Um serial killer “especializado” em vítimas ruivas e em deixar um escaravelho (uma espécie de besouro) como “prévia” do crime. Se você tem mais de 20 anos e sempre gostou de ler, é provável que saiba que esse é o mote de “O Escaravelho do Diabo”, de Lucia Machado de Almeida. O livro foi lançado lá nos anos 1950, mas só virou filme agora, pelas mãos de Carlos Milani. A espera, no entanto, valeu a pena. “O Escaravelho do Diabo” é um exemplar de primeira qualidade do cinema brasileiro ‘para menores’ e uma adaptação que capta bem o espírito daquele divertido livro que fez parte da infância de tantos.

“O Escaravelho do Diabo” se passa, de fato, em um universo paralelo: uma cidade cuja população é quase que toda tomada por ruivos (que, na vida real, são cada vez mais raros). Nesse cenário, somos apresentados ao Alberto da vez – aqui, o universitário do livro dá lugar a um esperto garotinho interpretado pelo carismático Thiago Rossetti. Após perceber uma disparidade entre os assassinatos que estão ocorrendo na cidade onde mora, ele resolve dar uma de detetive e fazer o trabalho de forma mais competentes que os policiais, comandados pelo delegado Pimentel (um Marcos Caruso não muito distante dos tipos que é acostumado a interpretar na TV).

Milani tem em suas mãos uma trama que já é envolvente desde a sinopse. Só que, no suspense, um bom diretor faz toda a diferença e, ainda que não seja Hitchcock ou uma Agatha Christie, o cineasta conduz a história com firmeza e brinca com o universo infantil com figuras já batidas, mas que aqui ganham um tom caricaturesco (um exemplo é o balançar dos cabelos da menina que Alberto ‘paquera’ – para usar uma palavra tão antiga quanto a série Vaga Lume).

Contudo, o roteiro falha ao costurar essa colcha de retalhos. Não há espaço para a dúvida e o delegado parece aceitar de forma natural o que Alberto lhe propõe. Da mesma forma, Milani peca no terceiro ato, quando apressa demais o desfecho, de forma que o ritmo mais lento do início da narrativa não condiz com a forma com que ela flui.

Em contrapartida, há de se elogiar a construção do filme não como um produto exclusivamente para crianças. Essa adaptação de “O Escaravelho do Diabo” tem cenas fortes (espere muito sangue) e um vilão que tem uma trajetória construída como que um crescendo (daí a lamentação por termos um último ato tão rápido). O antagonista do filme assusta de verdade e aqui vale elogiar a fotografia e principalmente o combo montagem + trilha, que não levam a história a sério – e o resultado é um tom kistch irresistível.

Destinado a se tornar um clássico da “Sessão da Tarde” e a ganhar plateias que nunca sequer ouviram falar daquele ótimo livrinho da coleção Vaga Lume, “O Escaravelho do Diabo” merece ser citado junto a outros bons exemplares do cinema “infantojuvenil”, como “Castelo Rá Tim Bum”, de Cao Hamburguer, e o hollywoodiano “Os Goonies”. Ainda que haja um desequilíbrio “rítmico” em sua trama, a adaptação defendida por Carlos Milani é cativante e tem a seu favor algo que lhe dá quase jogo ganho: o fator nostalgia. E, apesar dos pesares, ele não decepcionou.