Wes Anderson aproxima o cinema das ciências exatas.

Os planos, enquadramentos, movimentação da câmera, figurinos, direção de arte, trilha sonora são tão calculados que cada take parece ser planejado minuciosamente durante semanas até ser filmada semelhante ao que fazia Stanley Kubrick. Cada segundo e elemento em tela possui um significado para a construção de um universo peculiar permeado por um contido sarcasmo. Tanto rigor, por vezes, parece afetar o cineasta no desenvolvimento dos personagens, criando obras insípidas dentro de uma bela embalagem.

Se “Três é Demais” e “Os Excêntricos Tenenbaums” conseguiram resultados satisfatórios nos dois campos, “A Vida Marinha de Steve Zissou”, “Viagem a Darjeeling” e “O Fantástico Sr. Raposo” deixavam a sensação do componente emocional de lado para se concentrar no aspecto estético. “Moonrise Kingdom” parecia trazer novo frescor para Anderson, o que acaba confirmado com “O Grande Hotel Budapeste”.

Baseado nas obras do escritor austríaco Stefan Zweig, o filme traz a história de M. Gustave (Ralph Fiennes). Gerente do Hotel Budapeste localizado no fictício país do leste europeu Zubrowka, ele acaba sendo acusado do assassinato da rica Madame M. (Tilda Swinton). Com a ajuda do aprendiz de mensageiro Zero (Tony Revolori), o protagonista necessita provar a inocência, enquanto foge do perigoso Dimitri (Adrien Brody) e do capataz Jpoling (Willem Dafoe).

O Grande Hotel Budapeste, de Wes Anderson

A solidão ronda “O Grande Hotel Budapeste” e o estilo de Wes Anderson funciona para mostrar isso: as cores laranja, rosa e vermelha predominam no hotel, realçando o aspecto acolhedor do local, enquanto passagens fora desse ambiente são dominadas por tons mais próximos do cinza para dar uma visão pessimista sobre o que acontece ao redor do mundo. Se o mundo fora do hotel ganha contornos escuros, com pessoas vestidas quase sempre de preto, vilões com olheiras ou maquiagens pesadas no contorno dos olhos, cabelos mal arrumados, o figurino sempre impecável de cor roxa e a postura dos funcionários busca a sensação de que ali as coisas funcionam como deve ser. A tradicional trilha sonora mais roqueira dos filmes do cineasta dá espaço para composições mais lúdicas do compositor Alexandre Desplat.

Gustave representa o elemento central para esse mundo solitário. A dedicação dele se sustenta em acreditar na capacidade de oferecer aos hóspedes a transformação de vidas tristes em felizes por um breve espaço de tempo. Há nele uma abdicação dos próprios gostos para exercer este serviço: o gerente do hotel está sempre acima da pessoa física e o que tiver de ser feito para agradar seus clientes será feito. Por outro lado, se consegue preencher os vazios alheios, o cargo traz a solidão para o protagonista representado no breve momento em que janta sozinho no próprio quarto. O mensageiro Zero serve para estancar esse sentimento e dar um novo rumo à trama ao criar uma dupla digna dos melhores filmes de aventura das antigas. A interpretação meticulosa de Ralph Fiennes – sempre com a expressão “darling” a tiracolo – com o jeito perdido de Tony Revolori funciona e a química entre figuras tão díspares serve como a base fundamental de “O Grande Hotel Budapeste”.

Como gosta de trabalhar com muitas estrelas de Hollywood em participações especiais, Wes Anderson procura arranjar espaço para todo mundo. Casos de Edward Norton com o breve momento em que fala de sua lembrança de Gustave e Tilda Swinton irreconhecível com tanta maquiagem funcionam muito bem, enquanto Jude Law, Jason Schwartzman, Harvey Keitel, Jeff Goldblum e Léa Seydoux quase nada podem fazer. Quem realmente sai prejudicada é Saoirse Ronan dentro de uma história de amor que não convence. Por outro, os breves momentos de Bill Murray, Mathieu Amalric e Owen Wilson ganham força por trazer diferentes tipos do protagonista e dos Zeros existentes naquele universo, além de mostrar a existência da solidariedade entre pessoas com menos poder aquisitivo. Já Adrien Brody e Willem Dafoe divertem o público e a si próprios com figuras caricaturais.

Com toques de Agatha Christie e Tintin, “O Grande Hotel Budapeste” diverte ao passear por gêneros como ação, drama, suspense e terror com o sarcasmo de sempre presente. O que acaba realmente prendendo a atenção do público, entretanto, chama-se Wes Anderson e a capacidade técnica exibida pelos seus constantes colaboradores Adam Stockhausen (diretor de arte) e Robert Yeoman (diretor de fotografia) de criar universos estéticos únicos.

* Texto original alterado para substituir a equivocada expressão humor negro.