Ainda está na moda a questão das biografias autorizadas, não autorizadas?

Talvez ainda haja tempo para que Não Pare na Pista: A Melhor História de Paulo Coelho (que título difícil! Pronuncie-o em voz alta) entre na baila, e vire exemplo para defender ou não a liberdade de expressão, ou o direito à privacidade de cada indivíduo, etc.

Mas acho que isso só pode virar assunto pra programas televisivos menos analíticos, como o do Pedro Bial (claro, refiro-me ao Big Brother Brasil), pois como cinema, produto audiovisual, pouco há o que se falar sobre este equívoco cinematográfico.

Acompanhando diversos momentos da vida do escritor, o conhecemos ainda na adolescência (interpretado por Ravel Andrade), com os seus cada vez mais constantes problemas de relacionamento com o pai, Pedro (Enrique Diaz). Depois disso acompanhamos o escritor (mais velho, interpretado por Júlio Andrade) começando a sua carreira como compositor, ao lado de Raul Seixas (Lucci Ferreira); anos mais tarde como dirigente de gravadora, com um bloqueio criativo, que o leva ao caminho de Santiago de Compostela; e em 2013, acompanhado de sua esposa, Christina (Fabiana Gugli), quando sai de Genebra para a Espanha para comemorar os 25 anos de lançamento de O Alquimista, sua obra mais famosa.

Lendo a sinopse, é possível imaginar que o filme, pelas idas e vindas no tempo, é uma espécie de Rashomon (1950), que poderia exigir bastante atenção do espectador, pra que ele não se perca na história, haja vista que esses diferentes momentos da vida do autor vão se misturando durante o filme.

Nada disso.

Mas não por qualidade da direção. Infelizmente, Daniel Augusto opta por inserir legendas em cada transição, nos informando onde a história está se passando no momento, e a data. Fazendo isso, praticamente todas as vezes que esse tipo de mudança acontece! Depois da décima vez, desisti de contar. Parece que ele acredita que a plateia sofre de perda de memória recente, talvez tenha visto Memento dias antes de gravar, e acabou confundindo um pouco as coisas, visto que ele subestima a inteligência do público de todas as maneiras.

Sua direção é absolutamente equivocada em toda a mise-en-scène do filme, adotando sempre um método canastrão de apresentar as situações do pobre roteiro de Carolina Kotscho. As situações são criadas de fora pra dentro, pensando muito mais no efeito que causam, do que no percurso para chegar até ali. Tais acontecimentos acontecem motivados pelos péssimos diálogos, como quando Christina critica Paulo dizendo: “cadê aquele compositor genial por quem me apaixonei?”; ou na festa do colégio, quando a mãe diz pra filha: “mas logo o menino mais feio da festa?”; ou ainda quando Raul Seixas explica como se faz uma letra de música, e Coelho responde com: “Ei, Al Capone, vê se te orienta!”. Kotscho acha que tem algo fantástico para falar, e o faz dizendo com todas as letras, e ainda esfrega com força a mensagem na nossa cara para que não haja nenhum risco de termos perdido a informação.

Quando não é assim é Augusto quem “chama a responsabilidade” e tira da cartola uns planos desfocados, com câmera tremida, criando um congestionamento visual que é pura perfumaria, uma abissal falta do que dizer, embalada num rebuscamento pueril. A cena da praia, em que Coelho encontra Ziza (Paz Veja); e quando Jay (Nancho Novo) se apresenta e fala da espada, e do caminho que o escritor terá de percorrer, surgem como estandartes da vergonha alheia do cinema brasileiro em 2014, é uma pretensão tão apaixonada de que se está fazendo algo além da superfície, que chega a despertar certa pena diante de tamanha ingenuidade. E quando vemos o “suposto” talento do autor como palhaço (numa cena com um manjadíssimo plano atrás do jovem Coelho, com ele encobrindo o refletor), e isso é colocado como uma espécie de talento, um dom inesperado, vê-se que Augusto tem certa dificuldade em notar que não há beleza alguma ali, há apenas um adolescente fazendo graça sendo razoavelmente bem sucedido por jogar baixo com a plateia, jogando doces para as crianças. Tava esperando o momento em que ele iria propor brincar de morto-vivo.

O elenco é a principal vítima da direção, nos entregando trabalhos bastante problemáticos, até porque não haveria como ser diferente. É uma pena ver gente talentosa como Júlio Andrade, Fabíula Nascimento, Enrique Diaz e Fabiana Gugli, em atuações tão pálidas, com os dois pés na canastronice, no caminho fácil, optando pela identificação imediata com a plateia.

Embora tenha de ressaltar a boa atuação de Lucci Ferreira que, optando ou não pela imitação de Raul Seixas, é quem mais se distancia do artificialismo dos demais.

Se tiver que fuçar alguma qualidade, devo reconhecer o ótimo trabalho de maquiagem para nos apresentar o Paulo Coelho atual. Dependendo do ângulo da câmera, e como o ator é filmado, é realmente difícil diferenciar o ator do personagem. Um trabalho que certamente irá se tornar referência para o cinema brasileiro.

Mas infelizmente isso é muito pouco, quase nada.  E este resultado é o único possível quando uma direção, que tem como base um roteiro fraquíssimo, pensa muito mais no efeito que o filme causa na plateia, do que na causa que move aquela história.

NOTA: 4,0