possuir algo que um dia fora seu, mas que não lhe faz mais falta. E é relacionado a isso que o primeiro momento do filme se alicerça. Sobre o desprendimento, abandono e a leve busca por apagar vestígios de identidade. Acompanha-se a desconstrução de uma personalidade e o quão longe se caminha até chegar-se ao ponto de início de uma nova personalidade/identidade.

A personagem se desconstrói a tal ponto de fazer questão de ocultar o seu nome. Sem nome, sem identidade. Ela segue sua caminhada a pé, em acampamento, alimentando-se de comida encontrada na lixeira. Numa trajetória crescente rumo ao desapego e ao autoesquecimento. Mas é ao encontrar uma casa no interior da Irlanda que o ciclo de sua existência parece mexer os ponteiros. E o interessante é observar o quanto isso pode estar conectado ao encontro entre estranhos citado por Bauman.

Nada Pessoal apresenta os ciclos sobre o qual a vida humana é construída. Levando a reflexão sobre como essas fases incidem sobre a existência e como estamos fadados a viver repetidamente dentro de uma mesma etapa, mas com recortes diferentes. E é a partir disso que a relação entre o dono do sítio (Stephen Rea) em que a personagem se aloja e ela se torna tão significativo e tão intrínseco a teoria pós-moderna de Bauman. Para o sociólogo, nessa relação não há troca de informações pessoais. Não há indagações sobre tentativas, atribulações, alegrias, nada e é justamente tudo aquilo que em sua desconstrução, a personagem que acompanhamos na película busca na relação. Para ela, o simples fato de haver uma pergunta que crie qualquer aspecto de intimidade, já é o suficiente para abandonar o que pode estar construindo. E isto é o que protege as pessoas umas das outras e mesmo assim, permite que vivam juntas. Antoniak consegue evidenciar e esclarecer esse conceito durante os 85 minutos de projeção.

Escrito e dirigido pela polonesa Urszula Antoniak, a narrativa apresenta cinco interlúdios textuais: Solidão, Fim de Relação, Casamento, Início de Relação, Só. Nessa mesma sequência, como o surgimento de uma relação, mas contada de forma inversa. Assim, é possível acompanhar o quanto o encontro entre os dois personagens é um evento sem passado e sem um propenso futuro, apresentado como uma relação sem muitos vínculos e porquês para continuar, mas como uma oportunidade única para se consumar, enquanto seu ato existe na plenitude temporal. Não há espaço para outra ocasião ou questões inacabadas para o depois, apenas o momento no pequeno sítio em que os dois vivem. Ele em sua leitura, músicas. Ela, em seu cuidado pela horta. O silêncio é o grande guia para a compreensão e absorção da narrativa. Os dois não tem passado, não tem futuro, só tem o pequeno infinito, como diria John Green, em que seu ciclo se desenrola.

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Os dois não são identificados, não tem histórias, ideias, apenas percepções e sentimentos. Eles existem dentro de universos particulares que se aliteram numa dinâmica constante de renovação de ciclos intermináveis onde o apego e o desapego os movem. Enquanto a mulher está sempre apta a busca e renovação, por isso a desconstrução perene de sua identidade e personalidade, o homem tem a necessidade constate e intermitente de se relacionar, de criar vínculos. Ambos tão diferentes, tão estranhos entre si, que acabam por fomentar a fragilidade de duração do laço forte que há entre eles. Mais do que dentro do momento de duração encontro entre estranhos, essa é uma característica da solidão que se instaura nos dois e nos devolve a pergunta sobre quem são.

A fotografia conecta ainda mais essa ideia. Centralizando a personagem de Verbeek no quadro, em inúmeras cenas, desde sua admiração por um dos cenários da Irlanda printados na película até sentada em um banco, encostada na parede. Não se conhece seus motivos, mas compreende-se que sua jornada é no mundo, em busca de sensações, de liberdade. A diretora consegue extrair o máximo da atriz, que exporta todas essas percepções em tela.

Com poucas palavras, Antoniak nos faz caminhar por trilhos de silêncio e solidão, por meio de alguém que embora esteja em constante renovação e quebra de identidade, se apresenta completamente livre. A obra evoca símbolos e sensações sobre a solidão, os relacionamentos e a ausência de som. É um filme minimalista, silencioso e que desperta uma imensa vontade ficar só, mas, simultaneamente, de viver pequenos infinitos sem a presença do passado e a perturbação do incólume futuro.