O diretor de “O Som ao Redor”, Kleber Mendonça Filho concedeu um curiosa entrevista ao Canal Brasil antes do início da premiação do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro realizado na noite de terça-feira (26) no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Perguntado pela repórter se estava ansioso para a divulgação dos vencedores, o cineasta afirmou que estava ali para ver amigos e que festa com bebida de graça era sempre bom. Se o discurso do “competir é mais importante que ganhar” pode ter sido a intenção principal do cineasta, observar a lista dos principais vencedores do evento permite um outro olhar sobre tanto desprendimento do pernambucano.

O Grande Prêmio do Cinema Brasileiro nasceu com o intuito de ser algo semelhante ao Oscar: a ideia de uma premiação para celebrar a diversidade da produção feita no país seja na ficção, animação, documentário, longas e curtas-metragens. A formação de uma Academia com um moderno sistema de votação e voltada para discutir a arte tinha tudo para ser uma iniciativa ótima para o desenvolvimento cinematográfico e valorização de nossos artistas.

O evento, porém, nunca chegou a atingir um status de grande relevância dentro do contexto nacional. Muito desse desprestígio causado pela opção de valorizar muito mais as grandes produções com nomes famosos do que prestigiar quem realmente fez trabalhos relevantes seja de onde vier. O peso de ter uma empresa forte por trás como a Globo Filmes, Fox, Sony, Lereby, O2 Filmes (todos apoiadores do prêmio) parece ajudar a conseguir mais indicações e se tornar favorito a ganhar categorias.

A história do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro traz uma série de vencedores mais do que questionáveis: “Cazuza” (2006) e “Gonzaga” (2013) como Melhor Filme, Ângelo Antônio (“2 Filhos de Francisco”) como Melhor Ator em 2007, Deborah Secco (“Bruna Surfistinha” – 2012) e Dira Paes (“À Beira do Caminho” – 2013) eleitas Melhores Atrizes, Cássia Kiss (“Chico Xavier” – 2011) como Melhor Atriz Coadjuvante. Nenhum desses citados são trabalhos ruins, porém, fica a sensação de que nossa produção está péssima para não ter escolhas melhores, o que não é o caso.

2014 reforça ainda mais essa tese de que vale mais o padrinho forte e ser famoso para se dar bem no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro.

Desde as indicações já se podia notar certas escolhas sem a menor lógica: como deixar justo “O Som ao Redor” fora da categoria de melhor som? “Minha Mãe é uma Peça” indicado a Melhor Roteiro Adaptado e “Um Mato Sem Cachorro” para Melhor Roteiro Original? Jesuíta Barbosa indicado como coadjuvante por “Serra Pelada” e não por “Tatuagem”? Por que Bianca Comparato e não Laila Zaid em “Somos Tão Jovens como atriz coadjuvante? Wagner Moura indicado como Melhor Ator por “A Busca” em vez de Thiago Mendonça por “Somos Tão Jovens”? Jura que Fernanda Montenegro precisava estar por “O Tempo e o Vento”? Cadê as indicações de filmes alternativos como “Hoje”, “A Memória Que Me Contam”, “Avanti Popolo”, Boa Sorte, Meu Amor”, “Educação Sentimental” e o amazonense “A Floresta de Jonathas”?

O desastre se tornou ainda maior pela escolhas patéticas dos vencedores do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. A preferência pelo mainstream ficou clara desde as questões técnicas com a escolha da montagem apenas correta de “Faroeste Caboclo” contra a pegada mais autoral de “O Som ao Redor” e as derrotas de “Tatuagem” nas categorias de figurino e direção de arte para “Flores Raras”. Sobrou até para a categoria de Melhor Filme Estrangeiro:  distribuído pelas poderosas Sony/Columbia, “Django Livre” conseguiu vencer os superiores “Azul é a Cor Mais Quente” e “Amor”, ambos da modesta Imovision em Melhor Filme Estrangeiro. O pior, porém, estava reservado para os prêmios principais.

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Se Bianca Comparato ter ganho como atriz coadjuvante sem ter feito grandes coisas em “Somos Tão Jovens” soa como algo intrigante, a vitória de Fabrício Boaventura na categoria de Melhor Ator por viver João de Santo Cristo em “Faroeste Caboclo” parece piada de mau gosto. Não que ele seja ruim, mas, fica impossível compará-lo com Irandhir Santos em “Tatuagem”. Basta apenas assistir o trabalho do pernambucano para saber o que estou falando. Somente a interpretação da música de Chico Buarque, “Meu Amor”, seria suficiente para Irandhir vencer a categoria.

Absurdo mesmo acabou sendo a categoria de Melhor Diretor. Kleber Mendonça Filho era a escolha exata por tudo que “O Som ao Redor” representa como retrato da sociedade brasileira com seus problemas atuais reflexos de um passado inquietador. Também não seria errado dar o prêmio a Hilton Lacerda pela força contestadora trazida por “Tatuagem” em tempos de Felicianos e Bolsonaros. Mesmo em patamares abaixo dos dois pernambucanos, a competência de Heitor Dhalia (“Serra Pelada”) e a leveza de Halder Gomes (“Cine Holliúdy”) poderiam ser recompensados com um prêmio. Porém, foi Bruno Barreto quem levou o prêmio para casa por “Flores Raras”.

Bruno Barreto?

Bruno Barreto?

Bruno Barreto?

Por quê? Qual o motivo? O que ele faz em “Flores Raras” capaz de superar em termos de narrativa, estética ou autoral os outros indicados?

Bruno Barreto vencer o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro 2014 como Melhor Diretor é muito pior que Gwyneth Paltrow vencer Fernanda Montenegro ou “Rocky” ganhar de “Taxi Driver” ou qualquer outra injustiça cometida ao longo de décadas pelo Oscar. Isso porque a premiação de Hollywood possui uma extensa história e consegue sobreviver pelo tamanho e força de sua indústria. Mesmo assim, a Academia americana ainda busca um equilíbrio entre o mainstream (Jennifer Lawrence, por exemplo, vencer Emanuelle Riva) com a busca por uma qualidade artística (o pequeno “12 Anos de Escravidão” ganhar do blockbuster “Gravidade”).

Já a nossa versão existe há apenas 12 anos e não se esforça para mesclar o nível artístico com o momento Caras. Isso, inclusive, permite a criação da patética categoria de Melhor Comédia Brasileira em Longa-Metragem como se fosse um incentivo a um gênero capaz de lotar cinemas através de histórias e piadas dignas do Zorra Total. O resultado acaba sendo o completo desinteresse seja da comunidade cinéfila e do público em geral pelo evento. Ou alguém viu alguma repercussão nas redes sociais sobre o evento?

Ao querer somente encontrar amigos e beber de graça, Kleber Mendonça Filho, talvez sem querer, expôs esse cenário de grande piada que é o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. Sem uma produtora forte e por comprado briga com a Globo Filmes, o cineasta pernambucano sabia que as chances de “O Som ao Redor” conseguir sucesso eram mínimas. E pouco importa se o filme era o melhor disparado.

VEJA A LISTA COMPLETA DE VENCEDORES DO GRANDE PRÊMIO DO CINEMA BRASILEIRO 2014:

Melhor Longa-Metragem de Ficção: Faroeste Caboclo

Melhor Direção: Bruno Barreto, por Flores Raras

Melhor Ator: Fabrício Boaventura, por Faroeste Caboclo

Melhor Atriz: Glória Pires, por Flores Raras

Melhor Ator Coadjuvante: Wagner Moura, por Serra Pelada

Melhor Atriz Coadjuvante: Bianca Comparato, por Somos Tão Jovens

Melhor Longa-Metragem de Ficção: Cine Holliúdy (Voto Popular)

Melhor Longa-Metragem Estrangeiro: Django Livre (Voto Popular)

Melhor Longa-Metragem de Documentário: Elena (Voto Popular)

Melhor Longa-Metragem de Comédia: Cine Holliúdy

Melhor Longa-Metragem Estrangeiro: Django Livre

Melhor Longa-Metragem de Animação: Uma História de Amor e Fúria

Melhor Longa-Metragem de Infantil: Meu Pé de Laranja Lima

Melhor Longa-Metragem de Documentário: A Luz do Tom

Melhor Roteiro Original: O Som ao Redor

Melhor Roteiro Adaptado: Faroeste Caboclo

Melhor Direção de Fotografia: Faroeste Caboclo

Melhor Trilha Sonora: A Luz do Tom

Melhor Som: Faroeste Caboclo

Melhor Trilha Sonora Original: Faroeste Caboclo

Melhor Montagem de Ficção: Faroeste Caboclo

Melhor Montagem de Documentário: Elena

Melhor Efeito Visual: “Uma História de Amor e Fúria” e “Serra Pelada”

Melhor Figurino: Flores Raras

Melhor Direção de Arte: Flores Raras

Melhor Maquiagem: Serra Pelada

Melhor Curta-Metragem de Animação: O Menino Que Sabia Voar

Melhor Curta-Metragem de Ficção: Flerte

Melhor Curta-Metragem de Documentário: A Guerra dos Gibis