A despeito do título, O Físico não tem nada a ver com questões de matéria e energia e fórmulas que você decorou para passar no vestibular. O termo, na verdade, tem aqui outro significado, que, por mais estranho que pareça, foi corretamente traduzido do “physician” do original em inglês: trata-se do nome dado a médicos durante a Idade Média.

Embora muito criticada, é uma escolha apropriada, já que é justamente nesse período de tempo em que se passa a jornada do protagonista Rob Cole, um jovem britânico que dá uma verdadeira volta ao mundo determinado a realizar seu sonho de se tornar um médico (ou físico, nesse caso). Baseado no best-seller de Noah Gordon escrito em 1986, O Físico é dirigido pelas mãos do alemão Philipp Stölzl com ares de épico, com direito a grandes paisagens e tomadas desérticas que chegam a lembrar até mesmo Lawrence da Arábia.

Após perder sua mãe para a “doença de lado” (expressão utilizada para designar a então desconhecida apendicite), o garoto Rob Cole (vivido por Tom Payne) passa a acompanhar um barbeiro sem nome (Stellan Skarsgård) pela Inglaterra afora, e no caminho vai aprendendo sobre a arte da cura. Determinado a expandir seus conhecimentos para ajudar as pessoas, Rob decide viajar para Isfahan, coração do longínquo Império Persa, para estudar com o mestre da medicina oriental Ibn Sina (ou Avicenna, vivido por Ben Kingsley). O problema é que cristãos não são bem-vindos no caminho até a cidade, então Rob deverá se passar por judeu para poder chegar a seu destino.

Este é apenas um dos muitos conflitos religiosos que permeiam o filme, o que de cara acrescenta uma camada bem interessante à história, ao retratar a “rivalidade” entre religiões e a busca pelos avanços científicos. Se na Inglaterra cristã medieval Rob e seu mentor barbeiro são diversas vezes censurados e acusados de bruxaria por seus métodos de cura, um cenário totalmente diferente se encontra na Pérsia, onde Ibn Sina comanda uma enorme madrassa, lugar em que atende pacientes e ensina alunos na arte da medicina. O contraste fica claro na eficiente fotografia, que mergulha em trevas a Europa medieval, para depois enfocar planos mais abertos e coloridos, privilegiando o mundo oriental com o qual Rob se confrontará.

Claro que, mesmo com os avanços feitos em Isfahan, a situação eventualmente se complique por conta dos tabus e ensinamentos pregados pelas várias religiões presentes na cidade, como o judaísmo e o islamismo. Nesse sentido, O Físico se sai bem em mostrar as dificuldades que o protagonista enfrenta na era medieval. Rob se vê impedido de dissecar um corpo para poder estudar a anatomia humana, por exemplo, pois violar um cadáver seria um pecado inadmissível – e as consequências desses e de outros atos revelam o lado mais extremista das religiões no filme, independentemente de quais sejam. Ainda assim, a carteirinha de vilões acaba caindo para os muçulmanos mesmo: nem todos os judeus, persas ou cristãos são virtuosos, mas não há um só mulá ou seljúcida que não seja a encarnação do mal trajando as vestes do falso moralismo.

Apesar desse maniqueísmo que acaba envolvendo o tema dos conflitos religiosos, O Físico também tem seus melhores momentos quando mostra o aprendizado de Rob e o desafio dos estudos da medicina nesse período histórico. Embora Tom Payne seja um ator claramente limitado, ele traz carisma ao personagem, e um brilho nos olhos sincero toda vez que o aprendiz de medicina desvenda alguma coisa nova nesse universo. Pena que a química e a relação entre ele e Ibn Sina, vivido com serenidade por Ben Kingsley, perca espaço para uma obrigatória relação amorosa insossa e proibida com Rebecca (Emma Rigby).

Além disso, mesmo com uma duração de duas horas e meia, o filme muitas vezes dá a impressão de estar correndo, o que fica evidente na montagem apressada que dá saltos abruptos em vários momentos do longa. Talvez seja por conta de uma tentativa de se manter fiel ao material original, já que o livro tem sete longas partes. Não é à toa que uma versão estendida será exibida no formato de minissérie na TV alemã, fazendo jus à linha de narrativa episódica que o filme adota.

No fim das contas, O Físico pode não ser nenhuma obra-prima, mas é um filme consistente o suficiente para ser um bom entretenimento. Com um tema interessante nas mãos, Philipp Stölzl não se destaca, mas constrói um filme regular com bons momentos dignos de épicos e aventuras antigas.