A pauta sobre a descriminalização do aborto teve uma semana importante tanto no Brasil quanto na Argentina. Por aqui, o Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou as audiências públicas para ouvir representantes da sociedade civil com relação ao assunto. O tema foi levantado por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, ação apresentada pelo PSOL, com assessoria do Instituto de Bioética Anis, que busca a descriminalização da interrupção da gravidez até a 12ª semana de gravidez.

Já na Argentina, o Senado rejeitou a legalização do aborto por 38 votos contra 31. O projeto de lei chegou a ser aprovado pela Câmara dos Deputados e tinha uma boa aprovação popular, mesmo em um país de grande força católica – o atual papa, por exemplo, é de lá.

Segundo a Pesquisa Nacional do Aborto (PNA), realizada pela UnB em 2016, com mulheres entre 18 e 39 anos, uma em cada cinco mulheres já realizou, pelo menos, um aborto em sua vida. Essa é apenas uma pequena amostragem da quantidade de mulheres que já passaram por essa situação no Brasil a qual inclui mulheres que eram mães e que no futuro pretendiam ser.

O aborto é legalizado em 63 países, cujas regras variam quanto ao tempo de gestação. Tendo localidades, como Singapura, em que a interrupção é permitida em até 24 semanas de gestação da mulher.

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Entrando na discussão, o Cine SET listou sete momentos que a ficção tratou à temática, levantando questões morais, judiciais e, principalmente, como a experiência marca a vida das pessoas:


7 – Aprendendo com a vovó

Essa comédia dramática protagonizada por Lily Tomlin e Julia Garner é um road movie dividido em seis atos. Elle (Tomlin) recebe a visita inesperada da neta, Sage (Garner), que precisa de dinheiro até o fim do dia para realizar um aborto. As duas embarcam numa road trip feminista e de autodescobertas, em que o aborto é amplamente discutido por ambas que encontram pelo caminho quem o trate com naturalidade e quem as destrate por colocá-lo em pauta.

Um dos pontos mais interessantes na obra é a relação entre avó e neta e como a narrativa clichê de descobertas em road movies é desconstruídas. Outro aspecto que vale a pena conferir é como a família de Sage, avó e mãe, lidam com a escolha da adolescente, que para o desgosto da mãe é uma versão mais nova de Elle.

6 – Pendular

O drama nacional escrito e dirigido por Julia Murat mostra um interessante mergulho no processo artístico, ressaltando a figura do autor e os intricados processos de criação. Esta poderia ser a única abordagem da trama, mas ela expande-se para a gestação. Toda a arte é apenas uma metáfora para como a vida familiar se constrói.

Neste sentido, a forma como o casal lida com o espaço é o reflexo de como a relação deles é fundamentada. Logo, a diferente visão que possuem sobre gerar um novo membro a pequena família e como reagem a escolha do parceiro é algo imposto a questionamentos durante a projeção e salienta a decisão dela de interromper a gravidez.


5 – Um Assunto de Mulheres

Isabelle Ruppert encarna, nesse filme de Claude Chabrol, Marie, mãe de duas crianças e esposa de um marido na guerra, que ajuda uma amiga a realizar um aborto e pouco a pouco vai sendo conhecida por esse “assunto de mulher”, como costuma descrever o que faz para o marido.

Chabrol constrói a obra levando o expectador a aproximar-se de Marie, compreender seus sonhos, dores, ambições e o ofício. A condução do filme é impactante, forte e tocante. Ruppert e Chabrol levam a uma verdadeira e impulsiva viagem pela psique feminina presente na primeira metade do século XX na Europa.


4 – Where are my children? (1916)

Uma volta ao cinema mudo de Lois Weber, a trama apresenta o promotor de justiça, Walton (Tyrone Power), que processa um médico por realizar abortos ilegais, sem saber que uma das pessoas que freqüenta a clínica e a indica a outras mulheres é sua esposa.

O filme traz uma visão de cem anos de diferença sobre a maternidade e o conservadorismo que dominava a sociedade de Weber. Apesar disso, é importante ressaltar as barreiras que ele ultrapassou ao abordar a temática em 1916.


3 – Invisível

Pablo Giorgelli capta o drama da adolescente Elly (Mora Arenillas). Apática, desinteressada pelos estudos e intensa em suas decisões, ela mora em Bueros Aires com a mãe, que passa por uma depressão aguda a ponto de não sair de casa a semanas. Assim, Elly assume as responsabilidades da casa e acaba se envolvendo com um homem mais velho, não para suprir uma carência emocional, mas apenas por sexo casual.

Quando descobre estar grávida, a adolescente procura ajuda na única amiga, que sem julgamentos, busca métodos para abortar sem que haja vestígios da ação, já que, assim como no Brasil, o aborto é considerado crime na Argentina. Quando nada dá certo, Elly procura o pai da criança para que financie o procedimento numa clínica clandestina.


2 – 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias

Cru. Realista. Visceral. Essas três palavras sintetizam a obra de Cristian Mungiu que ganhou a Palma de Ouro em 2007. Ambientado na Romênia de 1987, ancorada em um regime totalitarista, acompanha-se duas estudantes, Otília (Anamaria Marinca) e Gabriela (Laura Vasiliu), que contratam alguém para fazer um aborto ilegal.

De forma crua, a trama detalha todos os passos do procedimento e como o psicológico das pessoas que estão envolvidas, mesmo sem serem as que passarão pela interrupção, é afetado. A narrativa é tensa, dramática e realista. Nada é poupada a vista do expectador que anseia por ver o que acontecerá com a dupla e o desfecho da situação.

Talvez de todos os longas listados aqui, este seja o que possui as imagens mais fortes e reais de abortos ilegais.


1 – 24 Semanas

A controvérsia que envolve a questão do aborto – e sua legalização – assume a palpabilidade de seus contornos na ficção de Anne Zohra Berrached. Em “24 Semanas”, a narrativa aborda os detalhes mais árduos e tangíveis da discussão, ao trazer um casal (Julia Jentsch e Bjarne Madel) com uma vida estável, que já possui uma filha, a espera de um bebê com Síndrome de Down e, na segunda ultrassom, descobrem que ele também terá complicações no coração, precisando ser operado em suas primeiras semanas de vida.

Partindo dessa premissa, o roteiro não assume lados, não induz a discussão a maniqueísmo, mas apresenta argumentos sólidos que podem ser defendidos com convicção pelos dois lados. Deixando evidente que qualquer decisão tomada acometerá dor e sofrimento a família, e, independente do laço que haja entre o pai, a decisão final é daquela que abriga a gestação pelos nove meses.

Um filme forte, que fomenta o debate e oferece um novo frescor a ambos os lados da discussão. Dilacerante. Angustiante. Doloroso.