A experiência de assistir um filme é sempre singular, capaz de causar as mais diversas reações físicas ou emocionais, alcança a sociedade de forma que, talvez, outras expressões artísticas não consigam. A percepção de cinema é feita de sensações, partindo disso, essa coluna tão especial do CineSet propõe expor como e porquê determinados filmes marcam sua audiência por suas mais variadas motivações.

Selecionei pessoas com diferentes perfis e relações diversas com cinema. Algumas que assistem o que parece interessante nos catálogos de serviços de streaming, outros são entusiastas do cinema autoral mundial, o apaixonado pelo cinema clássico de Hollywood na sua Era de Ouro e, ainda, aqueles que veem nos títulos em cartaz o escape da rotina nos fins de semana. Seja qualquer for o grau de envolvimento dos indivíduos com a grande tela, o lugar que o cinema ocupa em suas vidas, sempre há uma relação para estabelecer e sensação para viver. Seis pessoas dividiram comigo suas experiências, e você é nosso convidado para se inspirar com histórias.


BRUNO PANTOJA – “A AVENTURA”, DE MICHELANGELO ANTONIONI

O arquiteto Bruno Pantoja abriu o coração e contou com detalhes o forte significado e impacto que a obra “A Aventura”, realizada por um dos nomes de maior relevância do cinema, Michelangelo Antonioni, teve na sua vida.

“A vida seria bem melhor se tivesse um manual de instruções. Esta era a impressão que eu tinha ao me deparar com a crise dos 20 e tantos anos. Havia terminado a faculdade, comecei a trabalhar e logo me percebi como uma grande fraude. Nada parecia fazer muito sentido, todo aquele esforço diante da vida parecia não ser recompensado. A vida era agora uma grande mentira. Foi neste contexto que me deparei com o filme. Conta a história de Anna e Sandro, eles são noivos e saem para um cruzeiro pela Sicília. Neste cruzeiro, Anna desaparece misteriosamente. Sua amiga Cláudia que também estava no cruzeiro, fica abalada com o seu desaparecimento. Sandro e Cláudia, que gradualmente acabam se aproximando após o sumiço, empreendem uma peregrinação em busca de uma solução para o misterioso desaparecimento.

Neste que é o primeiro filme da trilogia da incomunicabilidade, somos apresentados a personagens profundamente atormentados por um sentimento de perda do sentido de suas vidas. Antonioni, o poeta do silêncio, conseguiu captar com este filme muito do que havia de desconforto em mim. A náusea diante das contingências da vida estava lá exposta de maneira bela e enigmática. O filme não apresenta qualquer resposta ou esperança de redenção para a vida. Ele exige sim do espectador a contrapartida de reflexão sobre um novo significado único, individual e possível. Ou seja, não há essência alguma que paira sobre nós de maneira a dar sentido a nossa existência. Apenas um vazio em nosso interior que não podemos descrever apenas sentir. Somos condenados à liberdade, sendo assim nossos únicos autores viáveis.

A obra de Antonioni é do tipo que você não sai o mesmo, ela o modifica e é modificada, sendo uma obra aberta perpetuamente a reflexão. Esta capacidade de modificação da perspectiva é a concretização da máxima que a arte pode salvar. Tanto pode mudar que agora estou aqui comentando sobre um filme italiano em um site especializado em cinema. Até há pouco tempo eu mal assistia aos blockbuster da Marvel. Mas nem tudo é fácil, sabe de uma coisa? Tudo bem, afinal agora sou eu quem escreve meu roteiro. Fui profundamente impactado por este filme e suas proposições não convencionais. E um dos muitos desdobramentos deste evento é o fato que hoje me dedico a tentar inserir cada vez mais cinema em minha arquitetura. Não parece fácil, mas devo isso a este filme. Por isso “A Aventura” é o meu filme da vida”.


FERNANDA JOSINO – “NOITES DE CABÍRIA”, DE FEDERICO FELLINI

Fã do cinema de autor, a conexão de Fernanda com a sétima arte é profunda e pessoal. O título escolhido marca bem essa relação, obra-prima do cinema italiano e da carreira do mestre Fellini, “Noites de Cabíria” é um dos responsáveis pela sua paixão por cinema. Não apenas pela história trágica desenvolvida na Itália em reconstrução do pós-guerra, “eu amo muito esse filme principalmente pela Cabíria em si, sabe? Ela é uma mulher que fala alto, sem modos, vai de esquina a esquina xingando quem a destrata, não leva desaforo para casa, não baixa a guarda. É forte, briguenta e, por muito pouco, explode. Ela é um turbilhão de emoções, gestos exagerados e gritos, mas quando ela se entrega, vira o ser humano mais vulnerável do mundo, ela encolhe”.

Muitos trabalhos são o que são e vivem por seus personagens, aqui a garota de programa é a alma do filme. Interpretada pela atriz Giulietta Masina, esposa e maior parceira artística do diretor italiano, foi com ela que a Fernanda estabeleceu essa ligação que vai além do mero espectador, “você quer dar colo e dizer que tudo ficará bem, mesmo que saiba que é mentira, o que não dá para aguentar é Cabíria quieta e triste.

Cabíria é a minha personagem favorita do cinema, ela é tudo que uma mulher “não deve ser”, seu silêncio ensurdece mais do que qualquer grito, mas ela nunca perde a esperança. No fim limpa as lágrimas e continua, ela é indestrutível. Cabíria é sem pedir desculpas alguma, uma mulher”, finaliza. 


HARIANY CAMPELO – “O FABULOSO DESTINO DE AMÉLIE POULAIN”, DE  JEAN-PIERRE JEUNET

O sucesso francês que arrebatou o coração de uma multidão, marcou a advogada Hariany em um momento de descobertas dolorosas. Por isso motivo, a obra ganhou a dimensão que tem e a fez enxergar a vida com olhos sensíveis novamente. “O filme da minha vida me trouxe a dádiva de ver o mundo com olhos melhores. Não exatamente como as coisas são, mas como podem ser a partir da postura que escolhemos. De forma muito sutil, com a delicadeza própria das grandes transformações (aquelas que não se esperam e a gente só se dá conta quando está totalmente envolto) que enfim mudam nossas vidas para sempre. ”

A paixão pela protagonista eternizada por Audrey Tautou é outro motivo. “Amélie despretensiosamente toma conta do tímido e muito aconchegante cenário, rico em objetos, sons, cores vibrantes, fazendo o filme se tornar ainda mais vívido com sua atitude “heroica” ao simplesmente propor a si mesma fazer da vida ao seu redor um mundo melhor para viver”.

Mesmo não se considerando fiel amante da arte cinematográfica, consume apenas como entretenimento, não deixa de confessar a forte reflexão que o filme gerou, e acabou se tornando seu lema de vida, “mesmo considerando que “são tempos difíceis para os sonhadores”, esta obra é capaz de ressignificar a vida, nos fazendo buscar pequenos prazeres cotidianos, motivando a explorar sentimentos tão puros que transbordam em gestos prontos para mudar o astral de qualquer pessoa. Apesar de considerarem que delicadeza e doçura estão meio fora de moda, em tempos de ódio, é bom andar amado!”, completa.


NADIA MOURA – “O PÁSSARO AZUL”, DE WALTER LANG

A pedagoga Nadia Moura viveu o período em que para muitos a Sessão da Tarde era o único meio de viver as histórias feitas para a grande tela. Foi lá onde o longa infantil dirigido por Walter Lang e protagonizado pela eterna estrela-mirim, Shirley Temple, a fascinou. As inúmeras vezes que assistiu ao filme é vivido na sua memória, ela relembra assistir ao clássico inúmeras vezes e sempre ficar encantada:“meu filme preferido da infância e da vida toda é O Pássaro Azul. Chegava da escola na casa de minha avó, e corria para sala deitar no sofá ansiosa para assistir as reprises do filme”.

A história mexeu com seu coração de menina e continua carimbado na alma, ela recorda, “são duas crianças pobres em busca de um pássaro azul, porque para elas ele simboliza a felicidade. Tudo que elas precisam elas vão encontrar nele. Nessa busca elas viajam por diversos lugares e passam por várias situações. Disso vem a lição do pássaro azul ser um símbolo daquilo que estava sempre perto delas, porque a família era a coisa mais importante que eles tinham. A importância de valorizar o que está ao nosso redor, a eterna busca por satisfação e felicidade sem perceber os detalhes que nos fazem felizes”.

E conclui, “uma sensação de nostalgia, e em pensar que tudo o que precisamos muitas vezes está tão próximo e não conseguimos ver. Uma reanálise do que realmente importa”.


PEDRO DANTAS – “BONEQUINHA DE LUXO”, DE BLAKE EDWARDS

O apaixonado por cinema clássico e dono de uma invejável coleção de raridades na estante, não poderia escolher outro filme senão um dos maiores clássicos de Hollywood da década de 60, e o maior marco na carreira de Audrey Hepburn, grande nome de sua era. “O filme da minha vida, de tantos e tantos filmes que marcaram e fizeram o que é hoje a Minha Vida, eu continuo dizendo que é Bonequinha de Luxo. Foi esse filme que me introduziu ao cinema clássico, os filmes antigos que se tornaram a minha grande paixão, a minha vida – os atores e seus personagens eram meus melhores amigos, como é Holly Golightly, a doidinha garota de programa perdida no turbilhão da metrópole de Nova York”.

A paixão pelo filme de Blake Edwards vai além da história adaptada do livro de Truman Capote. Pedro vê significado na estrela que o protagoniza: “muitos criticam o filme por ser uma comédia romântica boba, ou que Audrey criou um estereótipo de moça bonitinha com roupas bonitas. Primeiro que essa mulher foi um hino do começo ao fim da vida, na sua resistência na Segunda Guerra, sua carreira dramática versátil e inesquecível, e por seu trabalho humanitário, tudo que até hoje inspira pessoas do mundo inteiro e de todas as gerações. Audrey era autêntica, e provou ser muito mais do que um rosto bonito. Além de ter se tornado um ícone de beleza sendo totalmente fora dos padrões da época”.

E completa, “é uma história sobre uma pessoa em busca de si mesma, que acredita que pessoas não pertencem a pessoas, foge de si mesma e de suas emoções por medo, até que George Peppard chega em sua vida para mudá-la para sempre, em um final romântico na chuva inesquecível. E claro, ao som da minha música também de vida: Moon River. Sim, o rio da lua, que todos nós iremos… atravessar com estilo. Um dia”.


SILVIA ALMEIDA – “À PROCURA DA FELICIDADE”, DE GABRIELE MUCCINO

A médica Silvia Almeida adora uma boa comédia e sabe de cor os bordões das suas farofas favoritas, mas é o drama estrelado por Will Smith e o filho Jaden, que marcou em cheio suas experiências com cinema. “Existem diversos filmes que me inspiraram durante a vida, mas em especial “À Procura da Felicidade”. Confesso que o assisti várias vezes e em todas ele continua emocionante. ”

Com roteiro baseado em uma história real, a adaptação narra as dificuldades e perseverança de um pai solteiro frente à uma crise financeira, obstinado em cuidar do filho de cinco anos, eles enfrentam diversos infortúnios sem perder a fé. “Mostra o quanto somos capazes de superar os diversos tipos de dificuldade e ir adiante por quem amamos. Para mim, esse filme é uma lição de vida e do que significa família”, afirma.