Há quem diga que há algo de real em tudo de macabro que conjuramos. Em “O Clube dos Canibais”, novo filme do brasileiro Guto Parente, a realidade, ainda que fantástica, da situação de seus protagonistas traz um suspense a mais, em um filme elegante e sanguinolento que mantém a excelente safra do atual terror nacional.

Nele, Gilda (Ana Luiza Rios) e Otávio (Tavinho Teixeira) são um casal que vive as benesses e agruras do 1% em uma mansão nos arredores de Fortaleza. Eles são rodeados de opulência, fazem negócios com políticos importantes e têm uma vida social ativa. Os dois também têm um hábito bastante peculiar: matar e devorar seus empregados, trocando-os constantemente para manter saciada a sua demanda.

Como o título do filme dá a entender, eles não estão sozinhos: são parte de um grupo de ricaços fãs de carne humana que tem reuniões regulares, capitaneado pelo deputado Borges (Pedro Domingues). Quando, no entanto, o casal cai em desfavor com o chefe do clã, eles se veem tendo que lutar para não ter o mesmo fim de suas vítimas.

Grande parte do pavor do longa vêm de um senso de opressão social que o diretor, que também assina o roteiro, traz para a trama sem sutileza. As vítimas do grupo são quase que exclusivamente negras e pobres – pessoas que, num país ainda largamente racista e classista, não têm voz para gritar, força para resistir ou mesmo quem lhes sinta a falta.

A cena da admissão do capataz Jonas (Zé Maria) deixa isso bem claro, com a atendente da agência de emprego contratando-o, mesmo sem experiência na função, quando ele diz que não tem família próxima. As interações de Gilda e Borges com seus subalternos também expõe a vulnerabilidade destes.

Para além da crítica social e da violência, “O Clube dos Canibais” é deliciosamente adulto na medida em que estabelece uma conexão direta entre os crimes dos poderosos e sua sexualidade. Antes de devorar suas vítimas, Gilda se diverte transando com elas e Otávio se masturba ao ver sua mulher o traindo. Os assassinatos vêm para eles como um gozo partilhado, algo que outra sequência aponta como sendo comum entre os membros do seu clube.

Em meio a tudo isso, é impossível não notar o controle com que Guto Parente elabora a tensão do longa, especialmente no terceiro ato. A essa altura, já conhecemos a casa do casal como a palma de nossas mãos e o suspense se torna palpável justamente porque sabemos todos os esconderijos possíveis e tudo o que os envolvidos são capazes.

Como os melhores filmes de gênero, “O Clube dos Canibais” faz pleno uso de sua estrutura para tratar de um medo muito real – o medo de uma elite que literalmente devora os pobres e que, sem controle ou moralidade, pode seguir agindo despercebida.