É notório que o suspense e terror nacional não caíram ainda nas graças do circuito comercial quando comparado às comédias e dramas. Isso não significa que filmes do gênero não estão sendo produzidos, mas grande parte fica restrito a segmentos alternativos, como festivais voltados ao cinema fantástico. Por isso é uma pena constatar que quando um exemplar contorna estes obstáculos, alcançando os cinemas, o produto é muitas vezes inferior, do que esperamos: Desaparecidos (2012), Isolados (2014) e O Amuleto (2015) são exemplares ruins que chegaram aos cinemas brasileiros recentemente.

Pelo menos nos últimos seis meses, a sorte vem assoprando a favor dos amantes do gênero: O slasher Condado Macabro teve uma boa distribuição nos cinemas nacionais, mesmo não passando em Manaus. Em contrapartida, O Escaravelho do Diabo chegou à cidade e mesmo sendo centrado no suspense, continha elementos de terror. Por isso, finalmente um exemplar desta nova safra teve a sua estreia nos cinemas manauaras – ainda que restrito a uma única rede de cinema, O UCI – neste último final de semana, O Caseiro, segundo trabalho de Júlio Santi. Este feito notável de boa distribuição em escala nacional, ganha outro bônus interessante pelo fato dele ser um conto de terror eficiente, que apesar de não agregar novidades a temática, é bem conduzido principalmente pela ótima atmosfera e por respeitar a inteligência do espectador ao abordar o sobrenatural dentro do saber científico da parapsicologia.

Nele, somos apresentados ao psicólogo e professor universitário Davi (Bruno Garcia). Ele leciona uma disciplina que explica os fenômenos sobrenaturais através da psicanálise, com base no livro que escreveu sobre um caso antigo e por isso acredita que traumas psicológicos produzem manifestações mentais que geram no nosso imaginário, os fantasmas e assombrações. Uma das suas alunas do curso, Renata (Malu Rodrigues) pede sua ajuda para investigar um estranho caso familiar, onde a sua irmã caçula Júlia de 7 anos, está sendo vítima de uma entidade que a amedronta e deixa marcas físicas pelo corpo. O pai de Renata (Leonardo Pacheco) acredita que a filha está sendo assombrada pelo fantasma do antigo caseiro da sua propriedade, que se suicidou no local há 40 anos. Cético, Davi aceita o caso e imagina que o abuso sofrido pela menina envolve questões familiares e não sobrenaturais.

O Caseiro pode ser classificado como um filme híbrido entre o terror e suspense com retoques investigativos. O roteiro trabalha bem as duas temáticas e permite que o encontro entre elas renda momentos eficientes de tensão. É nítido que a fonte de inspiração são os filmes clássicos de fantasmas como a Casa da Noite Eterna (1973), O Sexto Sentido (1999) e Os Outros (2001), sendo os dois últimos as referências mais óbvias. Santi privilegia a construção da atmosfera de suspense que sabe valorizar a tensão crescente. Por isso não espere sustos fáceis ou uma narrativa dinâmica, até porque em grande parte da sua duração, o longa apresenta um ritmo lento que prefere desenvolver as pistas do enigma principal da trama.

Neste quesito, quem espera um terror comercial no estilo de Invocação do Mal 2 com certeza sairá decepcionado da sala, pois não há qualquer jump scares para assustar ou provocar o medo físico. A sua proposta é mais nos levar a se envolver com a história de mistério – estimular o público a virar um Sherlock Holmes para juntar as peças do quebra-cabeça – e no conflito do protagonista entre a ciência versus o sobrenatural. Outro elemento interessante é que o roteiro se mostra eficiente em trabalhar dentro do texto, as lendas urbanas do folclore nacional, tratando o assunto com seriedade e frescor necessário, frente à atmosfera de suspense sobrenatural.

Neste aspecto, ambientação de O Caseiro é um dos seus fatores mais notáveis, já que em nenhum momento passa a impressão de uma produção amadora. A atmosfera criada é convincente com os planos-sequências e enquadramentos elegantes e faz uma alusão visual a O Iluminado (1980) de Stanley Kubrick principalmente em captar crianças em corredores longos. Esta técnica cinematográfica facilita na fotografia, com uma iluminação ora naturalista, ora soturna. Isso contribui para os cenários noturnos serem encenados através de jogos de luzes e sombras, ainda mais nas cenas que ocorrem na casa do caseiro e é interessante notar o efeito desconfortante que sentimos nestes momentos, em razão da imersão claustrofóbica gerada pela ambientação.

Em contrapartida, é difícil fechar os olhos para certos problemas da produção. Ela não deixa de ser mais uma adaptação fantasmagórica com os mesmos clichês desgastados de terror, já vistos excessivamente nos produtos enlatados americanos. Santi segue a estrutura narrativa do cinema comercial mainstream americano e por mais que evite os maneirismos e vícios destas produções, a fórmula utilizada já não causa o mesmo impacto.  O Caseiro jamais arrisca ou sai da zona de conforto, logo, não há momentos memoráveis ou criativos. A própria temática inicial de debater o sobrenatural através da ciência, jamais é aprofundada ou apresenta uma textura mais crítica. A inexperiência do diretor com o suspense é vista no ato final um tanto quanto atropelado – a sensação da perda do domínio do enredo é nítida pelas escolhas do Plot Twist final – quando comparado ao restante do filme.

As atuações são naturais, mas irregulares em vários momentos. Garcia mesmo firme na composição cética de Davi impõe uma frieza acima da necessária e impede uma empatia maior pelo público em relação ao seu protagonista. As crianças que são as personagens centrais da trama são delegadas a atrizes inexperientes, o que quebra a dramaticidade do filme em certas cenas. Os destaques ficam para Malu Rodrigues e a veterana Denise Weiberg que oferece a ambiguidade necessária a sua personagem.


O resultado final é que o Caseiro é um trabalho interessante, bem feito e deve ser valorizado por cumprir aquilo que se propõe com eficiência e qualidade. Reproduz vários clichês do cinema americano de horror, mas é bem superior a diversos lançados este ano. Tem suas fraquezas, por preferir ficar na comodidade do seu conteúdo. Uma experiência que satisfaz imediatamente na sala de cinema, mas a longo prazo não se torna memorável. Ainda assim, merece ser apreciado pela sua coragem de investir em um segmento do mercado nacional que poucos arriscam. Mostra que dentro do cinema brasileiro, há bons trabalhos no gênero de terror e suspense que foge da visão trash como  imagina o grande público. E espero que futuramente os fãs manauaras do sobrenatural possam presenciar nas salas cinematográficas, mais filmes eficientes como ele, dentro do gênero.