“Nossas noites” (Our souls at night, 2017) é o tipo de filme que tudo para agradar à ampla fatia de público que gosta de assistir a algo na televisão, mas não necessariamente se considera entendido no assunto: pertence a um gênero cinematográfico popular (o romance, no caso), possui um par de protagonistas conhecidos e bem quistos, um roteiro de linhas gerais bem desenvolvidas, bela fotografia e elenco secundário interessante, dentro outros tantos pontos. Resumindo: é um projeto perfeito para o atual status da Netflix, cujas séries e, principalmente, filmes já não são mais garantia de qualidade e originalidade, e que precisa provar sua força de tempos em tempos, ao invés de dar o jogo por vencido.

Ao reunir Robert Redford e Jane Fonda, um duo de peso como o casal de protagonistas, e se dar ao luxo de ter um Bruce Dern praticamente fazendo ponta, o longa abre alas para tentar mostrar essa tal força. Consegue, em termos. Dirigido por Ritesh Batra (de “The Lunchbox”, 2013) e baseado no livro de mesmo nome, “Nossas noites” busca equilibrar o número de “plays” no sistema de video on demand com uma narrativa bem construída, além de ganhar pontos também ao focar num casal na terceira idade nesse romance, ao invés do imperativo casal na faixa dos 20-30 anos.

Esse é, sem dúvida, um dos pontos mais positivos de “Nossas noites”: trazer personagens mais velhos que sejam multidimensionais. A sutileza de Redford em sua atuação como Louis e o jeito mais atrevido de Fonda como Addie só reforçam como esse grupo etário é subrepresentado nos filmes atuais. Aqui, eles têm a chance de interpretar pessoas que são muito mais que avós, capazes de protagonizar sua própria história – uma de amor, ainda por cima.

Na trama, Addie propõe ao vizinho Louis um acordo inusitado: que durmam juntos, para enfrentar a solidão e a insônia. Ele reluta, mas topa, e rapidamente eles descobrem que a convivência pode ir além da conveniência. O próprio ponto de partida do romance se diferencia dos filmes mais tradicionais, focados em casais jovens: Louis e Addie se veem, de início, para além dos ímpetos que os levariam a travar um novo relacionamento décadas atrás, e tudo que buscam é um pouco de companhia e noites melhores; nesse sentido, o sexo não é imperativo (embora também não seja excluído), e uma boa conversa vale mais que jogos de sedução mais lascivos. Várias das preocupações de épocas passadas também deixam de ser importantes, como bem coloca Addie ao demonstrar total conformidade com as fofocas iniciais sobre relação entre eles.

Dentro da multidimensionalidade do duo protagonista, temos elementos que fazem com que Louis e Addie sejam mais que “velhinhos fofinhos que se apaixonam”. O passado de ambos é marcado por falhas – ela, por ter negligenciado o filho após a morte de outra filha, e ele, por ter abandonado a família por um período durante a juventude. As marcas desses e outros feitos são visíveis nos personagens, apesar da narrativa ser, no geral, bastante leve e agradável ao longo do filme, conferindo-lhes humanidade mesmo numa obra que tem tanta cara de ser sido feito para agradar.

Em “Nossas Noites”, os pontos de reviravolta característicos da narrativa nesse gênero também de reconfiguram: temos a chegada do neto de Addie, Jamie (Iain Armitage, da série “Young Sheldon”) na casa, ou a resistência do filho dela, Gene (Matthias Schoenaerts), ao curioso relacionamento, assim como certo distanciamento entre Louis e sua filha, Holly (Judy Greer, sempre subaproveitada) como principais sobressaltos na vida do casal.

Pontos clichês dos filmes de romance são, dessa maneira, retrabalhados para se adequar melhor à realidade de nosso duo. Esse jogo acaba por dar ao longa um ar de novidade a uma estrutura de roteiro bastante reconhecível para quem é fã do gênero, o que não deixa de ser uma jogada inteligente no contexto de uma produção Netflix, que se vende como criativa, mas que precisa cada vez mais balancear inovação e cliques. É também mérito de Scott Neustadter e Michael H. Weber, que já vêm da parceria em “(500) dias com ela” e “A culpa é das estrelas”, responsáveis pelo roteiro, juntamente com o autor do livro original, Kent Haruf.

Outra garantia feita pelo serviço de video on demand tem a ver com o esmero de aspectos mais técnicos em “Nossas noites”. O longa conta, por exemplo, com uma direção de fotografia belíssima por Stephen Goldblatt , de “Closer – Perto demais” (Closer, 2004), “Julie & Julia” (idem, 2009) e “Histórias cruzadas” (The Help, 2011) – ou seja, um cara que sabe como trabalhar com luzes suaves e cores que transmitam conforto num leve desaturamento. Já a trilha sonora aposta em tranquilas canções country e algumas músicas mais antigas, casando muito bem com a atmosfera de “romance com certas dificuldades, mas nada muito perturbador” do aspecto visual do longa.

Toda essa amabilidade faz de “Nossas noites” um filme de fácil e agradável consumo, porém, sem nada de tão marcante para além de suas 1h43min. Por mais que Redford e Fonda consigam mostrar porque se tornaram astros tão icônicos no decorrer de suas carreiras, dada a boa química entre eles, a distância entre esse filme e um “As Pontes de Madison” (The bridges of Madison County, 1995) é gritante. Aos amantes de um bom e tradicional filme “água com açúcar”, porém, não deixa de ser um exemplar pra se colocar na lista para assistir mais tarde na Netflix.