O novo filme de Michel Hazanavicius, vencedor do Oscar de 2012 por O Artista (2011), traz um recorte da vida de Jean-Luc Godard (Louis Garrel), um dos grandes nomes da revolucionária Nouvelle Vague, logo após a realização de A Chinesa (1967), apresentando o relacionamento que o cineasta teve com a protagonista da película, Anne Wiazemsky (Stacy Martin).

Já tendo realizado obras amplamente consagradas internacionalmente como Acossado (1960), Viver a Vida (1962), O Desprezo (1963), O Demônio das Onze Horas (1965), o diretor era um dos principais nomes do cinema mundial e, mesmo jovem, já havia alcançado um verdadeiro culto a sua figura, sendo colocado como um artista fundamental da sua época.

O período escolhido por Hazanavicius – que também assina o roteiro, baseado na biografia escrita pela própria Anne Wiazemsky – representa uma virada na vida do cineasta, que a partir de A Chinesa passou a deixar a sua vertente política tomar conta de basicamente todas as suas atitudes (inclusive as artísticas, claro), fazendo com que Godard pensasse que o cinema torna-se uma ferramenta sem sentido na sociedade se não expõe os abusos de poder da classe política com os seus métodos fascistas. Essa virada faz com que o cineasta negue, inclusive, o seu próprio cinema, que passou a classificar como um “cinema de merda”, e busque outras maneiras de enxergar e produzir cinema.

Utilizando-se de um jogo de metalinguagem, Hazanavicius emula efeitos visuais e de fotografia icônicos utilizados por Godard nos seus filmes mais famosos, ressignificando estes símbolos para novos contextos, ao mesmo tempo nos aproximando das personagens, e da lembrança dos filmes do diretor.

E também cria sequências que demonstram uma boa capacidade como diretor de comédia, com um humor suave, que faz rir pelos detalhes, mas que também se posiciona como comédia mais aberta, alcançando um equilíbrio que não se vê em muitos cineastas contemporâneos. Há momentos inspirados como a sequência da dublagem em cima das imagens de O Martírio de Joana D’arc; o “institucional” que representa o pensamento de Godard a respeito de Pierre Lazareff; o clima entre Godard e Anne representado pelos títulos dos livros que leem. O ritmo é bom, e o filme sempre soa agradável.

Falando de uma figura controversa, explosiva, e que constantemente parte para ásperos conflitos argumentativos, O Formidável também conta com uma boa habilidade do seu diretor em deixar o filme leve e divertido, ainda que tenha um protagonista tão “não-amigável”. Mesmo quando a discussão política toma conta do filme de maneira mais decisiva, inclusive com diversas cenas de lutas armadas, afinal ela era parte fundamental da vida de Godard, o clima ainda é bem-humorado e divertido. Hazanavicius não perde o foco, sabe que o sucesso desta comédia não está em diminuir a antipatia de Godard, mas em mostrar o quanto ele era brilhante e atraente mesmo assim, fazendo com que essa sua postura tão incisiva funcione quase como um realce à sua capacidade, como vemos pelos olhos de Anne.

Ainda mais destacadas que a direção são as atuações de Louis Garrel e Stacy Martin. Fazia tempo que não via atuações tão carismáticas e envolventes de um casal de protagonistas. Eles fazem parecer fácil. Garrel emprega energia e disposição para viver um Jean-Luc Godard sempre intenso, com a cabeça a mil, com respostas rapidíssimas e cortantes. Ao mesmo tempo trata-se de um homem irresistível, atraente, inteligente, e que mesmo quando se mete em rompantes de fúria com ofensas para todos que estiverem ao redor, Garrel faz com que essas explosões soem humanas, de uma figura que faz o que faz por ter um senso de justiça e responsabilidade muito aguçados, e não por soluções fáceis.

Já Martin é um contraponto fundamental como Anne Wiazemsky. Criando uma jovem que começa a ter despertada as questões que irão formar a sua personalidade como adulta, ela exibe sempre um olhar curioso, atento, e o faz com um carisma contagiante, dá vontade de conhecer o mundo com ela, se necessário. Ela se vê numa relação com um homem que admira, mas que claramente compreende que não tem como ir muito adiante, e isso faz com que ela se posicione como alguém que pensa, tem opinião, e que não existe apenas em função do namorado. E tudo isso de maneira leve, sem fazer força. A sequência dela em preto e branco sobre a cama é hipnotizante, dos momentos mais belos do cinema em 2017.

O Formidável é um filme pequeno, que provavelmente não possuirá muito impacto nas bilheterias brasileiras. Mas Hazanavicius conseguiu realizar uma obra divertida, que contribui para maior conhecimento a respeito de um dos grandes gênios do cinema, e conta com dois jovens atores em excelente forma. Só por isso já é acima da média do ano.